Capítulo Catorze

Marlon Shipka:

Os dias que se seguiram foram uma névoa constante de desconforto e exaustão. A maior parte desse desconforto vinha da minha relação com Otto. Desde o momento em que joguei a verdade em sua cara, ele tem me evitado a todo custo. Nos raros momentos em que precisamos discutir assuntos realmente importantes, ele move os lábios para falar comigo, mas seus olhos estão sempre fixos na porta do escritório ou na janela, como se calculasse a melhor rota de fuga.

Ainda me custa acreditar que ele reagiu assim apenas por causa do que aconteceu. Parece que Otto quer fingir que nada aconteceu, talvez para evitar qualquer tensão entre nós. Ignoro essa tentativa de negação e concentro minha atenção nos aprendizes, orientando-os em como aprimorar suas habilidades mágicas. Na maioria das vezes, eles estão progredindo bem sob minha tutela.

Agora, estou deitado na cama, tentando desesperadamente dormir o máximo que puder. Quase consigo cochilar novamente quando alguém começa a bater na porta.

— Vá embora. Hoje é sábado, e não tenho nenhuma aula agendada — murmuro, com a voz abafada pelas cobertas. Mas as batidas ficam mais fortes, ressoando como marteladas em minha mente. Sento-me na cama, sentindo cada fibra do meu corpo protestar contra o movimento. Tudo o que eu queria era dormir mais um pouco.

As batidas, no entanto, tornam-se ainda mais insistentes.

— Tudo bem! — grito, esfregando os olhos com irritação. — Estou levantando! Quem é?

As batidas finalmente cessam.

— Não tenho tempo para isso, senhor Marlon — uma voz feminina dispara do outro lado da porta. — Abra. Agora!

Algo na urgência daquela voz me faz perceber que essa pessoa precisa realmente falar comigo sobre algum assunto importante. Suspiro, resignado, e estendo a mão em direção à maçaneta, meus dedos brilhando suavemente enquanto murmuro as palavras de um feitiço simples. A maçaneta emite um leve brilho antes de girar, e as dobradiças rangem em protesto.

Mal termino de desfazer o feitiço e a porta se abre com um estrondo. Lila entra apressada, seus olhos varrendo o quarto antes de pousarem em mim com um sorriso enorme no rosto. Ela era, sem dúvida, a pessoa mais teimosa que eu já havia encontrado em todas as minhas vidas. Vestida com um kefta creme bordado em ouro e forrado com pele de raposa avermelhada, Lila parecia uma força da natureza.

Guilherme e Lopes a seguiam de perto, ambos usando calças e camisas de mangas compridas.

— Meu Deus — Lila exclama, olhando-me dos pés à cabeça. — Você acabou de acordar ou simplesmente não tomou banho?

Olho para ela, cheio de raiva e exaustão.

— Você me acordou, Lila. Ainda é sábado de manhã — retruco, esfregando os olhos novamente.

— Vamos até a cidade — ela anuncia, ignorando completamente minhas palavras, com um sorriso de orelha a orelha. — E você vem junto.

Antes que eu pudesse protestar, a garota já estava dando ordens para os serviçais que entraram logo atrás dela.

— Preparem um banho. Um bem quente. Tirem esse pijama e tragam a melhor roupa que ele tem. Vamos ao trabalho! — ela grita, suas ordens cortando o ar como chicotes.

Os empregados se lançam sobre mim, puxando meu pijama com uma rapidez assustadora.

— Ei! — grito, afastando suas mãos com raiva. — Não preciso de ajuda para tomar banho!

— Segurem-no, se necessário — Lila comanda, enquanto vasculha meu guarda-roupa. — Meninos, ajudem também! Não fiquem aí parados como estátuas. Senhor Marlon, é claro que você precisa de ajuda para não se atrasar!

Os empregados redobram seus esforços, agora com a ajuda dos meninos, enquanto eu me debato, completamente emburrado. Em questão de segundos, estou dentro de uma banheira de água quente.

Solto um xingamento quando uma das empregadas agarra minha cabeça e começa a lavar meu cabelo, a irritação crescendo dentro de mim. Antes que pudesse me controlar, a água da banheira explode em todas as direções, e um vento forte empurra todos para fora do banheiro.

— Eu tomo banho sozinho! Todos para fora! — grito, minha voz ecoando pelas paredes.

Ouço os passos apressados do lado de fora enquanto termino o banho no meu próprio ritmo. Cuido da minha higiene e, uma vez pronto, visto um roupão de seda e volto ao quarto, que agora está vazio.

Sobre a cama, vejo uma túnica e calças decoradas, que lembram um céu estrelado, acompanhadas por botas de couro e um casaco cinza. Sento-me na beirada da cama, deixando meus dedos passarem levemente pelo tecido.

Há até um pequeno emblema que lembra uma varinha, emitindo um leve brilho castanho, o símbolo da minha família. É uma das poucas coisas que trouxe comigo quando parti em minha jornada.

Já faz tanto tempo desde que usei essas roupas... Para quem me visse agora, pareceria que elas eram perfeitas para qualquer ocasião. Mas para mim, eram um lembrete doloroso do porquê estou lutando desesperadamente para construir um futuro sem dor.

Balanço a cabeça, afastando esses pensamentos enquanto volto ao presente. Visto a roupa com cuidado e me olho no espelho do quarto. Por um instante, sinto como se meus pais estivessem ali ao meu lado, tanto os desta vida quanto os da anterior.

Um aperto no peito surgiu de repente, como uma sombra inesperada, ameaçando sufocar-me com sua intensidade. Por alguns segundos, a sensação dominou meus sentidos, mas, com um esforço consciente, empurrei-a para longe, como se varresse um pensamento indesejado para fora da mente. Aos poucos, a pressão se dissipou, desaparecendo tão rapidamente quanto havia surgido, deixando-me com uma estranha sensação de vazio, mas determinado a não permitir que aquela emoção me controlasse.

Saí do quarto, encontrando os outros parados no corredor.

— Você está deslumbrante! — Lila exclamou, batendo palmas com entusiasmo. — Eu sabia que essa roupa iria cair perfeitamente em você.

— Você exagera demais, Lila — Lopes comentou, revirando os olhos diante da animação da irmã.

— Não vão começar a brigar agora, certo? Se fizerem isso, vou voltar direto para a cama — adverti, estralando os dedos, o que fez Lila voltar o olhar para mim, segurando minha mão firmemente.

— Nem pensar! A carruagem já está nos esperando — disse ela, puxando-me com determinação enquanto os meninos nos seguiam de perto.

Caminhamos pelos corredores, passando pelos servos que me cumprimentavam com sorrisos calorosos e acenos amigáveis. Desde que cheguei aqui, todos pareceram me acolher com um carinho genuíno, sempre dispostos a uma conversa ou um gesto de gentileza.

Foi então que notei algo estranho: duas pessoas estavam faltando. Uma ausência que se fez sentir como um peso silencioso no ambiente.

— Onde estão o Arthur e o Steven? — perguntei, franzindo o cenho enquanto olhava para o grupo. — Eles são minha guarda pessoal, afinal.

Seria ótimo tê-los conosco. Steven, em particular, seria extremamente útil para me ajudar a despistar curiosos se eu me demorasse em alguma loja, e Arthur seria uma companhia mais que bem-vinda para suportar o que quer que Lila tenha planejado.

— Sofia os mandou limpar as armas dos cavaleiros — Guilherme respondeu, sem se abalar. — E depois disso, cuidar da bagunça que deixamos durante o treino de ontem.

— Mas eu já arrumei tudo com magia! — exclamei, chocado, enquanto Lopes e Guilherme trocavam sorrisos cúmplices. — Não, nem quero saber o que vocês fizeram. Mas fiquem sabendo que vou dobrar o treinamento de amanhã por causa disso.

Lila assentiu vigorosamente, concordando com minha decisão, e continuamos nosso caminho até a parte da frente do palácio, onde uma carruagem nos aguardava. Quando estávamos prestes a partir, virei-me por instinto e vi Otto surgir no topo da escadaria.

Ele parou imediatamente ao me ver, como se tivesse sido congelado no tempo, seus olhos fixos nos meus com uma intensidade que fez o tempo parecer suspenso por um instante. Ficamos nos encarando por um longo momento, até que Drake o chamou, quebrando o encanto e fazendo Otto desviar o olhar e continuar seu caminho.

O aperto no peito que eu havia afastado mais cedo ameaçou voltar, mas o empurrei novamente, recusando-me a ceder ao peso daquela troca silenciosa de olhares. Sabia que havia algo não resolvido entre nós, algo que talvez só o tempo pudesse curar, ou talvez aprofundar ainda mais.

— Vocês ainda estão se estranhando? — Lila perguntou, cutucando meu ombro com uma sobrancelha arqueada, o olhar afiado como sempre.

— O imperador é quem está estranho comigo — respondi, estalando a língua com uma ponta de irritação, tentando esconder o desconforto que aquelas palavras traziam.

Ela me observou por um momento, como se estivesse tentando decifrar os sentimentos que eu estava tentando mascarar, mas logo deu de ombros, optando por não aprofundar a questão. Eu sabia que Lila tinha suas suspeitas, mas também sabia que ela era astuta o suficiente para não pressionar além do necessário.

Enquanto nos dirigíamos à carruagem, o olhar penetrante de Otto ainda queimava na minha mente, como uma chama que eu não conseguia apagar completamente. Mas forcei-me a afastá-lo. Havia outras preocupações naquele dia, e lidar com as emoções complexas envolvendo o imperador não estava nos meus planos imediatos.

Assim que passei pela porta da carruagem, ouvi o pessoal rindo, aliviados e animados por finalmente poderem ir até a cidade — e, aparentemente, por terem conseguido me arrastar junto. Suas risadas encheram o espaço, mas eu estava distante, minha mente presa em outro lugar, desconectada da conversa que rapidamente se transformou em uma discussão amigável entre eles.

Enquanto os sons da conversa fluíam ao meu redor, virei o olhar para a janela da carruagem, observando a paisagem passar lentamente. Por um breve momento, permiti-me reconhecer a beleza daquele lugar. As colinas verdejantes, as árvores que balançavam suavemente ao vento, e o céu que parecia se estender infinitamente... tudo era realmente fantástico. Mas, apesar da tranquilidade exterior, uma tempestade silenciosa ainda rugia dentro de mim, misturando memórias e emoções que eu ainda não estava pronto para enfrentar.
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Gostaram?

Até a próxima 😘

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