Bônus Um

Narrador:

Otto deixou o salão de refeições em um silêncio pesado, cada passo ressoando suavemente pelos corredores do palácio. Após o intenso almoço com Marlon, sua mente estava um turbilhão de emoções e reflexões. Ao passar pelos corredores, os empregados pararam momentaneamente suas tarefas, inclinando-se em reverência silenciosa ao seu imperador, seus olhares carregados de respeito e talvez uma pitada de curiosidade. No entanto, Otto mal os notava, preso em um vórtice de pensamentos que parecia envolver tudo ao seu redor.

A cada passo, o eco dos sapatos de Otto no chão de mármore soava como um relógio implacável, marcando o tempo que ele sentia escapar entre seus dedos. Ele entrou em seu escritório e fechou a porta atrás de si com um leve clique, isolando-se do mundo exterior. Ali, sozinho, a magnitude das decisões que tinha tomado e das que ainda precisaria tomar o esmagava.

Sentado em sua cadeira, Otto olhou para a mesa à sua frente, mas sua mente estava longe dali. Ele estava perdido, não no ambiente luxuoso ao seu redor, mas nas profundezas de suas próprias incertezas e ansiedades. Cada pensamento era uma sombra, cada dúvida uma voz sussurrante em sua mente, questionando sua habilidade de liderar, de fazer as escolhas certas, de proteger aqueles que dependiam dele.

Otto suspirou, um som quase inaudível em meio ao silêncio que o cercava, e fechou os olhos por um momento, tentando encontrar a clareza que parecia lhe escapar.

Otto fechou os olhos, deixando que as memórias o envolvessem como uma brisa suave que vinha do passado. Ele se lembrou das histórias que sua mãe costumava contar, os sussurros doces sobre o dia de seu nascimento. A falecida imperatriz, com sua voz suave e carinhosa, sempre lhe dizia que ele havia sido recebido com uma alegria indescritível. Não só no palácio, mas em cada canto do vasto império, os sinos ecoaram por horas, celebrando o nascimento do herdeiro. Era como se o próprio mundo tivesse parado para celebrar sua chegada.

Ele podia quase ouvir os sinos novamente, um coro distante que ressoava em sua mente, enquanto as palavras de sua mãe retornavam, trazendo consigo uma sensação agridoce de nostalgia. Naquele dia, o castelo, sempre majestoso, havia se tornado ainda mais grandioso, iluminado pelas festividades que duraram até o amanhecer. Champanhe havia sido servido sem reservas, flutuando em taças de cristal que cintilavam sob a luz dos candelabros, enquanto as pessoas brindavam à saúde do recém-nascido.

Seus pais, o imperador e a imperatriz, nunca lhe haviam negado nada. Desde cedo, Otto havia sido criado como um príncipe destinado a grandes feitos, com todos os seus desejos atendidos antes mesmo de serem expressos. Eles sempre fizeram questão de que ele soubesse o quanto era especial, o quanto seu nascimento havia sido celebrado como um milagre, uma promessa de um futuro brilhante para o império.

Mas, por trás dessa abundância de amor e privilégios, Otto agora percebia algo mais profundo, algo que talvez na época ele fosse jovem demais para compreender. Com toda essa liberdade, vieram também expectativas imensas, o peso de um legado que ele não podia ignorar. Cada desejo atendido, cada limite inexistente, não eram apenas sinais de amor, mas também lembretes silenciosos de sua responsabilidade para com seu povo e seu império. Agora, mais do que nunca, Otto sentia o peso de tudo isso, como se as sombras das expectativas de seus pais ainda pairassem sobre ele, mesmo depois de tantos anos.

Ele abriu os olhos, encarando o presente com um coração pesado, mas determinado. Sabia que, como imperador, teria de honrar o que eles haviam lhe dado, não apenas em termos de riqueza e poder, mas também em força e sabedoria. E, no fundo, talvez essa fosse a maior lição que seus pais jamais lhe disseram diretamente: o verdadeiro poder não estava na ausência de limites, mas na capacidade de governar a si mesmo e ao império com justiça e compaixão.

Otto suspirou profundamente, as lembranças do passado começando a se entrelaçar com as complexidades do presente. Ele sabia que havia algo que nunca lhe fora ensinado, algo que seus pais, com todo o amor e atenção, não puderam prever: o impacto de suas próprias escolhas e desejos. E ele teve essa revelação de forma inesperada, no momento em que conheceu Marlon.

Desde o primeiro encontro, havia algo em Marlon que atraía Otto de uma maneira que ele não conseguia explicar. Era como se uma faísca tivesse sido acesa entre eles, criando uma conexão que era ao mesmo tempo intrigante e avassaladora. Quando seus lábios se encontraram pela primeira vez, Otto sentiu uma corrente elétrica percorrer seu corpo, uma mistura de desejo e medo que ele não experimentava há muito tempo. Aquele beijo, tão breve e ao mesmo tempo tão intenso, despertou algo dentro dele, algo que ele não sabia se poderia controlar.

Logo, o desejo de reviver aquele momento se tornou quase insuportável. Otto queria mais, precisava sentir aquela conexão novamente, como se Marlon fosse a única pessoa capaz de preencher um vazio que ele mal sabia que existia. Mas, ao mesmo tempo, ele começou a perceber que estava se aproximando de um precipício perigoso, ultrapassando limites que não eram seus para definir.

Marlon, com sua postura reservada e seu olhar que sempre parecia esconder algo, havia erguido barreiras ao redor de seu coração, barreiras que Otto estava perigosamente perto de atravessar. E era isso que o aterrorizava. Marlon havia deixado claro, de maneiras sutis que Otto não conseguia totalmente compreender, que havia limites que não podiam ser ultrapassados. Mas Otto, acostumado a nunca ter restrições, a sempre obter o que desejava, sentia-se impelido a seguir em frente, a ignorar esses sinais, mesmo que uma voz sussurrante em sua mente lhe dissesse que estava caminhando para o desastre.

Ele sabia, no fundo de seu coração, que esse desejo incontrolável poderia ser seu maior erro. Marlon não era como os outros; havia algo nele, uma resistência, uma força interior, que Otto não podia simplesmente contornar ou dominar. E isso o deixava inquieto, pois pela primeira vez, ele estava confrontado com algo que não podia controlar ou possuir completamente. Otto se perguntou, enquanto olhava para as sombras dançando nas paredes de seu escritório, se seria capaz de encontrar um equilíbrio, ou se estava condenado a destruir a única conexão verdadeira que havia sentido em muito tempo.

Otto abriu os olhos, fitando o teto de seu escritório por um longo momento. As sombras ali projetadas pareciam refletir as dúvidas que o atormentavam, mas ele sabia que não poderia enfrentar isso sozinho. Respirou fundo, como se estivesse se preparando para um passo importante, e então chamou, sua voz ecoando no espaço silencioso.

— Sofia.

No instante seguinte, a porta se abriu e Sofia, sua fiel cavaleira e guarda pessoal, entrou na sala com a precisão e a discrição de alguém que conhecia bem o imperador. Seus olhos atentos rapidamente notaram a tensão no semblante de Otto, mas ela manteve a postura firme, pronta para servir em qualquer situação. Apesar de todo o seu treinamento e disciplina, havia um laço entre eles que transcendia o mero dever; Sofia era mais do que uma cavaleira leal, era sua amiga mais antiga, alguém que conhecia Otto não apenas como imperador, mas como o homem que ele era.

Otto virou a cabeça para encontrá-la, seus olhos refletindo um turbilhão de emoções, e falou com uma sinceridade rara, reservada apenas para aqueles em quem ele realmente confiava.

— Posso pedir um conselho, Sofia? — Ele fez uma pausa, sua voz mais suave, quase vulnerável. — E quero que seja sincera. Não apenas como minha cavaleira, mas como a amiga que sempre foi para mim.

Sofia, que estava sempre pronta para defender Otto de qualquer ameaça externa, agora se viu diante de uma situação muito mais delicada. Ela percebeu que o que Otto estava prestes a discutir exigiria uma honestidade brutal, algo que poderia feri-lo, mas também era necessário. Ela se aproximou dele, seus passos quase inaudíveis no carpete macio do escritório, e se postou ao seu lado, com a confiança que só anos de amizade poderiam proporcionar.

— Claro, Otto — respondeu ela, usando o nome dele sem título, uma intimidade que apenas ela podia se permitir. — Você sabe que pode contar comigo para qualquer coisa. O que está pesando tanto em seu coração?

Otto hesitou por um segundo, mas sabia que Sofia era a única pessoa em quem podia confiar completamente. Ele precisava de sua perspectiva, de sua franqueza. Afinal, Sofia sempre fora a voz da razão em meio ao caos de sua vida.

— Sofia, estou começando a acreditar que minhas escolhas, especialmente em relação a Marlon, podem estar me levando por um caminho perigoso. — Ele desviou o olhar, sentindo o peso de suas próprias palavras. — Ultrapassei limites que talvez não devesse. E não sei se sou capaz de parar. Preciso saber se estou cometendo um erro que não poderei desfazer.

Sofia manteve os olhos fixos em Otto, absorvendo cada palavra. Ela sabia que o que estava em jogo era muito mais do que um simples capricho do imperador; era o coração dele, sua capacidade de discernir entre o desejo e o dever, entre o amor e a responsabilidade. Ela respirou fundo antes de responder, sabendo que suas palavras precisavam ser medidas com cuidado, mas também com a honestidade que ele havia pedido.

— Otto, você sempre foi alguém que seguiu seus instintos, e isso o trouxe até aqui, como um líder admirado. Mas o coração, especialmente quando envolvido com outra pessoa, é um território delicado. Se Marlon colocou barreiras, talvez seja porque ele também sente algo forte, mas não sabe como lidar com isso. Respeitar esses limites, por mais difíceis que sejam, pode ser a chave para preservar o que há de bom entre vocês. Às vezes, o verdadeiro poder está em segurar o desejo de avançar e permitir que as coisas se revelem no seu tempo.

As palavras de Sofia ressoaram profundamente em Otto, como um eco de verdades que ele já conhecia, mas não queria admitir. Ele sabia que, como imperador, tinha o poder de moldar seu destino e o destino daqueles ao seu redor. Mas, como homem, ele tinha que aprender a navegar nas águas imprevisíveis do coração.

— Mas o que eu realmente quero dizer, Otto, é que Marlon passou por coisas antes de vocês se conhecerem, e talvez... — Sofia começou, sua voz carregada de uma preocupação sincera, mas foi interrompida pelo gesto suave, mas firme, do imperador, que levantou a mão, pedindo silêncio.

Otto respirou fundo, suas palavras escolhidas com cuidado enquanto ele processava o que Sofia havia dito. — Então, acho que seria sensato me afastar um pouco e respeitar os limites que Marlon colocou em seu próprio coração — disse ele, levantando-se do lugar com uma decisão que parecia pesar sobre seus ombros.

Sofia, conhecendo bem Otto, estava prestes a argumentar que se afastar poderia ser uma solução simplista, que talvez o melhor fosse uma conversa franca, uma tentativa de entender melhor o que Marlon estava enfrentando. Mas antes que pudesse expressar essas preocupações, uma batida firme na porta interrompeu o momento.

— Entre — disse Otto, endireitando a postura e assumindo sua expressão mais formal.

A porta se abriu, e o conselheiro do imperador entrou, carregando uma pilha de documentos que ameaçavam transbordar de seus braços. A formalidade do momento exigia que qualquer discussão pessoal fosse deixada de lado. O conselheiro, sempre eficiente e diligente, se aproximou da mesa de Otto, depositando a papelada com cuidado.

— Majestade, tenho aqui documentos importantes que precisam de sua revisão e aprovação — disse o conselheiro, sua voz cortando o ar com a precisão de um bisturi.

Otto lançou um olhar rápido para Sofia, um agradecimento silencioso por sua honestidade, antes de se voltar para os papéis à sua frente. O peso de suas responsabilidades voltou a cair sobre ele, como uma maré inevitável, mas as palavras de Sofia ainda ecoavam em sua mente. Enquanto se preparava para mergulhar no trabalho que o aguardava, ele sabia que a questão de Marlon não poderia ser ignorada para sempre. Afastar-se poderia ser uma solução temporária, mas cedo ou tarde, ele teria que enfrentar esses sentimentos e decidir se o desejo de proteger Marlon justificava sua distância ou se era, na verdade, uma desculpa para evitar a dor que uma conversa honesta poderia trazer.

Com uma última respiração profunda, Otto se acomodou em sua cadeira, pronto para enfrentar as questões políticas e administrativas que vinham com o título de imperador, mas com a sombra de Marlon ainda pairando em sua mente.

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Até a próxima 😘

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