51. Arjune'zur

Um macho de tez pálida, olhar aéreo e andar arrastado tornou-se o único intérprete de Kurdis. Ele compreendia o idioma ked, mas falava-o muito mal. Vestindo apenas uma tanga em farrapos, colocou-se diante do mago e abriu os bracinhos magros.

— Pi'favô, siô Kuds-Frey-Frey. Num sai... Num sai...

— Saia da minha frente, Mutu!

— Tu'ola si fica muto furiossá... Kuds-Frey-Frey ficá ni tunta!

A líder daquela aldeia de noruks selvagens se chamava Tu'uola. Era a fêmea imensa que usava pele de morsolo. Ela, duas jovens fêmeas e uma comitiva de machos havia saído da aldeia há alguns dias, deixando Kurdis aos cuidados de Mutu. Kurdis vinha sendo paparicado pelos noruks, que lhe traziam água, frutas e carne das caças preparadas no braseiro. Também cuidavam dos ferimentos em seus pés e lhe prepararam novos calçados.

— Eu dei minha palavra para Mãe Tu'ola que esperaria ela voltar, não vou muito longe. Eu preciso falar com aquele dragão... Se quiser, venha comigo, depois voltaremos.

— Mutu num quié sê al'almo'almozu pra djadum! — os olhos amarelos de Mutu tremiam.

— Almoço, Mutu? Não se almoça de manhã cedo. E ademais, você só tem pele e osso. Nenhum dragão iria querer comê-lo. Fique tranquilo...

O pequeno noruk baixou os braços, deu passagem e resmungou — Tu'ola me fazê comê Gorb! Gorb de fedor!

— Venha, pare de resmungar e me mostre o melhor caminho até aquele rochedo. — Kurdis indicou o local alto, que podia ser visto à distância.

***

Kurdis vinha aproveitando seu descanso e os cuidados que recebia dos noruks para praticar a jornada de Min'Tai. Tentava contato com seu pai, sem sucesso. Alguma coisa na Torre Prístina facilitava aquele tipo de magia. Fora do local, o alcance da magia parecia ser bem mais limitado.

Depois de algumas tentativas frustradas, fez contato com dragões que habitavam a região. A maioria dos contatos não lhe trazia muita informação. Os dragões de escama preta, como os scotenks, não possuíam uma mente muito desenvolvida. Eram considerados apenas semi-inteligentes. Isso mudou quando contatou um dragão velho, cuja mente era desperta para a linguagem. Esse dragão parecia disposto a conversar com Kurdis.

Kurdis havia acordado naquela manhã, com os noruks agitados.

— Djadum! Djadum nop totek! — eles gritavam.

Mutu veio alertar a respeito do djadum, a palavra noruk para dragão. Insistiu para que Kurdis viesse com os demais para se abrigar na toca. Essa toca era um buraco fundo malcheiroso na extremidade da aldeia, que os noruks haviam escavado para se protegem de ataques de dragões.

— Me solte, Mutu! Eu não vou entrar aí!

O dragão imenso, de escamas azuis-escuras que reluziam como metal, sobrevoava a aldeia. Kurdis nunca havia visto um colenk de chifre reto, mas sabia da fama de serem um dos dragões mais ferozes. Enquanto os noruks corriam em desespero se jogando dentro da toca, Kurdis ficou admirando a besta. O animal deu duas voltas e depois seguiu na direção sul, pousando num rochedo que parecia um enorme paralelepípedo inclinado.

***

— Já disse, Mutu. O dragão não vai querer te comer. Veio aqui para conversar comigo.

— Oia, oia! Gorb-gorb-gorb!

— Pare de resmungar e me diga, o que há além daquele rochedo?

— Parede funda! Muto funda!

— Quem te ensinou a falar ked?

— Nenhum jaruk! Mutu aprendê solzino...

— Aprendeu sozinho? Mas como? Onde?

— Mutu foi farru ni tunta de jarukon.

— Quê? Tunta é cidade? Aldeia?

— Sim, é muta casa junto. Tunta de jaruk! Guin'uji.

— Guin'uji? Em Tédris? — Quando criança, Kurdis tinha feito uma viagem com seu pai até Guin'uji, uma cidade nas montanhas a leste da capital. Lá eles tinham muitos noruks cativos que trabalhavam como serviçais.

— Mutu aprendê ni Guin'uji.

— Entendo.

— Mutu fugiu. Jarukos muto curu'curu'cruel.

— É verdade, pequenino. Os homens podem ser mesmo muito cruéis.

É irônico. Homens são cruéis, mas a mãe Tu'ola não é melhor que os homens. Ela trata Mutu como um cão vadio.

Agora a dupla já estava bem perto do rochedo. Tinham que escalar um morro alto e bem pedregoso. Um cascalho esbranquiçado praticamente se esfarelava sob os pés de Kurdis. Se segurava em galhos de pequenos arbustos que cresciam aqui e ali, para escalar. Logo as pernas começaram a sentir o peso da caminhada.

— Mutu tem medo do djadum, mas animado.

— Agora está animado? Com o quê?

— Keds-Frey-Frey é masu.

— Não entendi.

— Mutu num sabê expric'pricar.

— Masu?

— Masu di vingança. Vingança di norukos. Norukos expulso di tunta, di terra, di lar. Jarukos mata, mata, mata, norukos. Keds'Frey-Frey é masu di vingança!

— Certo...

— Mãe Tu'ola ido buscar Mãe Kullat.

— Quem é essa Mãe Kullat?

— Mãe Kullat é masu. Masu di norukos. Mãe Kullat dizer ni norukos. Dizer todos Keds'Frey-Frey é masu. E norukos todos unir com Keds pra Frey'garra'Zam vingar.

— Quieto, Mutu! Ele está perto...

O rochedo no alto do morro estava perto. Era imenso. Uma de suas faces estava imersa na sombra. Ali, Kurdis viu um grande olho escuro que refletia o céu azul. O dragão se moveu, se diferenciando da textura escura do rochedo sombreado, como se estivesse surgindo do nada. Ele bufou fazendo subir um chumaço de fumaça cinzenta.

— Gorb! Gorb! Gorb! — Mutu resmungou baixinho e molhou sua própria tanga.

O dragão emitiu uma série de sons guturais e chiados. Sons que não faziam sentido algum para o apavorado Mutu. Mas Kurdis, entendeu perfeitamente.

— O que faz no território dos dragões, humano?

— Estou viajando.

— Então você pode mesmo falar o Vishmae! Está aqui para caçar meus irmãos!

— Eu não caço dragões. Eu apenas sei que chega ao fim a era dos homens. É chegado o tempo dos dragões e está anunciado o retorno de Leviamut.

— Você não sabe o que diz, humano. Se não vem caçar dragões, por que traz uma unha de demônio em suas costas?

— Como sabe disso? — Kurdis mantinha a foice embalada em sua capa de couro.

— Eu posso sentir o seu frio emanando. Posso vê-la, dentro de seu casulo. Eu posso fritá-lo antes que possa se armar.

— Já disse que não vim caçar dragões.

O dragão virou o rosto e Kurdis pode ver uma cicatriz que fendia a face esquerda do dragão e que lhe falta um olho.

— O que quer de mim? Por que me chamou em seu sonho?

— Preciso de ajuda. Eu quero voltar à minha terra, preciso libertar meu pai.

— Eu não ajudo humanos. Eu não confio na palavra dos homens...

— Talvez eu possa fazer algo para mostrar que sou amigo dos dragões.

— Ações valem mais que palavras e palavras não valem nada. Quer ganhar minha simpatia? Mate os humanos que caçam os jovens dragões. Há muitos deles, ao sul daqui. Traga-me cinquenta cabeças de caçadores e poderemos conversar sobre ajudar seu pai.

Kurdis ponderou.

Sei como funcionam esses grupos de caça. Muitos lanceiros, rastreadores, mas o pior, são os guldos. Dois ou três em cada grupo. Mesmo com a foice, pode ser muito perigoso.

— O que há? Não tem coragem?

— Não me falta coragem, senhor dragão. E vou fazer o que me pede.

O dragão bufou e envolveu Kurdis e Mutu numa espessa camada de fumaça.

— Quero ver isso!

Kurdis e Mutu sumiram na fumaça e tossiam muito.

O dragão se moveu e esticou as longas asas. Agitou-as para dispersar a fumaça.

— Traga suas cabeças para este local e voltaremos a conversar. — agitou as asas com força para alçar voo.

— Está combinado! Mas me diga... Qual é o seu nome?

O dragão se atirou para o outro lado do rochedo, onde havia um abismo íngreme e fundo. Sumiu da vista de Kurdis e Mutu por alguns instantes e retornou fazendo um voo rasante.

— Meu nome é Arjune'zur.

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