5. De volta ao lar

A magia de sua colega, Hester, estancou o sangue de Kurdis, evitando que ele morresse. Em seguida, ela fez um esforço para emendar precariamente alguns de seus ossos quebrados, mas logo esgotou suas energias.

Poucos guldos eram proficientes em curas, e com as sucessivas derrotas e o imenso número de feridos, tais magias se tornaram cada vez mais escassas. Consertar era mais difícil do que destruir. A quantidade de magia aplicada em Kurdis foi apenas suficiente para salvá-lo da morte.

Ainda incapaz de se juntar ao exército, Kurdis conseguiu uma vaga em uma carroça que o levou de volta à capital. A visão de sua cidade natal aqueceu um pouco seu coração. Ansiava por ver seu pai, contar sobre a escola e a guerra. Ele sabia que seu pai sentiria orgulho dele, percebendo que se tornara alguém importante. Nos últimos anos, haviam trocado apenas algumas cartas sobre questões triviais.

O que eu vou dizer? E o que ele vai dizer?

Logo, aqueles pensamentos foram expulsos de sua mente pela dor. Kurdis mancava, apoiando-se em seu cajado enquanto subia com dificuldade a ladeira que levava até sua casa.

Droga, vamos! Só mais um pouco...

Seu cajado estava inutilizado e funcionava agora como uma bengala.

Vou precisar confeccionar um novo antes de voltar para a guerra.

Kurdis seguia lentamente, passo após passo, a face torcida pela dor, subindo a ladeira íngreme.

Essa porcaria de ladeira não tem fim!

— Kurdis? É você? — Uma voz conhecida ecoou do outro lado da rua.

— Jedda? — Ele olhou com surpresa para a figura enrugada que se aproximava. A criada, que costumava ser vivaz, agora parecia ter envelhecido vinte anos em vez de cinco. O rosto marcado pelas rugas, o nariz volumoso e a boca desdentada esboçaram um sorriso.

— Meu Santo Gides! É você mesmo!

— Sim, sou eu...

— Deixe-me ajudá-lo, menino.

— Estou bem, descanse.

— Descansar? Eu ainda não me deitei para o eterno descanso de Valis! Deixe de bobagens, me dê aqui seu braço. Você pode ser jovem, mas posso ver que minhas pernas estão mais fortes que as suas.

— Como estão as coisas por aqui? Como estão todos? Turgo? Calipe? Meu pai?

— Ah! Tempos de guerra. São tempos ruins. Praticamente estou cuidando da casa sozinha... Calipe está nos braços de Valis.

— Como assim?

— Foi convocado, sabe como é. Soldados morrem na guerra.

— Turgo foi para o leste. Ver negócios de seu pai em Guin'uji. Isso foi antes da guerra começar. Não tivemos mais notícias dele. E por fim, seu pai... Como dizer isso?

Kurdis sentiu um sopro gelado tomar seu peito. Pressionou os lábios, esperando pelo pior.

Morto? Não diga isso...

— Seu pai está preso.

— Preso? O que aconteceu?

— Ai, ai, menino. É uma história complicada. Vamos...

A velha soltou o braço de Kurdis e empurrou o portão de metal que dava para a rua. Os olhos de Kurdis se encheram d'água ao ver a fachada de sua casa, depois de tantos anos. O pequeno jardim estava tomado pelo mato. A casa estava suja, a pintura descascada. Manchas escuras abaixo das janelas. Pequenas urzes cresciam na beirada dos telhados.

— Vou contar tudo enquanto tomamos um bom chá de florazul.

Seguiram para o interior da casa. Estava vazia, poeirenta, os cantos cheios de teias de aranha. O pátio interno estava tomado por mato, e a piscina quase vazia, coberta por uma água escura e cheia de lodo.

Nos fundos, a cozinha era um último oásis de organização.

— Onde estão todos? — perguntou Kurdis.

— Ora, menino. Com seu pai preso e a guerra, só eu fiquei aqui. Eu e a Otília, mas ela trabalha para outra família agora. Ela vem todas as noites, trazendo restos. Sou muito grata a ela por isso.

— Eu não fazia ideia.

— Não se preocupe com isso. Sente-se, vamos.

Kurdis sentou-se ali, ao redor da grande mesa que, em outros tempos, ficava cheia com os criados da casa. Algumas vezes, quando criança, escapava da sala de jantar da família para comer algo com os serviçais.

A velha Jedda se abaixou para pegar uns gravetos e colocar no fogão à lenha. Se atrapalhou um pouco para fazer o fogo.

— Eu acendo.

Kurdis apontou a mão para o fogão e olhou para este concentrado. A lenha trepidou um pouco antes das chamas irromperem.

— Santo Guides! É mesmo um bruxo!

— O Mestre Lorran dizia que nasci um. Que isso estava no sangue de minha mãe.

— Que Valis abençoe sua falecida mãe! Ela era uma boa patroa. A melhor de toda essa cidade!

Kurdis encolheu os ombros. Não sabia muito sobre sua mãe. Havia apenas histórias e a velha pintura na sala de jantar. Ela morrera poucos dias depois dele nascer, consequência do parto. Nem mesmo a magia pode salvá-la.

A magia é um grande poder, mas como tudo tem seus limites. Kurdis se lembrou das palavras de Lorran, escutando sua voz ecoar em sua mente.

Enquanto aguardava a água ferver, Kurdis ficou pensando em seu mestre. No início, ele tinha muita raiva dele. Mas com o tempo, descobriu nele um verdadeiro amigo, algo que nunca teve antes na vida. Lembrou-se de quando estava na escola e discutiu o assunto com mestre Lorran.

— Se a magia estava no sangue de minha mãe? Por que ela não entrou para a ordem e se tornou uma bruxa? — perguntou Kurdis.

— Bem, é que a magia nem sempre se manifesta. Na maioria das vezes, fica adormecida no fundo da alma da pessoa. São os traumas que de algum modo colocam a magia em movimento. E depois de certa idade, se isto não acontece, ela fica presa lá no fundo.

A garota sentada ao seu lado indagou — O que acontece quando a magia surge e essa pessoa não é treinada pela ordem?

— Isso dificilmente acontece, Hester. No tempo certo, vocês aprenderão. É preciso estarem atentos aos sinais. Conseguimos recrutar os aprendizes quase sempre antes que algum dano maior aconteça.

— Não foi o meu caso... — observou Kurdis.

— O seu caso não foi assim tão ruim, apenas a vida de uma pessoa se perdeu como dano colateral. Há casos piores, acredite.

Kurdis observou que a garota afundou a cabeça na escrivaninha, fazendo seus cabelos longos e crespos escorrerem como uma cascata para o seu lado.

O silvo da chaleira trouxe a atenção de Kurdis de volta para o presente. Jedda cantarolava de boca fechada, produzindo um zum-zum direto da garganta.

— Aqui está...

A velha serviu uma xícara cheia do líquido azul, acompanhado de três bolachas duras com cara de anteontem.

— Lembra-se do senhor Murdis, da Casa Hûr? — perguntou ela.

— Sim, aquele que usava tranças na barba...

— Ele mesmo. Seu pai se envolveu numa disputa comercial séria com ele. Havia brigas e a coisa acabou chegando aos cuidados do Príncipe Jorem. Ele julgou o caso a favor dos Hûr, mas seu pai não aceitou. As perdas impostas foram muito grandes... Nunca vi seu pai tão chateado. Dizem que ele acabou perdendo a cabeça e atacou o senhor Murdis.

— Não parece uma coisa que meu pai faria — Kurdis tomou um gole do chá que fez arder as aftas que tinha na bochecha. Teve muitos ferimentos por dentro da boca quando rolou pelo chão depois que seu mestre explodiu.

— Não mesmo. Eu não sei o que deu nele.

— E como aconteceu isso? Foi em um lugar público?

— Não, tudo aconteceu no armazém dos Hûr.

— E quem testemunhou contra meu pai?

— O próprio Príncipe Jorem. Ele estava lá quando tudo aconteceu.

— Que estranho. Ele atacar alguém assim? Meu pai sempre dizia que a violência é um atestado de incompetência.

— Dizem as más línguas que Murdis Hûr tem o Príncipe em suas mãos. Santo Guides que me perdoe, meu jovem.

Jedda puxou a pele embaixo de um olho, depois do outro.

— Este é irmão deste. Os criados conversam, você sabe. Os criados veem as coisas. Zuti, a filha da minha prima, trabalha no castelo e me contou que o Príncipe Jorem tem um filho bastardo com a esposa de Murdis Hûr. Aquele tal do Gompar Hûr. Também disse que a senhora Hûr visitava Jorem quase todas as noites antes de embarrigar. Ninguém pode provar essas coisas, mas agora, tantos anos depois, com a doença do Rei Tormem e Jorem disputando a coroa com seu irmão mais novo, nunca se sabe...

— O Murdis Hûr poderia fazer um escândalo...

— Isto mesmo. Então, no fim das contas, quem se importa se o senhor Jan Mussak possa ter sido colocado injustamente na cadeia? E que a Casa Hûr tenha ficado com os negócios da casa Daman?

Kurdis bateu na mesa, seu rosto assumindo um tom rubro. — Esses malditos!

Jedda cobriu a boca com as duas mãos. — Ai, meu filho! Veja lá o que vai fazer!

Kurdis ficou olhando para Jedda, em silêncio, com uma expressão que a deixou bastante apreensiva.

Felizmente, não acredito nessa baboseira de que a violência é um atestado de incompetência.

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