49. Preso
Kurdis caiu numa sala escura. Sentia náuseas.
Será que consegui? Carc'limar? Você está aí? Responda, seu desgraçado!
Kurdis estava num lugar escuro, silencioso. Podia ouvir os sons que cada pequeno movimento de seu corpo provocava ao se arrastar no solo. Era um chão de pedras ásperas, havia imperfeições e poeira acumulada. Ele começou a tossir, se esforçou procurando ficar de pé, mas não conseguiu. As pernas bambeavam, estava fraco.
Onde estou? Preciso dar um jeito...
Kurdis se concentrou, tentando produzir uma fagulha, atrair o fogo para perto de si.
— Mas que porcaria!
Não posso simplesmente ficar aqui parado...
Kurdis engatinhou numa direção qualquer. Arrastou-se por um tempo curto e tocou com as pontas dos dedos uma parede. Apoiando-se nela, levantou-se e foi caminhando pelo local até chegar numa quina. Virou-se e seguiu até que suas mãos tocaram o marco de um portão. Dentro do marco, pode sentir o material gelado do portão.
É metal...
Procurou por uma maçaneta, mas não havia.
Eu devo estar em uma das outras torres... Mas onde?
Bateu na porta.
— Tem alguém aí?
Não houve resposta. Kurdis se sentou ali e esperou.
Talvez se eu descansar um pouco...
Tentou convocar fogo, mas sem sucesso. Depois, levantou-se, circulou a sala. Não era muito grande. Era quadrada, levava cerca de dez passos grandes percorrer cada uma das paredes. Havia apenas uma saída. Nada parecia vive ali, nem mesmo insetos.
Ótimo! Ótimo Kurdis! Conseguiu escapar dos Wux'shein, mas condenou-se a uma morte horrível!
Kurdis vasculhou cada centímetro da sala, mas não encontrou nada ali. Nem um objeto, maçaneta ou alavanca. Nada. Apenas uma sala quadrada e vazia. Bateu os ombros contra o portão de metal até ficarem doloridos. Procurou por frestas em que pudesse encaixar seus dedos e puxar... Nada!
— Maldição!
Frustrado, Kurdis bateu a cabeça com força contra o portão. Sentiu um filete de sangue escorrer por entre os olhos, ao lado do nariz. Saboreou o fluido quando atingiu sua boca.
— Fre'garzam! Tire-me daqui! De que adianta eu ter escapado se vou morrer preso nesse local?
Não houve resposta.
Talvez eu deva usar a foice e abreviar esse sofrimento.
Tirou a arma da bolsa e tocou a lâmina afiada. Pressionou o dedo contra a lâmina até sentir sua mordida gélida. Mesmo pelo corte superficial, a lâmina começou a beber o sangue de Kurdis avidamente. O ferimento não coagulou e o sangue fluiu devagar para fora de seu corpo, alimentando a sede do objeto. Ele sentia a sua força vital se esvaindo. Podia ouvir o próprio coração tamborilando na base de seus ouvidos. Estava exausto. Há quanto tempo estava ali? Horas? Um dia? Não importava... A morte se aproximava. Seus músculos fraquejaram e soltou a lâmina. Ela caiu no chão, tintilou e depois girou, raspando o metal contra as pedras porosas.
Kurdis caiu de joelhos e em seguida deitou-se de lado.
Talvez a resposta esteja na Jornada de Min'Tai! É minha última esperança.
***
O espírito de Kurdis abandonou seu corpo e flutuou para fora da sala quadrada. Estava sonhando, mas não tinha plena consciência daquilo. Ainda imerso na escuridão, Kurdis tinha a vaga sensação de que estava se deslocando. Pensou em seu pai. Era mais fácil se ancorar em alguém íntimo. Não havia sinal de seu pai. Nem havia sinal de ninguém.
Finalmente, uma intensa luz vermelha inundou a visão de Kurdis. Uma paisagem linda se descortinou. Uma bela cordilheira com picos gelados tingidos pela luz crepuscular. Podia enxergar em todas as direções. Atrás de si, viu o edifício antigo, abandonado. Coberto por relva, trepadeiras e musgo. Não se via uma pedra sequer, mas Kurdis soube que era uma das Torres Prístinas. Estava abandonada em meio a uma região erma, sem qualquer sinal de civilização por perto.
Foi quando avistou a silhueta do que pensou ser um bando de pássaros ao longe. As criaturas exerceram uma estranha atração sobre sua mente. Chegando mais perto, notou que um deles era maior e os outros, pequenos. Não eram pássaros. Era uma dragonesa seguida por seis filhotes.
Subitamente ele sentiu o vento ao redor de si. Seu corpo leve... As asas de grande envergadura sustentadas pela corrente de ar gelado. Sua visão era nítida e capaz de enxergar detalhes incríveis à grande distância. Viu a torre abandonada como um bastão incrustado numa charneca na base de uma montanha de rochas cinzentas.
A dragonesa tomou um interesse inédito por aquele edifício. Tantas vezes passara ali, tantas vezes ignorara o local. Ela girou a cauda e esticou as membranas para desviar o ar atrás de si. Com movimentos mínimos, mudou o rumo de seu voo, planando em direção à velha torre.
Logo, ela e os filhotes se empoleiraram no topo da torre. Sua curiosidade era imensa. Usando suas enormes garras dianteiras, arrancou as trepadeiras e raízes mortas que cobriam o topo da torre. Em seguida, começou a cavar, arranhando as pedras antigas. Logo encontrou uma junção repleta de argamassa. Arranhou de modo persistente a fenda com suas unhas. Parecia um cão escavando o solo, alternando as garras dianteiras.
Os filhotes emitiam pequenos bramidos de curiosidade. Andavam inquietos ao seu redor. Alguns deles, antecipavam alguma refeição. Certamente a mãe havia encontrado algo ali dentro. Algo que poderiam comer.
Finalmente uma das pedras se soltou. Com um pequeno buraco aberto o trabalho ficou mais fácil. Ela podia enfiar as poderosas garras e puxar outro bloco, depois mais dois. Cavava cada vez mais fundo até que sua garra penetrou o teto da torre.
A luz crepuscular penetrou o interior da torre e a dragonesa girou a cabeça de lado para posicionar um de seus grandes olhos no buraco. Ali dentro, viu um pequeno bicho homem desacordado.
Comida... Meus filhotes... Alimentar...
Kurdis conseguiu compreender aqueles pensamentos. Sentiu uma espécie de calafrio ao ver-se ali deitado, dormindo. Esperando para ser devorado.
A dragonesa colocou ambas garras dentro do buraco e puxou com força. Um conjunto de blocos cedeu saindo em suas patas, outros tantos se soltaram caindo próximo de onde Kurdis estava.
Isso não é um pesadelo! É real!
Kurdis abandonou a mente da dragonesa e retornou a seu corpo. Esticando a pata dianteira, ela pegou-o pela perna. Sentiu as longas unhas penetrarem em sua canela e gritou de dor. Foi puxado e em meio ao desespero, conseguiu pegar a foice que estava caída ao seu lado.
— Me solta!
Golpeou o antebraço fino e musculoso da dragonesa com a lâmina negra de modo desajeitado, mas conseguiu provocar um longo arranhão. Ela o largou imediatamente e elevou o longo pescoço aos céus, emitindo um intenso bramido de dor que chegou a machucar os ouvidos de Kurdis.
Kurdis caiu de costas, mas a dor da pancada foi ignorada. Sua canela furada e arranhada parou de doer e em instantes, seus ferimentos se curaram. Aquela foice fora projetada para beber sangue de dragões, em primeiro lugar. Com apenas algumas gotas de sangue e a foice bebeu do arranhão, Kurdis sentiu-se plenamente energizado.
Os filhotes voaram assustados e a mãe começou a bater suas imensas asas para sair dali. Afinal, o bicho homem estava carregando um ferrão doloroso.
— Não vá! Eu não vou lhe fazer mal — Kurdis disse no idioma dracônico que aprendera com Novafiz.
A dragonesa, intrigada, deu um passo atrás e ficou observando pela brecha o homem dentro da torre.
— Falar... como dragões?
Kurdis percebeu que aquela dragonesa era
— Sim, sou amigo dos dragões... Me desculpe ter ferido seu braço... Mas precisei me defender...
— Nenhum... dois pés é amigo... dragões.
— Por favor, me diga. Onde estou?
— Dentro... velho caixote...
— Mas onde?
— Nas montanhas. Eu... agora... ir... Adeus, dois pés...
A linguagem nela é mais rudimentar... Deve ser parte da descendência dos dragões que vivam longe e que receberam poucas centelhas da alma do Deus-dragão.
— Espere! Eu sei sobre o retorno do Deus-dragão, Leviamut.
— Leviamut morto... muitas luas...
— Sim, mas ele vai retornar. É hora dos dragões trabalharem juntos novamente. Vocês são mais fortes. Se trabalharem juntos, poderão se tornar mestres dos humanos novamente.
— Dragões... ficar longe de dois pés... Dragões perto... virar caça.
— Eu sei da profecia. Sei sobre a nova ninhada. Eu sei onde fica o novo ninho.
— Adeus, dois pés... Minha profecia... ser alimentar filhotes.
A dragonesa alçou voo e foi seguida dali por seus filhotes. A noite finalmente caiu e Kurdis convocou chamas. Estava forte novamente. Sentia a energia mágica fluir para dentro da sala pelo buraco feito pela dragonesa.
Parece que essa sala era selada contra magia. Interessante...
Ele usou uma magia de gancho para saltar pelo buraco no teto. Acima de sua cabeça, observou o céu estrelado. Não reconhecia bem as constelações. Provavelmente estava em um lugar bem longe.
Não faço ideia de onde estou, mas ao menos consegui sair daquele maldito buraco!
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