41. Reunidos

Kurdis seguiu a voz pelas galerias, subindo escadarias, tropeçando e levantando, ficando imundo até que achou uma saída.

Estava numa posição mais alta da cidade. A primeira coisa que viu, foi o incêndio consumindo o edifício do tribunal. Para sua surpresa, aquele não era o único prédio em chamas.

As ruas da cidade estavam tomadas pelo povo. Havia lutas aqui e ali. Pessoas atearam fogo em casas luxuosas, a cidade estava imersa no puro caos.

"Suba! Suba! Eu sei onde ela está!"

A voz continuava chamando por Kurdis e então ele percebeu que não havia ninguém ali por perto. Era uma voz que vinha direto ao pé de seu ouvido, vindo de uma fonte invisível.

Kurdis obedeceu subindo a ladeira.

"Mais rápido! Rápido, Le'Daman! Ainda há tempo de salvá-la!"

Ofegante, Kurdis chegou ao topo do morro. Teve que parar, apoiando as mãos sobre os joelhos. O abdome doía intensamente pelo esforço de subir todo o morro correndo.

Diante de seus olhos ele viu a mansão do Duque de Corbal. Um grupo de pessoas estava entrando ali com tochas e armas nas mãos. Os saques estavam se espalhando por toda a cidade.

"Venha, antes que seja tarde!"

Kurdis sentiu seu corpo gelar. Era a foice, ele podia sentir. Ela chamava por ele. A sensação gelada já se espalhava por seus braços, como se já estivesse colocando as mãos nela. Ele andou ligeiro, lutando contra o cansaço.

Havia uma confusão no interior da casa, mas Kurdis sabia onde procurar. Logo seguiu até o salão e de lá, tomou as escadas para o segundo pavimento. Foi o primeiro a chegar na sala onde fica a coleção de objetos do Duque de Corbal.

Será que o velho morreu no incêndio? Se não, tenho certeza que vai morrer do coração quando descobrir que sua casa, sua coleção foi saqueada.

"Sim, venha. Vou lhe mostrar onde ela está!"

Kurdis cambaleou, já quase sem energias, até o manequim vestindo a armadura que segurava a foice de lâmina negra.

Por um instante, Kurdis pensou em seu pai.

Meu pai teria vergonha de mim! Não é pra isso que ele me criou! Eu não devo! Eu não vou fazer o que Glauvorax espera que eu faça! Eu sou mais forte que isso!

"Você quer salvar Djista, ou não, Le'Daman? Vamos! Temos pouco tempo! Pegue a foice!"

Os braços de Kurdis tremiam, quase tocando a arma.

Não! Eu não devo!

"Eu vou lhe mostrar o caminho! Ele vai matá-la! E vai ser sua culpa se ela morrer! Pegue a foice!"

Kurdis fechou os olhos e viu Djista em sua mente. Seu olhar apavorado. O homem de Tannis pressionando a faca contra seu pescoço. Quando ele abriu os olhos, sentiu os braços gelando. A foice estava em suas mãos, mais uma vez.

"Muito bem, Le'Daman! Finalmente estamos reunidos!"

— Onde ela está?

"Bem aqui!"

— Onde?

"Nesta cidade!"

— Você mentiu pra mim!

Antes que pudesse seguir naquela discussão, surgiram dois guardas no salão.

— Largue isso! — um deles disse, com a espada em sua direção.

O estômago de Kurdis gelou e, faminto, partiu para cima dos guardas. Estava quase exausto, de modo que recebeu o golpe da espada do guarda na lateral de seu corpo. A dor mordeu, mas não o impediu de continuar lutando. Ao cortar o oponente com a lâmina negra, o sangue foi imediatamente absorvido. A morte do homem trouxe novas energias para Kurdis.

O segundo oponente, não teve chance, sendo morto com um golpe limpo da foice de guerra. E então, Kurdis se esqueceu de Djista. Tudo o que podia pensar era em saciar a sede de sangue da foice sombria. Por tanto tempo ela ficou inerte... A sede era imensa. Uma sede que dominava a mente de seu portador.

Kurdis desceu encontrando-se com diversos saqueadores em seu caminho. Nenhum sobreviveu. A mansão de Corbal foi palco de um massacre. Ele saiu do local energizado.

— Daman! Entregue-se! — gritou o homem que se aproximava da mansão de Corbal. Ele usava um manto cinzento e carregava um longo cajado. Era um dos guldos de Kedpir.

— Você pode tentar me prender...

O guldo lançou um raio que atingiu Kurdis em cheio. Ele estremeceu, sua pele sofreu queimaduras e então, caiu de joelhos.

— Largue sua arma! Ou terei de matá-lo.

A voz sussurrou em seu ouvido: "Finja que foi derrotado. Curve-se sobre o chão"

Kurdis obedeceu, deixou a foice tombar e curvou-se sobre o chão apenas apoiando uma das mãos no cabo da arma.

O guldo se aproximou, apontando para Kurdis o seu cajado energizado, pronto para disparar mais uma vez.

— Afaste sua mão da foice. Não faça nenhum movimento brusco, ou irei disparar...

"Obedeça. Estamos juntos."

Kurdis afastou a mão do cabo da foice e gritou de dor. As queimaduras em sua pele passaram a doer e arder sem o contato com o artefato sombrio.

O guldo chegou mais perto, agora convencido de que havia derrotado seu oponente. Apoiou o cajado no chão para retirar uma corrente fina de sua pequena bolsa que carregava a tiracolo.

Kurdis ergueu os olhos e pode observar as feições do guldo de cabelos raspados. Não sabia seu nome, mas já o vira antes, tanto em Kedpir, como naquela tarde, na região portuária. Ele possuía um olhar severo e uma cicatriz de queimadura na lateral da cabeça. Ele pisou na foice e se aproximou mais ainda de Kurdis.

— Eriana estava certa. Ela disse que você se aproveitaria da confusão para reaver a foice.

— Pois ela devia ter vindo me pegar pessoalmente...

Kurdis cuspiu uma labareda de fogo verde em seu captor. O fogo atingiu-o no rosto, provocando dores intensas e paralisantes. Ele largou o cajado para levar as mãos ao rosto, mas o fogo verde logo se alastrou, queimando as mãos. O grito que ele deu foi horrível.

Kurdis se levantou e pegou a foice. O guldo agonizava diante de si.

Melhor abreviar seu sofrimento, amigo...

Kurdis decepou o mago que caiu, finalmente livre do sofrimento de ser queimado pelo fogo verde.

Como eu fiz isso? O fogo verde... é uma magia sombria... um poder dos demônios...

"Estamos juntos, Le'Daman. E para sobreviver, você precisa de mim."

Sobreviver?

Kurdis sentiu o estômago afundar, pois só agora se lembrou de Djista.

— Onde ela está? Diga-me, demônio! Onde ela está?

"Meu caro... Essa mulher não é importante para o nosso futuro..."

— Ela é importante para mim!

"Correção... Ela era importante para você."

Ela está morta. É minha culpa!

Kurdis apoiou-se na parede, travou os dentes e chorou a morte de Djista. Mas não pode fazer isso por muito tempo.

— Ali está ele!

— Cuidado, senhor! Ele matou o Nórien!

Um grupo de soldados kedpirenses se aproximava do local.

"Vamos, meu caro. Pare de se lamentar e faça algo de útil! Mate seus oponentes!"

Kurdis engoliu o choro. Logo sua angústia foi convertida em ódio. Em fúria. Ele avançou contra os solados que o cercaram. Mesmo recebendo cortes e estocadas das espadas inimigas, Kurdis ignorou as dores e ceifou as suas vidas. A lâmina negra bebeu o sangue inimigo em abundância e logo todos seus ferimentos, incluindo as queimaduras causadas por Nórien cicatrizaram.

Kurdis estava mais uma vez reunido com a foice sombria, porém, desta vez, havia algo mais. Uma sombra que agia sobre si e influenciava seus pensamentos, suas decisões. E naquela noite, a profecia de Glauvorax começava a se concretizar.

***

Fim da parte 2

A seguir >> O que o futuro reserva para Kurdis, agora que tem a foice novamente em mãos? E quanto a essa voz misteriosa que o "ajudou" neste capítulo. Quem será?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top