40. As coisas sempre podem piorar

— Leve-a até o local combinado. Se não voltarmos em duas horas, você já sabe o que fazer. — Jargen instruiu o guarda que mantinha Djista cativa.

Em seguida, com um gesto, indicou que Kurdis deveria andar. Havia um barco esperando por eles no canal.

— Por que disse que Glauvorax tem razão? O que quer que eu faça?

— Ah, meu caro, tenha um pouco de paciência. Logo você saberá. — Jargen disse ao entrar na embarcação. Ele indicou um lugar para Kurdis se sentar e em seguida, puxou uma lona, mostrando o cajado que estava oculto. — Trouxe o cajado...

Eu poderia estourar os miolos dele, correr até Djista e salvá-la! Mas para onde aquele maldito a levou?

As velas do barco logo se estufaram e este passou a navegar rapidamente pelo centro do canal. O sol já se deitava no horizonte trazendo as luzes crepusculares. Uma brisa agradável fazia os cabelos de Yargen balançar.

— Você sabe, Kurdish, hoje é um dia histórico.

— Por quê?

— O rei Drenkinou amanheceu morto. Sua morte ainda não foi divulgada. Isso só vai acontecer dentro em pouco. O conselho dos nobres está reunido no tribunal. E logo sairá a decisão sobre quem será o regente até a maioridade do príncipe Renkiou.

— Algo me diz que você não gosta do jeito que essa história está acontecendo.

— Exatamente, meu amigo. Sabe? Eu sempre quis que minha casa fosse a mais importante de Dera. Durante anos, esse sempre foi meu objetivo. Até que enxerguei que tudo isso não fazia diferença alguma.

— É?

— Sim, mesmo se a minha casa fosse a mais importante, ainda continuaria sendo um capacho para homens como o Duque de Corbal. Aquele desgraçado está perto de se tornar o regente, mas ele não vai se contentar com isso. Não vai demorar até que o jovem príncipe sofra um acidente, e Corbal consolide sua posição como rei de Dera.

— Então você quer impedi-lo.

— De um certo modo... Sabe, Corbal além de seu título, é um maldito político. Mesmo depois de tudo que fiz por ele, tudo que fiz para pavimentar seu caminho para conquistar essa regência, ele não fez o que pedi. Está me enrolando... Eu sei o porquê! Ele quer que os Tannis e Varuingos continuem divididos, em eterna disputa. É assim que os políticos nos controlam. Evitando que nossa força cresça demais. Nosso esforço para eliminar os Varuingos nunca vai surtir efeito. Tudo o que fizemos, aqueles navios, os contratos, foi tudo em vão.

Yargen apertou os punhos. Falava com os lábios semi cerrados. Seu rosto foi tomado por uma onda rubra.

— O desgraçado precisa do apoio deles... Ele emprestou setecentas mil serpes para Tormen Varuingo. Setecentas mil! Tem noção de quanto dinheiro isso é? Ele vai poder comprar o triplo de navios e reaver os malditos contratos que suei tanto para conquistar!

Bem feito! Palhaço! Teve o que merecia!

— Ah, pode apagar esse risinho da boca, senhor Kurdish. Quem vai rir por último nessa história, serei eu!

— É? Quero mesmo ver isso...

— Sabe... Eu sempre achei as ideias de Clinde Jor uma excentricidade. O poder do povo, a igualdade, essa lenda das velhas repúblicas... Uma utopia infantil, história para alimentar conversas de bêbados...

— E não são?

— É isso que vamos ver! Quando o sinal for dado, o povo de Dera irá finalmente se levantar.

— Se levantar? O que isso quer dizer?

Os olhos de Jargen Tannis estavam brilhando. Seu sorriso mecânico deixou Kurdis um pouco mais assustado.

Louco!

— Em breve você verá, Kurdish! Será testemunha deste dia histórico!

Ele virou-se para o lado e ficou de pé para falar com o piloto.

— Ali, meu amigo, atraque ali.

O piloto do barco os levou até o cais. Logo estavam atracados. Jargen pegou o cajado enrolado na lona e levou-o consigo.

— Venha, Hidenar...

Após subir as escadas, puderam ver uma grande praça que estava cheia de guardas. Ali também estavam alguns guldos e militares de Kedpir. O tribunal era uma dos edifícios mais antigos de Dera e ficava em frente àquela praça. Yargen passou longe dali, pegando a rua lateral. Havia um beco, do outro lado da rua, onde dois homens de Yargen aguardavam.

— É aqui.

Os homens puxaram a uma grade que dava acesso a uma galeria subterrânea.

— Desça, Kurdish.

Esse lugar fede!

Yargen desceu em seguida trazendo uma tocha.

Mesmo nas laterais da galeria, havia alguns trechos que só podiam ser atravessando molhando os pés nas águas fétidas até a altura das canelas. Havia ratos e baratas por toda parte.

— Que nojo!

— Pare de reclamar e ande. É por ali.

Kurdis e Jargen seguiram pelo esgoto um pouco mais, até chegarem numa passagem com uma escadaria ascendente.

— Suba, vamos, suba!

— Onde estamos?

— Fale baixo! Estamos sob o tribunal.

Kurdis ficou quieto e pode ouvir vozes. Jargen extinguiu o fogo da tocha e ficaram na penumbra, aguardando uns instantes a vista se acostumar à escuridão.

— Adiante, por ali!

Finalmente chegaram a um local apertado, tinham que caminha com as cabeças baixas. Acima, havia podiam ver o piso de madeira pelas frestas, descia um pouco da luz de cima. Ouvia-se um orador, e comentários variados do conselho de nobres. Pelo barulho, Kurdis deduziu haver dezenas de pessoas acima deles.

— É aqui, a entrada do salão. Tome seu cajado. Comece o fogo aqui, mas se afaste logo. Aquele fogo veloz, como nos navios!

Esse cara é louco!

— Vamos, Kurdish! Faça seu trabalho se quiser voltar a ver sua amiga com vida!

Kurdis lançou uma labareda intensa contra o piso, no local que Jargen indicou.

— Vamos, saia daí rápido antes que a explosão o mate!

— Explosão?

— Vamos seu idiota, ligeiro! — Jargen puxou-o pelo braço.

Lá de cima, já se ouvia gritos.

— Fogo! Fogo!

A menos de dez passos de distância dali, uma explosão fez parte do piso ceder lançando poeira e fumaça na direção da Yargen e Kurdis.

— Levante-se! Agora vamos para a saída, mas eu quero que queime todo o caminho atrás de nós. Agora!

Kurdis ficou de pé e seguiu Yargen. Onde passavam, ele lançava fortes labaredas contra o piso acima da cabeça deles. Mais e mais, o fogo se alastrava rapidamente no interior do tribunal.

Lá em cima, homens e mulheres tossiam e gritavam, desesperados!

— Fogo! A saída está bloqueada!

— Aqui, cof, cof, cof! Nesta parte também! — indicou Yargen.

Kurdis obedeceu mais uma vez, e um grande estalo fez com que uma viga de madeira caísse atingindo Tannis nos ombros. A madeira lascada rapou no braço de Kurdis, tirando sangue.

Yargen Tannis estava gravemente ferido. Kurdis usou um feitiço para tirar o peso da viga e a tirou de cima do comerciante.

— Cof, cof, cof... Me... me tir... — Yargen mal conseguia falar e cuspiu uma bola de sangue.

Kurdis fez um feitiço de aliviar peso sobre o corpo de Yaren e teve que largar o cajado para arrastá-lo para fora dali.

Maldito Jargen! Eu preciso tirá-lo daqui.

No alto, as pessoas gritavam e o teto estalava. Poderia desabar a qualquer momento.

— Ran, ran... — Kurdis limpou a garganta, irritada pela fumaça. — Onde Djista está, seu desgraçado?

— Me tire daqui, cof. cof, cof!

— Fale onde ela está!

Yargen cuspiu outra bola de sangue e em seguida desmaiou.

Maldito!

Kurdis seguiu arrastando o corpo de Yargen pela passagem até chegar na câmara que dava acesso aos esgotos. Caiu de joelhos no chão e levou as mãos à garganta. Tossiu forte muitas vezes e vomitou.

A fumaça e um pouco de luz do incêndio chegava até ali, mas corria perto do teto. Kurdis estapeou Jargen, mas o homem não respondia. Seu corpo estava mole e o sangue continuava a escorrer de sua boca.

— Acorde! Acorde seu desgraçado! Me diga onde ela está! Onde ela está?

Não é possível! Depois de tudo isso! Ela vai morrer! Vai morrer por minha culpa!

— Maldito seja, Jargen Tannis! — Kurdis gritou chutando seu corpo morto no chão.

— Maldito! Maldito! Maldito!

Cansado, ele caiu sentado, sem saber o que fazer.

Eu não vou achá-la. Ela será morta! Por minha culpa! Minha culpa! Minha vida não tem valor. Tudo o que faço é causar destruição e sofrimento. Não tem mais jeito. Eu vou acabar com isso! Eu já devia ter feito isso há muito tempo. Sim... Chega. É a única solução. Tirar minha própria vida é a conclusão lógica.

Kurdis se levantou e cambaleou em direção à galeria dos esgotos. Tudo fedia, ele não podia enxergar nada ali. Foi envolto pela escuridão e ares fétidos. Sua esperança morta. Foi quando escutou um sussurro ao pé de seu ouvido.

"Eu sei onde ela está!"

Kurdis saltou! O coração disparado. Seus olhos arregalados na escuridão não viam nada.

— Quem está aí?

"Venha! Por aqui. Eu sei onde ela está! Ainda há tempo para salvá-la."

Kurdis seguiu a voz sussurrante, tateando as paredes das galerias subterrâneas.

"Por aqui, Le'Daman. Por aqui!"

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