Os astros dizem, 7: respire!
Previsão do dia para o signo de libra:
Os sentimentos do libriano podem entrar em conflito. É preciso respirar fundo para não tomar decisões das quais se arrependerá.
♎
É o seguinte.
Eu não estou dizendo isso de forma definitiva. Não é uma certeza. É uma desconfiança. Uma muito inesperada e indesejada, aliás. Mas ela existe e eu preciso reconhecê-la a partir do exato momento.
Eu acho que não vejo Jungkook somente como amigo.
Eu acho que quero mais que a amizade dele.
Isso explicaria muitas coisas. Por exemplo, o desesperador fato de que meus bilhetes sempre parecem bilhetes apaixonados.
O que mais me faz desconfiar? Bem, vejamos... a possibilidade de Jungkook estar gostando de alguém me deixou com uma sensação incômoda, que demorei para identificar como ciúmes. Ou simplesmente não quis assim chamá-la, não importa.
Por último, e isso é o que mais me causa pânico: eu já revelei um antigo desejo que tinha de ser o primeiro beijo de Jungkook.
Agora, é tarde demais para ser o primeiro.
Mas a vontade de beijar aquela boca voltou com força total.
Um selinho me desestabilizou inteiro. Aliás, dois selinhos.
O primeiro me fez questionar, depois que percebi que, ao seguir firme em minha estranha mania de encarar Jungkook durante a aula, eu não estava mais choramingando internamente apenas por sentir falta de sua amizade. Eu estava choramingando porque, enquanto ele tocava continuamente nos próprios lábios, eu pensava o tempo todo que queria tirar os dedos dele dali para tocar a boca dele com a minha.
Eu passei semanas observando-o à la Joe de You e ele nunca me olhava de volta. Ontem, em vários dos momentos em que eu estava lá encarando meu ex-melhor amigo feito um doido, ele me olhou de volta.
Nossa, deu o maior nervoso, meu coração palpitava, mas eu logo me arriscava a olhar mais um pouquinho, torcendo para ele me olhar também.
Foram pequenas e grandes coisas que me fizeram chegar à desconfiança atual.
A amizade de Jungkook não será suficiente.
Mas deixar de tê-la não é um risco que quero correr.
Agora que começamos a nos reaproximar, eu penso que não posso deixar essa vontade boba de dar uns beijinhos possivelmente estragar tudo entre nós dois mais uma vez.
E é nessa confusão de sentimentos e objetivos que a gente se perde e faz o que não deveria, tentando evitar embate direto com o problema. Por exemplo, eu passei os últimos meses desejando que Jungkook parasse de chegar tão cedo na escola só para não vir comigo para a aula.
Hoje, fui eu quem saí trinta minutos antes do horário habitual, somente para não ter que encará-lo e pensar no que fazer.
Eu desejei que Jungkook parasse de me evitar. Hoje, não paro de evitá-lo.
Quando o sinal tocou para indicar o início do intervalo de almoço, eu fui rápido em catar o dinheiro na mochila e correr para fora da sala assim que vi o causador de todo o drama da minha vida olhando em minha direção.
— Ei! Tá correndo por que? — Yoongi grita assim que, inevitavelmente, também o deixo para trás ao dar no pé. — Se não for cocô na portinhola, eu não vou te perdoar!
— Hyung! — Depois de ignorar o de cabelos esverdeados, é o dono das mechinhas azuis, dos olhões de jabuticaba e da boquinha gostosa que me chama.
Meu desejo é voltar na mesma hora, pular naqueles braços que deus benza e dar mais uma bitoquinha nele.
Ou só chegar pertinho, cumprimentá-lo e seguir para almoçar em sua companhia tão gostosa e acolhedora.
Eu faço isso? Não. Eu paro de correr? Adivinhe: também não.
— Jimin hyung! — Ele chama outra vez, com a voz ainda mais perto. Em desespero, confirmo que Jungkook está vindo atrás de mim. — Jimin-ah!
Eu sou o jogador número um do time da escola. Eu posso driblar essa situação.
Com todo o planejamento traçado em segundos de desespero, eu deixo que meus passos percam velocidade, até parar. Aí viro para trás e logo vejo os olhinhos de Jungkook arregalados e confusos.
Meu coração amolece inteiro. Molinho, molinho, todo frouxo por ele.
Quero abraçar Jungkookie.
Mas aí ele volta a abrir passadas largas e apressadas em minha direção e uma voz chata dispara em minha mente, dizendo: meu deus do céu, corra!
Por isso, assim que ele chega perto, rápido o suficiente para não conseguir parar de repente, eu me posiciono tal qual Usain Bolt em início de prova e volto a correr depois de um impulso tão poderoso quanto o impulso que a barata tomou na parede para atacar Jungkook.
Dessa vez, corro no sentido oposto, de volta para a sala.
— Hyung! — Ele chama novamente. Sem parar de correr, eu dou uma olhada para trás e vejo que meu plano funcionou: Jungkook ficou atordoado e agora está parado no mesmo lugar.
Perfeito.
É só continuar fugindo assim pelo resto do dia ou, quem sabe, pelo resto da vida.
No entanto, a vida é cheia de obstáculos. Nesse caso, o obstáculo é um corpo com mais de um metro e oitenta de altura e um rosto bonito que só.
Distraído, eu não voltei a olhar para a frente antes de me chocar contra o peitoral de Mingyu, duro como um muro, que me fez cambalear para trás e cair de bunda no mesmo instante.
— Kim Mingyu! — Eu grito, impaciente, assim que vejo que é ele atrapalhando meus planos de novo.
— Oi, Park Jimin — Ele devolve, estendendo a mão para me ajudar a levantar. É claro que eu aceito sua ajuda, surpreso pela facilidade com a qual ele puxou meu corpo como se eu não pesasse nada. — Está correndo atrás de quem, dessa vez?
— Jimin! — Para meu completo horror, a voz de Jungkook soa próxima novamente.
Não dá mais tempo de fugir.
Hora do plano dois.
Eu respiro fundo. Em seguida, abro meu maior sorriso e giro sobre meus pés para ficar de frente para Jungkookie, que se aproxima com a mesma expressão confusa e, meu deus, um pouco triste também.
Eu sou um monstro?
— Por que você tá fugindo de mim? — Assim que para em minha frente, ele dispara a pergunta.
Esqueçam o que eu disse.
Jungkook não está um pouco triste. Ele está muito triste.
Eu sou um monstro.
— Que fugindo o que, Jungkookie — E mais monstruoso me sinto ao dizer, gesticulando com a mão como se fosse bobeira dele. Depois, dou um tapa nas costas de Mingyu, que continua ao meu lado. — Eu estava procurando o bonitão aqui!
— Ele é da nossa sala. Estava lá quando você saiu correndo como um maluco.
— Não, então, é que eu esqueci que ele estava lá. — Sem vergonha nenhuma na cara, eu continuo pagando de doido mesmo.
Aí, seguro o braço de Mingyu. Poxa, que bração.
— Nós precisamos ir, Jungkook. Nos falamos depois, tá?
Ele não diz mais nada, nem tenta me alcançar novamente quando puxo Mingyu para caminhar ao meu lado, e o bonitão me segue fácil mesmo sem entender lhufas do que está acontecendo.
— O que é que a gente vai fazer? — Uns bons segundos depois é que ele pergunta.
— Fugir de Jungkook. Continue andando.
— Ué — Só então, sério, só agora é que ele parece ficar confuso. — Por que?
— Porque, Kim Mingyu — No auge do meu desespero, eu nem me importo por estar desabafando com qualquer um: — Aquele bilhete era romântico. E eu não sabia, porque aparentemente não tinha percebido que tenho uma quedinha por Jungkook, mas eu tenho e agora que sei disso estou com muito medo de acabar fazendo besteira e estragar nossa amizade, que é a coisa que mais importa para mim!
— Saquei. Aí pra preservar a amizade, você resolveu começar a correr dele e a evitar o coitado? Faz sentido.
— Eu estou sentindo a ironia no seu tom e não estou gostando, Kim Mingyu.
— Só estou perguntando — Ele dispara. — Eu achei até engraçado, você todo apavorado daquele jeito. Me senti vingado.
— Não sabia que você é rancoroso!
— Assim, supostamente, não sou. Mas deu um pouquinho de satisfação, sim. Eu quase me caguei de medo naquele dia! — Mingyu confessa, parando de andar somente quando eu faço o mesmo e paro de frente para ele.
Aí, com o rosto bonito que tem, ele faz uma careta um tanto conivente:
— Mas não acho que foi engraçado para o menino que viaja olhando para o nada. Ele parece ter ficado bem triste, cara.
Eu sou um monstro. Literalmente a pior pessoa que já pisou na Terra e mereço a punição mais cruel desse mundo, porque é isso que deve ser dado àqueles que provocam dor e tristeza em Jeon Jungkookie.
— Jungkookie é sensível — Eu choramingo, esfregando as mãos pelo rosto num gesto cheio de sofrimento. — Tão sensível quanto bonito e engraçado.
— Não me leva a mal — Mingyu volta a dizer, com os olhos meio desconfiados. — Mas é sério que você não tinha percebido antes que gosta dele? Tipo... você não deveria ser inteligente? Pelo menos esperto?
— Ei! Cuidado com o que fala ou eu te dou outra carreira!
Mingyu levanta as mãos em sinal de desistência e paz, mas eu logo agarro seu pulso para que ele volte a caminhar comigo, coisa à qual, novamente, ele não se opõe.
— Me distraia, Kim Mingyu — Eu peço, desesperado. — Me ajude a me distrair enquanto não descubro o que fazer!
— Hm... quer ver as fotos do aniversário da minha vózinha? Tem uma foto dela com chapéuzinho, cara, a coisa mais linda do mundo!
— Eu quero — Respondo, previamente amolecido pela imagem mental que automaticamente é criada. — Eu quero, Mingyu.
Todo feliz, o ariano grandalhão pega o celular e me mostra uma porrada de fotos salvas no rolo da câmera. Além de sua avó, vejo também fotos de toda a sua família.
Haja primo, viu?!
Pela primeira vez, eu compartilho o horário de almoço com o cara que teve participação fundamental no início da confusão, e as histórias sobre sua família meio descompensada são o que me fazem distrair o suficiente para não endoidar de tanto pensar no que fazer em relação a Jungkook.
E, sem uma resposta, o que faço é continuar evitando-o pelo restante do almoço, depois durante as aulas e também planejando ignorá-lo ao fim dessas.
Mas assim como eu pareço determinado a evitá-lo, Jungkook parece determinado a descobrir o que está acontecendo.
Como assim ele não consegue deduzir o óbvio? Eu planejei escrever bilhetes para recuperar sua amizade, mas deu tudo errado e agora acho que, na verdade, gosto dele e não sei lidar com o medo que a percepção desse novo sentimento me faz sentir, então fujo dele por não saber mais o que fazer.
Tão simples.
— Você pode falar comigo agora? — E antes que eu dispare para fora da sala novamente, ele se aproxima.
Tudo culpa da minha lentidão para copiar o assunto do quadro. Se eu não fosse tão lento, já teria copiado tudo, jogado minhas coisas dentro da mochila e me picado daqui.
— Eu tenho treino, Jungkook — Digo, tentando soar despreocupado e casual. No fundo, estou destruído por ver sua carinha magoada.
Por que eu tenho que ser tão confuso? Será que é culpa do meu signo? Eu acho que é por isso que Jungkook nunca gostou muito de librianos.
Não importa se eu acho esse papo de astrologia balela pura, é claro que não vou perder a chance de culpar os astros por meus deslizes.
Também não deixo de culpar Yoongi, que ainda está sentado em minha frente. Todas as suas coisas já estão arrumadas, mas ele finge estar procurando algo na mochila só para ouvir minha conversa.
Nem sei o que ele poderia estar procurando, o cara de pau. As únicas coisas que ele traz para a escola são um bloquinho de folhas que chama de caderno, uma caneta que nem escreve mais e os fones de ouvido.
Do outro lado da sala, também percebo o olhão curioso de Mingyu.
Nossa, mas eu daria um soco nesses fofoqueiros se não estivesse tão fraco pela tristeza que consome meu coração.
— Hyung, — Depois de alguns segundos de silêncio, Jungkook me chama novamente. Ainda com a voz baixa e o olhar ressentido, pergunta: — você está fazendo isso por causa do que eu fiz ontem?
Em minha frente, os olhos miúdos de Yoongi subitamente parecem um tanto maiores quando se arregalam com curiosidade, provavelmente louco para perguntar o que Jungkook fez ontem.
Me deu um selinho.
Foi isso que ele fez.
Parece tão pouco, e de fato seria, se nós estivéssemos falando de qualquer outra pessoa. Mas é Jungkookie. E eu tenho muito medo de dar um passo errado agora e abrir mão da chance de ter a amizade dele de volta, porque não importa o quanto eu queira beijá-lo, o quanto meus sentimentos estejam confusos. A amizade dele é o que mais importa para mim.
Eu posso engolir e sufocar a vontade de beijar sua boquinha, posso me desfazer da minha bandana da vila da folha, atear fogo em minhas chuteiras. Eu posso abrir mão de muitas coisas, mas não de sua presença em minha vida.
Por isso, mesmo que continue assustado, eu percebo que, se sua amizade é tão importante assim, continuar fugindo dele nunca vai ser a melhor resposta.
Como poderia ser? Eu só vou magoar alguém que quero ver feliz.
E eu não menti no último bilhete que escrevi. Eu quero ser capaz de fazer Jungkook feliz o tempo todo, para ver sempre seus olhinhos brilhando desse jeito tão bonito.
Acontece que me leva bons segundos para fazer toda essa ponderação cuidadosa. Segundos durante os quais Jungkook espera uma resposta, recebendo nada além do meu silêncio conturbado.
Ao fim, parece encarar essa como minha resposta final.
— Eu senti muito sua falta. — Ele diz, baixo, triste e conformado. — E fiquei muito feliz por matar um pouco da saudade que senti de nós dois. Desculpa por ter estragado tudo, hyung.
Mingyu estava certo. Eu deveria ser inteligente. É o que todo mundo pensa de mim. Nesse momento, para meu completo desespero, percebo que me falta um tanto de esperteza ao me deparar com o atraso para interpretar o pedido de desculpas de Jungkook.
Eu já sabia que ele estava chateado, mas só quando ele vira as costas para ir embora, desistindo de insistir, é que eu percebo o quanto.
Meu Jungkookie está completamente magoado, por minha causa.
— Bro? — Yoongi chama, depois de dar um tapa na lateral da minha cabeça quando, de tão atordoado, eu até perco a reação e vejo Jungkook ir embora sem fazer nada para impedir. Impaciente, meu amigo questiona: — Não sei que merda rolou ontem, mas você vai deixar ele ir assim?
Não.
Nem ferrando.
Deixando minhas anotações para outra hora, eu nem me preocupo em pegar minhas coisas quando levanto num pulo e corro para fora da sala pela segunda vez no dia.
— Vai, Park Jimin! — Kim Mingyu grita, em incentivo.
Nada me faria correr mais rápido. Nem os segundos finais de uma partida importante, nem Mingyu fugindo de mim, nem uma barata voadora vindo em minha direção. Nada me faria correr mais rápido que Jungkookie.
E ainda bem que as pessoas gostam tanto de mim, ou eu seria massacrado por empurrar, estapear e gritar contra tantas no caminho.
— Jungkook! — Eu chamo, segurando-o pela mochila com um pouco mais de força que o necessário, então o pobrezinho, pego de surpresa, dá uma tropeçada para trás e suas costas se batem contra meu peito.
Para impedir que nós dois sejamos levados ao chão, eu apoio minha mão na lateral de seu corpo, bem na cintura, e não demora para que o toque engatilhe a lembrança de seu corpo sem blusa.
Ah, pai nosso...
Jungkookie tem um corpo tão bonito.
Ele inteiro é tão bonito, em cada centímetro de existência, em cada jeito e trejeito.
Eu não tenho culpa por estar sentindo o que estou sentindo agora, mas ele também não tem. O coitado sequer entende o que está acontecendo e deve estar completamente confuso sobre cada atitude que tomei hoje.
E eu não sei se ele sente minha falta tanto quanto eu sinto falta dele, mas se sentir pelo menos metade... os últimos dias, para ele, também foram muito intensos e se deparar com esse afastamento repentino deve ser completamente frustrante. Seria infinitamente triste para mim, se os papéis fossem invertidos.
Assim, diante de sua expressão confusa, assustada e entristecida quando ele vira para mim, eu disparo:
— Quer assistir meu treino hoje, Jungkookie?
— Seu treino?
— Eu sei que você não gosta muito, mas... você pode assistir e depois nós podemos conversar. — Eu tento, ainda nervoso, buscando o pretexto do treino para adiar um tanto mais a conversa e assim planejar melhor o que dizer sem deixá-lo sob pensamentos de que eu não o quero por perto. — Por favor?
Eu vejo que Jungkook tenta sorrir, mas acaba falhando quando toda sua feição é consumida pela confusão crescente.
— Eu acho que desaprendi a te entender, Jimin.
— Eu vou te deixar entender de novo — Sou rápido em dizer, segurando o tecido frouxo da blusa de seu uniforme. — Eu só preciso me entender primeiro, porque as coisas ficaram um pouco bagunçadas e...
— Desculpa. — Ele pede, novamente. — Eu não deveria ter feito aquilo.
Eu balanço a cabeça para os lados tão rápido quanto posso.
— Jungkookie, você não fez nada errado. — Garanto.
Nossa, eu vou me dar um soco por ter causado toda essa confusão e ainda deixar o pobrezinho todo arrependido.
Como se eu estivesse incomodado por ele ter me beijado. Até parece.
O problema é justamente que eu quero outro selinho. Quero outro selinho e quero um beijão, daqueles de cinema.
Não, eu quero um beijão daqueles de fanfic.
— Você pode assistir o treino? — Assim, insisto. — Eu realmente queria que você me visse jogar... e nós podemos conversar com calma depois...
Jungkook respira fundo, me faz pensar que um grande não vem por aí, mas não demora para mostrar o sorriso com esses dentinhos de coelho que me derretem o coração desde o dia em que eu o conheci e vai derreter até meu último dia aqui na terra.
Depois que eu morrer e estiver lá no céu, porque sei que lá para baixo eu não vou, ainda estarei me derretendo pelo sorriso e pelas ruguinhas ao redor dos olhos lindos.
— Tá, hyung. — Aí, ele finalmente decide.
Ótimo. A primeira parte do problema, já foi. Agora preciso descobrir como solucionar a outra parte, maior de todas, que me faz querer beijar meu melhor amigo e simultaneamente morrer de medo de fazer isso e estragar tudo.
Vai dar trabalho organizar tudo isso em um discurso que não assuste Jungkookie.
— Eu vou pegar minhas coisas e depois vou trocar de roupa. — Então digo para ele. — Você pode me esperar lá no campo?
— Espero.
Eu inspiro intensamente antes de sorrir, parcialmente aliviado, mas logo em seguida assombrado pela vontade de me esticar para dar um selinho de até logo.
Calma.
Não vamos abusar da sorte.
— Até já — Assim, digo para ele antes de recuar com dois passos e girar sobre meus próprios pés para correr de volta para a sala.
Quando chego, vejo que Yoongi e Mingyu ainda estão aqui. Todos os outros alunos já foram embora, menos os dois fofoqueiros.
— E aí? — Um pergunta por cima do outro.
— Ele vai assistir meu treino. Depois a gente vai conversar. — Explico para eles, apressadamente guardando minhas coisas.
Ainda falta copiar a última parte do assunto, então tiro foto do quadro negro sob a promessa mentirosa de que, quando chegar em casa, passarei a limpo para o caderno.
Todos nós sabemos que isso nunca vai acontecer.
— Eu já vou — Então anuncio para eles, jogando a mochila nas costas e catando a bolsa de treino no chão. Inocentemente, em seguida, digo: — Até amanhã!
"Inocentemente" sabe por que? Porque é claro que não era um até amanhã. Era um até breve. Eu que fui ingênuo de acreditar que eles iriam embora, mas é claro que, quando saí do vestiário e segui até o campo, descobri que não só os dois fofoqueiros tinham ido para a arquibancada, como ainda levaram o comboio junto.
Lá estão, nos degraus de cimento, Taehyung, Hoseok e Seokjin fazendo companhia aos dois.
E o pior é que Yoongi não foi o único a convidar mais plateia para ver o desenrolar da minha situação com Jungkook sob o pretexto de assistir o treino.
O próprio Jungkook chamou seu amigo Namjoon, que está lá do ladinho dele.
— Park atacante-do-ano Jimin, — Lá vem Jongin, puxando a perna pelo joelho para se alongar. — como vai ser o treino hoje?
Por um instante, eu ignoro meu colega de time ao perceber o momento indiscreto em que todos os meus amigos levantam de onde estavam e seguem como uma cordinha de caranguejo até Jungkookie, na maior cara de pau quando sentam ao lado dele.
— Park atacante-do-ano Jimin? — Jongin insiste.
— Taemin! — Ignorando-o por um instante, eu grito para nosso zagueiro, gesticulando para que ele chute a bola com a qual brinca para fazer embaixadinhas.
— Po, eu tô brincando! — Ele reclama, segurando-a entre a grama e o pé protegido pela chuteira.
— Anda logo, arrombado! — Jongin insiste, impaciente.
Esse é o jeitinho do nosso centroavante. Impaciente, agressivo e cuspelão: perde a paciência, grita e cospe ao gritar.
Taemin não é lá dos mais mansos, também, então mete um chute violento na bola até que ela acerta a canela de Jongin.
— Fiz um gol, arrombado! — Enquanto o centroavante pragueja pela dor da bolada, nosso zagueiro comemora, mostrando o dedo do meio firmemente por uns dez segundos.
Que falta que faz o nosso treinador. Mas ele tinha que cair daquela moto e se ralar todo, o safado.
— Jimin! — No meio de meu suspiro, Jongin me chama de novo. — O treino?
— Ah — Eu suspiro. Mais uma vez, vejo meus amigos de gracinha para cima de Jungkookie e sigo firme em minha ideia inicial: — Vamos aquecer, primeiro. Você pode chutar a bola ali — Eu digo, apontando para o aglomerado de fofoqueiros. — Para dispersar os linguarudos.
O bom de Jongin ser todo descompensado é que ele nem questiona meu pedido.
Além disso, ele tem um baita chute certeiro e violento, que manda a bola branca na direção da arquibancada para se chocar contra o degrau imediatamente acima do conglomerado da fofoca. Eu escuto o barulho daqui, mas não na mesma intensidade em que escuto o grito agudo de pavor que Mingyu libera ao se assustar com a bolada repentina.
— Valeu! — Eu digo, trocando um high five com meu parceiro de time, que se acaba de rir.
Logo em seguida, eu corro para o meio do campo e deixo toda a situação sobre Jungkook de lado por um instante, porque preciso levar o treino a sério.
— Todo mundo reunido aqui! — E grito, bastando apenas um aviso para que todos os outros jogadores comecem a se reunir ao meu redor.
Sem demora, todas as instruções para os minutos iniciais do treino são dadas, seguindo o planejamento do nosso treinador mais ralado que queijo parmesão.
A cada segundo da sequência de aquecimento que precedeu a partida, eu olhava para Jungkook. E eu via que todo aquele apinhado de gente continuou ali ao redor dele, mas Jungkookie sempre estava olhando de volta para mim.
Eu sorri, em um momento, e acenei para ele, perdido na sensação deliciosa de, mesmo no meio dessa bagunça, poder ter a presença dele em minha vida novamente.
Eu sempre quis que Jungkook viesse assistir um treino meu. Queria voltar para casa ao seu lado, depois, brincando sobre poças de chuva para ouvir o sermão de sua mãe quando ela nos visse completamente molhados.
Eu sempre quis Jungkookie. Ponto.
Isso não quer dizer que eu quero forçadamente inseri-lo em todas as esferas da minha vida. Eu entendo, de verdade, que Jungkook tem seus gostos e preferências e respeito cada um deles.
Eu não quero mudá-lo, transformá-lo num fanático por esportes que adora estar cercado por pessoas em festas. Ele não é assim. E tudo bem. Eu não quero que ele seja exatamente igual ao que eu sou, até porque nossa amizade nunca foi assim.
Por exemplo, ele jura que o Otakus de Seul edição de 2015 foi a melhor de todas, quando eu decididamente sei que foi a pior.
Nós sempre tivemos nossas diferenças e tivemos uma amizade tão bonita, intensa e verdadeira apesar delas. Talvez, na verdade, por causa delas.
Nós sempre tivemos nossas particularidades e sempre nos respeitamos assim. Hoje, talvez as diferenças sejam maiores que nunca, mas isso não quer dizer que não podemos descobrir e redescobrir coisas em comum. Nossas barracas de lençol e travesseiro, por exemplo. As conversas fáceis, as risadas gostosas.
Nós nos perdemos no meio do caminho, mas eu sei que nossa amizade não está completamente perdida.
E não importa o que eu tenha que fazer. Não importa se eu vou precisar sufocar esse gostar que estou sentindo por ele. Eu vou sufocar até esquecer esse sentimento, se assim for preciso para ser amigo dele novamente.
Porque essa é a situação.
Eu gosto de Jungkook. Tipo, como se gosta de um namorado.
Mas eu amo sua amizade.
E entre amar e gostar, acho que fica claro qual sentimento eu vou escolher preservar.
Então é isso. Está decidido.
— Foca no jogo, atacante-do-ano! — Taemin grita, furioso, quando mete outro chute na bola branca, dessa vez lançando-a em minha direção.
Eu sorrio, pouco satisfeito com a decisão à qual precisei chegar, mas ciente de que é o melhor a ser feito.
Assim, o treino acaba depois da maior pancadaria e carnificina verbal.
Os jogadores seguem até o vestiário. Eu, sigo até a arquibancada.
— Jimin! — Seokjin grita assim que chego perto, com a bolsa pendurada no ombro e apertando a garrafinha squeeze para jogar água direto em minha boca. E para acabar de vez com todo o charme provocado por meu suor, meu amigo diz: — Me dá um peidinho!
Namjoon olha estarrecido para meu amigo de cabelos loiros, que apenas devolve um olhar de sobrancelhas curvadas que questiona, silenciosamente, um agressivo: que é?!
— Peidinho de comer, ele quer — Aí, é Taehyung quem esclarece. — Não vem soltando seu pum fedido, não, pelo amor de deus!
— Pelo amor de deus. — Yoongi vem em seguida, jogando uma pá de terra por cima da minha dignidade recém aniquilada por Seokjin e Taehyung. E piora: — Fede demais, bro.
— Cara, para com isso de chamar todo mundo de "bro" — Hoseok reclama em seguida, piedoso o suficiente para não prolongar o assunto sobre meus gases.
E não é que Jungkook não conheça a potência das minhas flatulências, mas, no exato instante, ter o assunto dissecado na sua frente enquanto eu ainda luto contra o sentimento de gostar dele é no mínimo desconfortável pra caramba.
Ainda assim, sou bondoso o suficiente para abrir minha bolsa para tirar um pacote de peidinhos comido pela metade, jogando-o para Seokjin.
— Jungkookie — Eu chamo imediatamente em seguida. — Pode vir comigo agora antes que me matem de vergonha?
Ele deixa uma risadinha gostosa dar as caras e fica de pé em seguida, batendo na própria bundinha para limpá-la, já que a arquibancada vive meio suja.
— Até amanhã, gente — Ele diz, despedindo-se do improvável grupo que se formou durante o treino.
— Até. — É Namjoon quem diz, enquanto os outros apenas gesticulam e Seokjin enche a boca de salgadinho de gergelim. — E resolvam logo essa novela mexicana, pelo amor de deus, que eu não aguento mais Jungkook todo murcho na hora do almoço!
— Hyung! — Jungkookie repreende com um grito contido num sussurro que logo me arranca uma risada nervosa.
Ansioso, eu seguro seu braço para puxá-lo comigo suficientemente para ficarmos longe dos olhos e ouvidos do bonde da fofoca.
Mas, antes de nos afastarmos completamente, ainda ouço Mingyu perguntando, todo curioso:
— E existe peido de comer, é?
Honestamente, eu preferiria estar disponível para uma conversa sobre peidinhos comestíveis e não comestíveis. Porque, assim que trago Jungkook para a lateral da arquibancada, percebo que eu nem sei o que dizer, apesar de ter minha decisão tomada.
Eu estou encostado contra a parede de cimento que acompanha os degraus mais altos da arquibancada. Jungkook, na minha frente. Minha coragem, no chão.
— Jungkookie... — Ótimo. Comecei. E agora, como termino?
— Oi, hyung...
— Me desculpa por ter feito toda aquela cena pra fugir de você, mais cedo — Eu peço. Não é demais reforçar o quanto aquilo foi bobo. — Essa é a primeira coisa que queria te dizer.
Balela. Essa é a primeira coisa que eu consigo dizer. É diferente.
— Qual a segunda? — Curiosamente, ele pergunta.
Como eu vou fazer isso?
Eu não posso simplesmente agir como se o selinho não tivesse acontecido ou mexido comigo. Então eu tenho que falar sobre ele e ser sincero sobre o que estou sentindo desde então? Isso não pode potencialmente afetar nossa amizade, que é a consequência que quero evitar?
— Hyung, — Diante de minha incapacidade de continuar falando, é Jungkook quem assume a dianteira da situação. — foi por causa do selinho?
Seja o que deus quiser.
— Sim, Jungkookie.
Ele balança a cabeça numa concordância nervosa, enquanto eu penso que essa seria uma boa hora para desmaiar, porque morrer é definitivo demais.
— E... — Novamente, ele volta a falar. — você não queria?
Eu deito minha cabeça para trás, encostando-a à parede morna enquanto me percebo numa situação tão ruim para decidir quais as melhores palavras. Ao optar por confessar a verdade, sei que estou piorando a situação.
— Eu queria seu beijinho, Jungkook...
— Então... — Ele aperta os olhos, lindo até mesmo quando está confuso. — Por que? Eu achei que... eu... você me deixou muito confuso depois de hoje...
O que é um peidinho (não comestível) pra quem já tá cagado?
Agarrado a esse mantra, minha voz carrega todo o nervosismo quando sigo em frente:
— Eu disse que você sempre vai ser minha primeira opção, Jungkookie. E você é. O problema é que agora eu estou vendo duas versões de você e sinto que não posso ter as duas.
— Duas versões?
— É. Você como meu amigo e você como a pessoa com quem eu quero... ter algo a mais. — Confesso, completamente mortificado por precisar fazê-lo. — Eu te amo como meu amigo, Jungkook. Mas acho que gosto de você como namorado. Eu tô confuso e com medo de fazer besteira porque... não é qualquer um. É você.
Em minha frente, Jungkook agita as mãos, usando uma para estalar os dedos da outra, depois entrelaçando os dedos inquietamente, sem resposta pronta para me dar.
Frustrado, eu vou escorregando meu corpo pela parede da arquibancada até me sentar no chão, usando as mãos para esfregar meu rosto mais uma vez. Em minha frente, Jungkook continua em silêncio, parecendo lutar contra algo.
Demora para que ele enfim leve a própria mão ao bolso direito da calça. Dali, tira um papel dobrado.
Olhando-o com incerteza, Jungkook leva vários segundos até devolver sua atenção a mim.
— Eu entendo o que você tá sentindo, hyung. Porque sua amizade também é o mais importante pra mim. Mas... — Uma breve pausa vem, com seus olhos voltando ao papel em sua mão. — Eu pensei sobre isso e já tomei uma decisão.
Eu estou ansioso, sem saber o que esperar agora que confessei a verdade. Mas não demora para que tudo isso se perca detrás da sensação que ele me provoca quando se agacha em minha frente, para seu rosto alcançar a mesma altura do meu.
Aí ele hesita um pouquinho, mas logo se aproxima um pouquinho.
— Isso é pro meu libriano favorito — Ele diz, deixando um beijo tão suave em minha bochecha que me faz suspirar.
Depois, respira fundo e me entrega o papel que tirou do bolso.
— E isso é para meu libriano secreto.
Confuso, eu olho para o bilhete que Jungkookie coloca em minha mão, depois olho de volta para ele, ainda mais perdido quando vejo que ele começa a se levantar.
O que está acontecendo?
— Ele não precisa me dar uma resposta agora — Ele diz, continuamente se afastando em passadas lentas, ainda olhando para mim. — Pode levar quanto tempo precisar.
Curioso, eu olho para o bilhete.
— Até amanhã, hyung. — E essa é a última coisa que ele diz, antes de virar as costas e partir de vez.
Sozinho, cada vez mais confuso sobre tudo o que está acontecendo, sem entender se Jungkook já percebeu que o tal libriano secreto sou eu ou se espera que eu entregue isso a outra pessoa, meus pulmões se enchem de ar com uma respiração carregada.
"Para meu libriano secreto favorito", é o que ele escreveu na parte externa.
Meu deus.
Ele sabe que sou eu.
Sem tanta coragem, eu desfaço a dobra do bilhete. E aqui está, meu colapso garantido em apenas uma linha.
"Querido libriano,
eu quero descobrir como é o beijo de libra com você"
☆☽☀☾☆
Esse é meu bilhete favorito? Esse é meu bilhete favorito! <3
Vamos direto ao questionamento doas dias ímpares: gostaram do capítulo?
Jungkook demorou um pouco para perceber o que poderia ser óbvio (mas nem tanto, porque quem imaginaria que seu ex-melhor amigo de repente começaria a mandar bilhetes românticos anônimos pra você?), mas foi rápido em decidir o que ele quer!
Agora a incógnita é Jimin: vocês acham que ele vai ceder de cara ou vai demorar um pouco mais?
Todo mundo percebeu o quanto a amizade de Jungkook é importante pra ele, então é natural que ele tenha medo de misturar um novo sentimento e acabar provocando um distanciamento ainda maior, caso o romance não dê certo ):
E por hoje é só! Até sexta ou até a #LibrianoFavorito <3
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