Mais um dia de trabalho III

Mais tarde, estavam no acampamento, há alguns quilômetros da cidade.

— E depois de tudo, a disgramada ainda vomitou em cima de mim! Então, é por isso que quero a porra duma indenização. Eu recebo para matar gente e até umas porras de demônios, mas não para isso! Sabe o que a chefe me disse? Que eu tava parecendo uma dama de companhia. Para eu tomar uma porra de banho e parar de ficar reclamando de barriga cheia.

Syrum gesticulou entediado — Tá, tá, Cas. Vou convencê-la a te pagar essa maldita indenização.

— Há! Duvido! Valéria tem as mãos costuradas junto com os bolsos.

— Falei que vou, cacete! Agora some daqui antes que eu mude de ideia.

Cascalho deu com os ombros e saiu da barraca, mas Lindão entrou. Syrum olhou-o bem nos olhos. Era um dos poucos que conseguia ficar olhando para o rosto deformado como se olhasse para uma caneca de cerveja.

— E então? — indagou Syrum.

— Perdemos onze homens no contrato com o comandante. Quatro gravemente feridos e dois aleijados.

— Podia ter sido pior.

— Verdade. Ao menos o general teve o senso de comandar a retirada. A cidade agora está perdida. Não fosse o contrato com o marido da cagona, esse dia teria sido um mau negócio.

— E a menina, está bem?

Lindão deu com os ombros. — Tá viva...

Syrun ficou matutando um pouco, certamente algo indecente.

Lindão arrancou um naco de caspa da cabeça — A chefe está negociando um novo trabalho para nós.

— É?

— Escoltar uns ricaços para a capital. Tá todo mundo apavorado.

— E com razão. Os zimbronianos estão avançando. É uma questão de tempo até que toda Griss caia. Assim como... Syrun não completou.

O outro axiano também apertou os lábios. Nunca mais teriam um lar para onde retornar.

— Talvez devamos embarcar para Lacoresh. Dizem que ainda é seguro por lá.

— Seguro? Com uma praga descontrolada de mortos-vivos e fantasmas? Isso seria trocar seis por meia dúzia. Talvez para Keldor...

— Tá louco, chefe? Aquela gente é insuportável...

— Esteve na guerra?

— Não, mas fui lá depois. Queriam me matar lá, só porque sou assim, tão lindo.

— Em toda parte as pessoas iam querer te matar, Lindão.

— Mas não aqui, no bando.

— É — Syrun sorriu — não aqui.

Lindão correspondeu com um sorriso banguela. Os poucos dentes que tinha sujos na boca. Com alguma boa vontade, poder-se-ia sentir alguma simpatia por aquele pobre coitado.

— Chefe, se formos para Trélis, talvez encontremos algum sossego. Afinal, aquele reino é praticamente o fim do mundo.

Syrun recostou-se. — Valéria vai nos levar para longe do sossego, pode estar certo disso.

Um dos pajens chamou lá de fora — Chefe, seu banho está pronto.

— Ah — levantou-se animado — já não era hora!

Saiu, despiu-se e foi até a tina com água quente. Entrou de uma vez. O moleque olhou horrorizado. Ele não toleraria tocar em água tão quente.

— Vamos, está esperando o que?

O pajem molhou a pedra porosa e começou a esfregar as costas de Syrum.

— Esfrega direito, moleque!

A sujeira misturada com sangue de demônio escorreu maculando a água. O rapaz despejava água com um caneco aos poucos sobre os cabelos emaranhados de Syrun, fazendo-os colar contra o crânio.

Uma onda de quietude recaiu sobre ele. Perseguia, com os olhos âmbar, as formas nas nuvens contra o céu. Escutava pedaços de conversas ao longe. Um nobre falou algo sobre se recusar a ir com o Flagelo Axiano. Syrun gostava daquela fama. Era engraçado escutar as histórias absurdas que contavam.

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