XV
Os gêmeos pensavam na imagem presente em seus olhares. Na verdade, Tomé pouco pensava. Somente chorava no colo frio de Angeline. Giovanni refletia pelos dois, ou tentava. Não entendia a situação da mulher deitada, então temia pelo pior sem saber.
Ettore se via no fim da vida passada da mãe. Nem mais chorava. Balançava a cabeça. E abaixava-a para o chão, onde não via motivos para derramar lágrimas. Local que permanecia seco por ser vago e gélido.
*
Era impressionante como os gêmeos pareciam tão próximos dela, mesmo tendo poucos dias juntos.
Mesmo antes de Palermo ser bombardeada, noutra transferência forçada de Angeline, os garotos não saíram de perto da avó. Era tudo tão verdadeiro. Documentos pouco importavam na aproximação quase inverossímil deles. Como um forte acontecimento que une.
E assim mais de um ano se foi.
*
Com uma raiva crescente em ver a mãe naquele estado, ele não aturou não conseguir olhar para ela. Tinha vontade de desistir de vê-la viva. Então, afastou-se. Voltou para a Itália sem Duce.
Saiu do carro. Sacou uma lanterna e caminhou nos destroços de sua antiga casa espalhados pela rua. Entrou lentamente. Olhava os centímetros ruídos da onde foi criança. Viu uma cena. Ele brincava com um avião de papel. Corria de uma parede à outra. Elas prendiam sua sombra.
E logo ia à pia da cozinha velejar com suas variadas embarcações. Bombardeava-as e emergia-as com as mãos. Na água, ele via seu reflexo. Imagem retorcida do mandante dos bombardeios.
Voltou ao presente com um suspiro. Espantando a sombra e diluindo a imagem. Recusando o passado. Seu núcleo. Repetindo o gesto dos anos recentes.
Apontou a lanterna para a porta do porão. Local protegido da guerra e da memória. Destrancou e entrou. Destacou, em um canto, um baú. Abriu o cadeado empoeirado.
Sorriu. Havia fotos, presentes, boletins escolares, bilhetes, brinquedos...
Abriu uma caixa de papelão no fundo depois de limpar a recorrente poeira da tampa. Segurou as lágrimas, enquanto lia uma das as melodias que ali estavam empilhadas. E fez o mesmo quando leu uma carta datada de 1914 que agradecia Angeline por certas doações.
Deixar gotejar em uma imagem de um homem sorridente com uniforme da marinha portuguesa. Atrás dela tinha o mesmo ano digitalizado.
Dentro do envelope onde a foto estava tinha um escrito. As letras, idênticas as que saíram da máquina da mulher no recente presente, diziam: "Outra lembrança que te envio, minha querida. Este sorriso é teu e de nossos filhos. Peça bênçãos ao nosso padre e reze por mim. Estarei rezando por ti e por nossos pequenos. Especialmente por Lily. Espero que ela tenha se recuperado. Ela será nosso pequeno milagre, você verá. Eu te amo. Até mais."
Ettore recolocou a foto e o papel no lugar. Controlou um pouco seu choro.
Embaixo de uma caixa viu um gorro. Pegou-o e percebeu uma linha solta. Puxou a linha, onde no fim tinha uma agulha. Empurrou o gorro incompleto contra seu rosto. Forçava o choro a não mais sair. Segundos depois, falhou em tentar colocar a peça infantil. Tirou-o. E sorriu igual um a criança que deveria usá-lo.
Colocou o baú no carro e foi à praia. Agora via o enigma pelo qual a mãe era apaixonada. Nunca entenderia a origem disto, mas pensava.
Olhava ao fundo, no horizonte do mar, onde sentia uma falta. Onde o via afundar os barcos na pia da cozinha. E ele não mais evitava o choro ao lembrar de algo. O amor familiar pelo mar que o gerou. Olhava para o céu. Onde o via correr com os aviões.
Pegou no bolso a primeira carta de sua mãe para si mesma. Ela ficou guardada e por perto de Ettore. Abriu-a. Viu o que o inspirou a continuar insistindo na recuperação da mãe. Acreditou em uma ressuscitação de sua mente, pois sabia que a do corpo era passageira.
Deixou os pingos de seus olhos envelhecerem mais ainda a carta. A que rejuvenesceu sua esperança.
E as lembranças da infância voltaram. Ele as suspirou.
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