O baile (capítulo único)
Laís se arrumou, dando uma última checada em seu batom e em seu vestido longo. Encarou a si mesma no grande espelho - o mesmo que era palco do drama: "Espelho, espelho meu, existe alguém mais sem graça do que eu?!". Mas não vem ao caso porque agora ela estava se sentindo maravilhosa (e não intimidada pelo baile de formatura). Se tratando de sua aparência, era a primeira vez que se sentia assim. Nunca pensou que o cabelo (dolorosamente) esticado e depois preso num grande coque lateral fosse emoldurar tão bem seu rosto. Porém o fazia e ela se sentia satisfeita. Será que não existiam chapinhas que pudessem desencaracolar também seus pensamentos?
Como toda adolescente, ela estava confusa e se contradizendo. Odiava as indústrias que ganhavam em cima da aparência feminina, em suma porque lucravam em cima de inseguranças. Isso não é um pouco cruel? Como ato de subversão escolhia não cobrir suas olheiras e sardas e a não passar batom para ir à padaria - ou a qualquer outro lugar. No entanto, se sentira fisgada pela aparência que tinha com a ajuda daqueles produtos. Naquela forma, era uma versão mais - ugh, odiava até o pensamento - bonita de si mesma. Naquela forma talvez os garotos a quisessem, talvez até mesmo Gus...
Seu reflexo era tão mais prazeroso do que suas reflexões.
Antes de finalmente deixar o quarto depois de uma tarde se produzindo (e achando que tudo fosse dar errado), pegou seu casaco azul escuro que um dia pertencera à mãe. Não estava frio, mas era de sua natureza se prevenir.
- Pensei que íamos de pijama. - seu par do baile, Gustavo, comentou com as bochechas vermelhas enquanto ela descia as escadas. Bem que pensou ter ouvido um barulho de campainha minutos atrás. Os olhos dele pareciam brilhar ao olhar para ela e ao notar isso, Laís vibrou por dentro. Era a primeira vez que ele a olhava dessa forma.
- Ah, essa coisa velha? - bateu com descaso no vestido nude de tule - Durmo com isso quase sempre - sorriu e eles trocaram olhares cúmplices.
Antes que as piadas começassem, antes que ela pudesse notar cada detalhe do rapaz enquanto ele não estivesse prestando atenção (ou pudesse colocar a mão na gravata, com o pretexto de arrumá-la, só para chegar mais perto) sua tia irrompeu da cozinha, carregando uma máquina fotográfica no pescoço. Ostentava um olhar de superioridade, que dizia: "Achei as malditas pilhas recarregáveis, nada se esconde de mim, não nesta casa".
- Que bom que achei as pilhas! Quero uma foto de vocês dois juntos. Mas uma foto de verdade e de qualidade, não aquelas porcarias de selfies que só vocês jovens sabem tirar - falou a última frase com um breve revirar de olhos. Costumava tirar fotos de paisagens antes de Laís se mudar para lá. Tanta coisa havia mudado desde então.
Tiraram fotos fazendo "v" com as mãos que imitavam chifres, fizeram poses de super-heróis, de agentes secretos (aquelas em que um fica de costas para o outro e ambos imitam uma arma com as mãos). Após reclamações de sua tia, fizeram algumas normais. Umas sorrindo, outras com a expressão mais séria. A mão de Gustavo em sua cintura, para as últimas fotos, deixara Laís rígida como só uma estátua grega pode ser. O calor que emanava de seus dedos a fazia queimar por dentro. Quando a sessão fotográfica acabou, resistiu à vontade de pedir para que ele ficasse ali, naquela posição para sempre.
Engoliu todas as palavras não ditas. Já pensara em Gustavo como mais que seu amigo, várias vezes. Ele tinha aqueles cachos castanhos encaracolados e um sorriso de covinhas que a fazia ter vontade de mantê-lo sorrindo sempre. Mas era mais do que isso, ele a entendia. Era seu amigo, seu único amigo num mar de colegas. Ele se aproximou na época difícil, na época em que sonhara com fadas madrinhas e feijões mágicos - na verdade, na época em que só queria fugir de sua própria realidade.
- Me conta seu segredo - ele pediu em voz baixa enquanto desciam as escadas para o Fiesta (o pai dele emprestara o carro) que iriam ao baile. Ela quase se engasgou com a pergunta.
- Que segredo? Que eu estou de moletom por de baixo disso tudo? - sua voz saiu um pouco mais aguda do que o usual - Não deu certo, minha tia percebeu e me fez tirar - ficou satisfeita ao ouvir o riso do rapaz - Mas minha alma sempre está de moletom e ela não pode fazer nada a respeito disso - constatou, empinando o nariz e se permitindo rir com o amigo. Chegou a ponderar por alguns segundos se falaria o segredo para ele e se sentiu grata por não tê-lo feito. Entraram no carro e seguiram caminho.
- Não, eu estava falando da sua identidade secreta, dummy. Obviamente você tem superpoderes e finalmente abandonou seu disfarce essa noite - ele a encarou por alguns segundos e ela respondeu com um revirar de olhos. Seu coração deu alguns saltinhos.
- Eu não vou falar sobre minhas habilidades especiais com você, Pinguim! - retrucou e cutucou com o dedo seu amigo que trajava um smoking. Gustavo entendeu a semelhança que o traje tinha com o animal e riu.
Eles estavam chegando perto do salão que fazia as maiores festas da cidade. Já conseguiam ver a construção de dois andares que, por conta de suas torres, se assemelhava com um castelo. Laís desejou que não houvesse nenhum coma alcoólico - céus, eles eram só adolescentes se formando no Ensino Médio e, para os responsáveis, seria uma decepção enorme. Confiava que a direção conseguiria pegar todos os que tentassem entrar com bebida escondida.
Quando chegaram ao local, Gustavo aparentemente iria ajuda-la a descer do carro, mas ela já estava do lado de fora segurando a bolsa e seu casaco. Ele então estendeu o braço e entraram juntos no recinto claro e de aparência nobre. Havia um lustre de cristal de proporções enormes no centro do salão e velas que estavam perigosamente perto de arranjos de flores. As mesas redondas se espalhavam simetricamente pelo salão. Algumas tinham o privilégio de estarem perto de portas de madeira com vidros, que denunciavam sacadas amplas. Ficaram numa dessas.
Que sensação estranha Laís sentiu ao ver diversos rostos conhecidos numa versão mais chique deles mesmos. Alguns meninos pareciam robôs ao andarem em roupas formais, tamanho era o desconforto. Aos poucos o lugar foi ficando mais e mais lotado e sua mesa não era exceção à regra. Quando se levantou para pegar um pouco de refrigerante, Albert, um cara com quem ela nunca tinha trocado mais que algumas palavras, a abordou:
- E aí, gata? Acho que nunca te vi pela escola. Você provavelmente está acompanhando alguém. Se você cansar desse sortudo filho da puta, pode me procurar. Estarei à disposição - disse com o bafo cheirando a álcool e uma tentativa de piscadela. Provavelmente a escola não conseguiria pegar todas as bebidas, pelo visto.
O estômago de Laís se contorceu num misto de raiva e nojo.
- Sabe, Albert - enfatizou seu nome para ele saber que ela o conhecia - Você é a razão pela qual as pessoas odeiam o ensino médio.
Ele se empertigou, como que chocado por suas palavras, ao mesmo tempo em que parecia tentar discernir se era aquilo mesmo que tinha ouvido. Ela não esperou mais nenhum tipo de reação, seguiu para sua mesa sem olhar para trás.
- Maldito Albert - murmurou ao voltar para a sua mesa. Era um comentário direcionado a si mesma, que acabou sendo ouvido por Hannah.
- Arriscaria dizer que tudo é muito relativo, mas acho que a teoria da relatividade não tem a ver com seu mau humor - Hannah sorriu, dando de ombros.
- Não sei se essa teoria pode ser aplicada na minha vida, mas já que não a entendo, é bem provável - sorriu para a colega loira. Ela se sentia tão surpresa pela conversa iniciada por Hannah que o sorriso poderia ser confundido com uma careta.
- Também não entendo, nem sei do que fala essa teoria. Eu odeio física. Odeio essa palavra e tudo que a envolve. Isso inclui educação física - desabafou, arrancando um sorriso empático da outra.
Conversaram, então, sobre amenidades e depois assuntos polêmicos, tudo com uma leveza que era difícil de ser encontrada. Laís desejou ter tido essa conversa antes, seria bom ter tido uma amiga durante aqueles anos. Mas eram de mundos opostos no colégio...
Passaram-se algumas horas (as quais foram aproveitadas com comidas, risadas e, sua tia estava certa, selfies) até que era a hora da valsa. Houve a cerimônia do rei e da rainha do baile, mas quem se importava? Laís queria estar de costas para aquela palhaçada, porém seu bom senso gritou mais alto e ela acompanhou a ladainha. Um garoto que ela reconhecia por ser parte do time de natação era o rei. Como era seu nome? Não lembrava. A rainha era August. Sem surpresas para ninguém. Ela parecia uma fusão de todas as modelos famosas e era o sonho de qualquer cara que cruzasse seu caminho.
Era tão previsível que ela ganharia. O rei do baile poderia estar de cuecas e as pessoas não notariam, pois todas, sem exceção, acompanhavam o rodopiar do vestido branco e as luzes reluzentes. Laís pensou que Afrodite deveria ser uma das deusas mais poderosas entre os mortais porque o charme e a beleza hipnotizam, tiram a capacidade humana de pensar com clareza. August não precisava do vestido para estar deslumbrante, muito menos da maquiagem. A beleza era inerente a ela e ali estava em sua forma mais poderosa.
Depois do que pareceu uma hora, chegou a vez de todos dançarem a valsa com seus respectivos pares. Era o cerimonial exigido para que a pista então se tornasse o caos com músicas de mau gosto, o momento que a maioria ansiava. Laís se sentiu nervosa, dançar nunca fora seu forte. Só de pensar em ter as mãos de Gustavo em sua cintura a fazia rir de nervoso.
- Pode me conceder essa dança, madame? - Gustavo fez uma reverência com as mãos, inclinando-se levemente para frente.
- Eu tenho que fazer isso, Gus. Ao contrário, tudo - apontou para seu vestido - terá sido em vão. Mas seu ato pomposo...
- Não use essa palavra - ele interrompeu, sacudindo levemente a cabeça.
- Seu ato cordial me fez perceber que representamos a corte, enquanto acredito na revolução. Viva la Rev! - bradou com seu melhor sotaque francês.
Estava pronta para desenvolver como queria os monarcas na guilhotina, como queria imprensa livre e usar calças compridas e largas como os sans-culottes. Não disse nada, no entanto. Porque no momento que o faria, a valsa começou. A sua mão direita estava encaixada na de seu amigo (engraçado como, apesar de próximos, nunca terem dado as mãos) e a esquerda, estava no ombro dele. A mão remanescente de Gustavo, por sua vez, estava em sua cintura, causando aquela sensação estranha, mas boa.
Errou os primeiros passos, é verdade. Estava nervosa e nunca tinha sido conduzida por ninguém. Pisou uma, duas, três vezes no pé do amigo.
- É mais fácil se olhar para mim - Gustavo tentou.
Laís elevou seu olhar a ele e o manteve lá. Depois de segundos conseguiu se acostumar com o ritmo da música e até balançou suavemente com as melodias. Ela podia contar todas as pintinhas (não eram sardas como as dela) que ele tinha no rosto e ver como seus cílios escuros eram longos - seu olhar, bondoso. Seu coração batia forte, como se a qualquer momento fosse capaz de se libertar da jaula torácica. Imaginou como seria repousar a cabeça no peitoral dele. Imaginou também como seria beija-lo.
Era um momento perfeito e Laís tentava não desperdiçar a perfeição. Porque estava envolta em uma mágica euforia ou porque não tinha pensado o suficiente no assunto, ela contou o segredo para ele.
- Gus - sua voz saiu baixa - Eu queria te agradecer por...
- Eu ser o melhor professor de dança express desse salão? - ele sorriu, deixando as covinhas à mostra.
O que estava prestes a fazer não permitiu que sorrisse junto com ele, portanto ela só prosseguiu:
- Por tudo. Eu estou apaixonada por você.
O sangue pulsava em suas veias - fora o momento em que se sentiu mais valente na noite toda. Nunca tinha presenciado o tempo se mostrar disforme como nos livros que ela lia. Mas estava ali, tudo se mexendo em câmera lenta. O maxilar do amigo se travando, aos poucos e o olhar se tornando opaco gradualmente. Parecia que ele estava endurecendo, como se fosse uma estátua. Seria ela a Medusa? Resistiu a vontade de checar se o cabelo não virara cobras. Aliviou-se quando ele se mexeu, no entanto, sem sobrancelhas levantadas e sem olhos arregalados.
O sentimento de Laís não era uma surpresa para ele.
- Lalá, eu gosto muito de você como amiga, mas não dessa forma. Eu sinto muito e espero que nada mude entre a gente - Gustavo proferiu num tom monótono, sem que a voz tremesse. Como se esse discurso já tivesse sido ensaiado diversas vezes.
Quando percebeu que este era o exato momento em que a música estava diminuindo de volume, ela correu. Deixou que seus pés a guiassem ao banheiro e depois a uma cabine vazia. Que papelão ela fizera! Não iria vazar até se sentir oca, não seria quebrada por uma rejeição. De todos os sentimentos do mundo, o qual ela menos sabia lidar era a vergonha. E estava envergonhada por ter sido rejeitada, mas mais do que a rejeição, doía a falta de surpresa do amigo. Quando ele descobrira? Como poderia ter sido tão cruel ao convida-la para o baile, algo tão íntimo? Como?!
Estava respirando pesadamente, segurando sua barriga com as duas mãos, em agonia. Só percebeu como estava quando ouvira três batidas na porta. Passou a mão pelo seu rosto, mas nenhuma lágrima havia caído. Depois do que houvera com sua mãe, não sabia se ainda era capaz de chorar.
- Ocupado - disse secamente.
- Hum, Laís? - perguntou de forma hesitante - Está tudo bem? Sou eu, a Hannah.
Laís suspirou baixo.
- Oi. Está sim - respondeu, tentando fazer com que as palavras saíssem de forma mais educada.
Silêncio.
- Laís - Hannah falou depois de um minuto - espero que não tenha comido os camarões. Teve uma menina que vomitou mais cedo, achei que era culpa da bebida, mas pensando melhor, podem ter sido os camarões. Eu odeio esses crustáceos, sério, eles são baratas marinhas. Mas nada contra quem come - acrescentou depressa - Você precisa de algum remédio? Papel higiênico, talvez? Eu vou falar com os diretores.
Laís abriu a porta depressa, para desfazer qualquer mal entendido que houvesse na cabeça da garota. Hannah suspirou aliviada.
- Já estava interditando os camarões com minhas próprias mãos. Ninguém merece dor de barriga hoje! Ainda bem que abriu a porta, você não imagina o quão rápida posso ser de salto.
Apesar de não querer ser incomodada, poderia ser pior. Hannah era legal.
- Obrigada - agradeceu Laís, sem saber o que mais poderia dizer. Ela se sentia quente e sem graça.
- Mas você está bem? Vi você correndo depois da valsa - indagou a outra garota, demonstrando preocupação.
- Não - sobressaltou-se com sua resposta sincera. A garota a encarou com expressão de dúvida. Talvez por impulso ou pelo frágil elo que ela tinha criado com Hannah no começo da noite, despejou: - Acabei de me declarar para o meu melhor amigo, Gustavo. Eu não planejei dizer isso, eu nem sei o que deu na minha cabeça. Ele me conhece, tipo, de verdade. E ele me rejeitou - deu de ombros.
Hannah se aproximou de Laís, a envolvendo em um abraço apertado.
- Sinto muito que isso tenha acontecido nesta noite - falou assim que rompeu o abraço, ainda segurando seus ombros - Sinto muito que tenha sido com seu melhor amigo também. Percebi que eram muito próximos e, se quiser, pode ficar comigo e com meus amigos hoje. A gente tá fazendo uma competição de quem dança pior.
Laís se sentiu comovida com o convite. Duvidou de que se sentiria a vontade com eles, mas seria melhor do que ir para a casa como uma covarde. Nem percebera que estava se agarrando àquela ideia até o presente momento, quando a tensão em seu ombro foi desfeita. Não conseguiria encarar sua tia, não depois de ela bancar a fada madrinha e dar de presente aquele vestido caro. Não depois de ela ter dito que sempre sonhara com um baile quando era adolescente.
- Essa competição já é minha - Laís piscou e se permitiu sorrir.
- Que bonitinha - Hannah forçou uma risada e adicionou em tom mais sério: - Estou me preparando para isso há meses.
No começo, Laís se sentiu um pouco deslocada, porém o esforço de todos e as danças ridículas a fizeram se sentir parte do grupo. Talvez se vissem outras vezes, já tinham até adicionado ela no grupo de conversa online. Eles eram completamente divertidos e sem muitos freios no que falavam. Eram espontâneos de uma forma legítima, que ela não seria nem se tentasse ao máximo. Nunca se imaginara naquela situação nas vezes em que o baile surgia em sua mente, semanas atrás. A gente não pensa muito em situações que dão errado, pensou. A idealização do futuro era o que realmente cercava a mente das pessoas. E se não fosse, como seguiriam em frente?
Não respondera a própria pergunta e não se importava. Seu coque estava começando a se desmanchar graças aos pulos que dera. Já estava descalça havia muito tempo e seu pé deveria estar preto por baixo. Talvez Cinderela tivesse perdido o sapato de cristal porque estava na gandaia (é impossível se divertir de salto alto) e depois não se lembrara do local em que tinha deixado o calçado.
Parecia um final mais feliz para noite, se Cindy tivesse dançado com as garotas renegadas do reino, sem se importar com o julgamento alheio. Mas não foi o que fez. Todo mundo conhece a história original, ela só dançou com o príncipe e depois se casou. Laís não sabia o que tinha feito a pensar tais coisas, mas ficou feliz em estar ali, gritando as letras das canções e fazendo passos dos anos oitenta.
Depois de algumas músicas, precisava de água ou refrigerante. Abdicou da pista de dança quando começou a tocar um single de casais. Sabia que seria engraçado ver o que aprontariam naquela faixa, mas não queria invocar o sentimento de vergonha novamente. Foi quando os viu. A porta da sacada estava com uma fresta aberta, havia duas silhuetas que após breve observação, constatou ser August e Gustavo. Augustavo, já até previa o nome do ship.
A noite estava estrelada e ela, confusa. Queria se convencer de que era outro garoto - e não a rainha do baile - ali com seu amigo. Ela via o paletó do amigo no ombro da outra pessoa. Mas também via camadas e mais camadas de vestido que iam cintura abaixo e pertenciam, definitivamente, a uma garota. À August. O casaco em seu ombro. Isso era o que mais a incomodava: Laís sempre carregava seu próprio agasalho e aquela cena nunca poderia ser protagonizada por ela. Observou os contornos suaves da loira. Aquele tipo de beleza também nunca teria. Poderia se submeter a inúmeros procedimentos estéticos e alisar seu cabelo todos os dias, ainda assim a leveza do olhar era algo inoperável. August era uma princesa.
Seu amigo queria uma princesa.
E ela não era isso. Nem pretendia ser. Ficou magoada ao ver os dois juntos. Magoada em como ele não tinha considerado seus sentimentos ao ficar junto de August na festa em que ela estava presente. Magoada consigo por ser tão egoísta. Deu a volta na mesa em que estava sentada e bebeu uma garrafa inteira de água para engolir sua frustração. Sentiu frio e se sentiu sozinha. Pegou seu casaco e se enrolou nele, colocando as mãos nos bolsos grandes.
Foi quando sentiu um papel dobrado e, pensando que era uma nota de dinheiro (a vida tentando lhe recompensar com ao menos uma surpresa agradável), tirou do bolso. Era um guardanapo, em que se lia:
"Espero que não me detone com seu superpoder, 'Laís' (você ainda não me falou seu nome de guerra). Quero que nossa amizade não acabe. Somos como peças de um quebra cabeça que juntos não se encaixam, mas precisamos um do outro para que o jogo fique completo - Gus"
Laís sorriu um sorriso discreto. Pensou em como seu amigo era cuidadoso com as palavras. Nunca tinha falado que ela estava bonita, nem que ela se parecia com uma princesa. Ela era uma super-heroína. Porque super-heróis têm passados complicados e, geralmente, não têm pais. Eles têm uma força descomunal para lidar com o que há dentro deles - suas fraquezas. Preferia se imaginar assim a parte da família real. Preferia imaginar que tinha superpoderes e não só super problemas. Tirou o casaco e guardou o bilhete. Ainda estava machucada e não sabia o que faria em relação à amizade dos dois.
Voltou voando para a pista de dança e ficou lá até que as luzes se acenderam novamente. Gustavo a esperava perto do Fiesta. Era um detalhe a qual não se atentara: como iria embora. Os dois se sentaram, constrangidos, o carro partiu.
E viveram.
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