Capítulo 51: Nada mais, nada menos

"Para minha amada Abel.

 Eu não consigo passar um único dia sem lembrar de você, sem lembrar da sua doçura, da sua gentileza.... mas nos veremos em breve. A batalha acabou, só estamos no aguardo da ordem para retornarmos, é um pouco demorado, você sabe... mas quando eu voltar, vou cantar aquela música que você adora, espere por mim. 

Com amor, você sabe quem..."

A noite havia caído, e como sempre, ela trouxe a atmosfera triste e sombria para o acampamento do Front Leste. Os soldados tentavam se proteger do frio ao redor de fogueiras ou se embriagando. Dormir era uma tarefa praticamente impossível, devido ao desconforto causado pela falta de dormitórios adequados. Alguns soldados com ainda menos sorte eram obrigados a ficar de vigia durante a noite, o que era quase uma tortura naquelas condições. Agora, um homem se apoiava sobre sua lança, enquanto tentava escrever uma carta para a esposa. A única coisa que o mantinha de pé era a esperança de vê-la de novo. Sorriu de leve para a carta enquanto terminava de escrever. Logo abaixo do texto, havia o desenho de uma mulher sorrindo, feito de maneira amadora, com traços tortos e borrões. Mas para aquele homem, aquilo representava a única luz na qual ele podia se segurar no momento, e como todas as pequenas luzes que representam a esperança de alguém irrelevante para o mundo, ela estava prestes a se apagar. O soldado desviou o olhar do papel, e viu um vulto vindo em sua direção. Uma sombra pequena, se esgueirando vagarosamente pela escuridão adiante. Como primeira reação, o homem amassou rapidamente o papel no bolso, guardando-o de maneira desajeitada conforme a coisa se aproximava, a seguir ele empunhou sua lança com as duas mãos e a apontou na direção da sombra.

-Identifique-se!

Alarmou o soldado, com a lança sibilando na direção da sombra que se aproximava devagar. Uma onda fria se expandia ao redor da figura negra adiante, como uma névoa invisível se expandindo gradualmente, e trazendo consigo o fim. O homem congelou, percebeu que havia começado a suar frio, um calafrio absurdamente desagradável percorreu sua espinha, como se inúmeras agulhas houvessem sido enterradas simultaneamente em seus ossos. Mais alguns passos, e poderia finalmente ver o que era aquela figura, aquela forma vindo em sua direção, que conseguia facilmente fazer um terror descomunal percorrer sua mente, faze-lo querer correr sem olhar para trás, sem parar, sem ousar ter esperanças uma vez mais. Finalmente conseguiu ver por completo o que era aquela coisa, o medo sumiu de repente, conforme ele abaixava a lança e arregalava os olhos na direção da sombra.
                                                               
                               \0/  

-Quem aquele desgraçado pensa que é pra me tratar daquele jeito? 

Falou Nito Vondriac enquanto batia com força um copo vazio em uma bancada de madeira.

-Mais!

Rugiu ele para um oficial segurando uma garrafa logo a sua frente.

-Aquele lixo... acha que só por que é um general pode falar assim comigo... comigo?

A ênfase na última palavra fez com que o rosto de Nito se retorcesse, fazendo o ficar com uma careta engraçada por conta da cólera.

-Desgraça!

Gritou ele, batendo contra a bancada com os dois braços enquanto o oficial enchia o copo com bebida mais uma vez, como consequência, um pouco da bebida colidiu contra a borda do recipiente e transbordou para fora. Nito se imobilizou com os dois braços apoiados sobre a mesa, a face completamente dura como uma máscara por conta da raiva. Foi quando a aba da tenda se moveu, deixando que uma sombra deslizasse para dentro da luz do interior do alojamento. 

-Senhor Nito, tem algo que precisamos que o senhor veja...

Fora da tenda, três soldados estavam ao redor de alguém, uma figura pequena. 

-Você está perdido? Onde estão seus pais?

Falou um dos soldados, segurando uma lança e se abaixando, tentando falar com uma criança.

-Idiota, ele nunca vai responder se você não falar com ele na língua daqui...

Constatou um outro soldado que encarava o colega tentando dialogar com a criança a esmo.

-É, mas eu não sei falar minandrense...

-O que está acontecendo aqui?

Disse Nito se aproximando. Os soldados se afastaram para que ele pudesse passar, assim, ele ficou de frente para com a criança. Era um garoto, deveria ter cerca de uns dez anos de idade. Seu olhar era vazio, a boca estava fechada numa linha, mas havia uma pequena indicação de sorriso... Nito o encarou por alguns segundos, fechando a cara e fazendo uma expressão de nojo logo a seguir.

-Vocês me chamaram pra isso?

-Senhor, ele é só uma criança, não podemos s-

-Cale a boca porra!

Gritou Nito antes mesmo do soldado terminar.

-Nós temos uma ordem. Não podemos deixar ninguém se aproximar. Ninguém, entenderam? Façam o trabalho direito. 

Rosnou por fim. Voltou os olhos para o garoto rapidamente, e agora, havia um sorriso nítido em seu rosto, de deboche. A expressão de raiva do homem então se aprofundou

-Do que está rindo seu merdinha?

Bradou ele enquanto dava um tapa na cara da criança, que caiu com o golpe, colocando a mão sobre o rosto logo em seguida. Nito bufou, ofegou e se virou.

-Deem um jeito nele.

-Mas Comandante, ele é só uma criança!

Argumentou o soldado mais uma vez, Nito então se virou, com o olhar furioso cravando-se no soldado.

-Você me ouviu! Faça o seu tra-

Antes que pudesse terminar, alguma coisa atravessou sua cabeça passando por dentro do olho direito. Uma ponta negra reluziu do outro lado da cabeça de Nito, mas ela sumiu brevemente, retraindo-se de volta e deixando apenas o buraco vazio na cabeça do homem, que caiu como um saco de batatas que tivesse sido colocado de pé inutilmente. Os soldados encararam a cena com um terror indescritível no rosto, todos pálidos e espantados. 

-Ah, esses adultos... sempre tão inflexíveis. Eles tem que entender uma coisa... nós não gostamos de ser tratados mal.

Disse o garoto sorrindo enquanto se levantava e limpava a poeira das roupas desproporcionalmente grandes. Os soldados olharam em sua direção, pasmos e brancos, como se tivessem visto um fantasma ser assassinado. 

-Você... o que você fe-

O soldado com a lança ia falar alguma coisa, mas antes que pudesse terminar algo arrancou sua cabeça do pescoço, fazendo com que o corpo ficasse de joelhos e a cabeça decepada rolasse pela grama com os olhos brancos. Os outros soldados fizeram menção de correr, mas antes mesmo de se moverem, foram partidos no meio. Algo se movia pelas sombras. 

-Parece que hoje vamos ter um banquete. 

Sussurrou o garoto com um sorriso e um farfalhar de correntes.

*********************************

A manhã havia chegado, e o grupo agora se encontrava a poucos metros de Ardium. Fizeram uma pausa entre a planície e a cidade. Garantiram que não estavam mais sendo seguidos, mas aparentemente os generais haviam desistido da ideia de capturar Hylia. Todos pareciam completamente exauridos, tanto mentalmente quanto fisicamente. As expressões estavam ainda mais murchas do que quando começaram a viagem. Holsung segurava o braço amaldiçoado com força, tentando conter o sangramento no ombro e aguentar a dor. Tolfret estava jogado em cima de um dos cavalos, desacordado e ferido. Já Hylia e Lauren estavam sentadas juntas, Hylia tinha uma expressão sem vida no rosto, mais do que os outros, Lauren a estava encarando deprimida e falando algo que só ela conseguia ouvir, como se tentasse acalma-la. 

-O que vamos fazer com ele?

Disse Kiere enquanto jogava o soldado que usou como refém na lama. O homem caiu com um grunhido e ficou tremendo enquanto encarava os olhos afiados de Kiere. Havia um corte raso no pescoço do soldado, causado pelo atrito da adaga e a pele. Ele choramingou algo em rikiatiano, Zelgle o encarou inexpressivo enquanto puxava uma seta cravada em seu corpo remanescente da batalha, fazendo com que sangue jorrasse assim que ela saiu. Kiere chutou o soldado na lateral do corpo, como um aviso para ficar quieto. 

-Acabe com ele, não tem mais utilidade.

Falou Zelgle e deu de ombros logo em seguida. O homem ficou confuso, já que não entendeu o que o gigante falou. Kiere levantou a adaga na direção do soldado mas antes de realizar a ação, uma mão segurou seu braço.

-Não tem motivos para você fazer isso! Já estamos seguros!

Falou Hylia, com uma expressão de completo desespero cobrindo o rosto. Kiere olhou na direção dela e voltou para o soldado mais uma vez, com um pouco mais de pena no olhar.

-Não precisamos de motivos. Nunca é preciso.

Falou Zelgle enquanto descia o machado na direção do homem. Um barulho desagradável de ossos sendo esmagados soou, Lauren desviou o olhar, e Hylia continuou encarando enquanto Zelgle retraia o machado do cadáver arruinado. A princesa se ajoelhou, com um embrulho subindo o estomago. Ela se apoiou em Kiere e a meio humana jogou os olhos penosos na direção dela. 

-Você... você é um monstro...

Sussurrou ela, e então se levantou e foi na direção de Zelgle. 

-Eu pensei que estivesse enganada sobre você, mas no fim, você é só mais assassino ensandecido! Vocês todos são!

Trovejou Hylia, e todos olharam para ela com as expressões sem vida.

-Sim, todos nós. E você está inclusa nisso. 

Falou Zelgle ficando de frente para ela. Hylia ficou horrorizada ao ouvir aquilo.

-Nós matamos por você, sem saber se você sequer é quem diz que é. Agora, querida princesa, eu quero respostas, não suas reclamações inúteis. Até porque eu já aguentei demais delas. Antes você me disse que eu poderia ser útil, agora, você diz que sou um monstro... me diga, como espera parar a guerra se você sequer tem determinação para fazer o que tem que ser feito?

Disse o gigante com os olhos púrpuros cravados no rosto de Hylia, que não respondeu, apenas o encarou sem reação e com o rosto dominado pelo desespero.

—Minha paciência acabou. Quando chegarmos em Ardium, você irá me dizer tudo o que eu quero saber, nada mais, nada menos.

Falou Zelgle por fim, fazendo com que Hylia se sentisse ainda mais pressionada. Em seguida, o gigante se virou e foi em direção as muralhas ao longe, sem se importar com o cansaço do restante do grupo. Mais alguns minutos de caminhada e eles finalmente se aproximavam da cidade, todos com os olhares voltados ao chão. Ao chegarem no portão, Zelgle parou à sua frente. Imaginou que deveria se sentir recompensado por finalmente ter chegado, mas como sempre, não sentiu nada. Deixou as trivialidades de lado e olhou em direção ao interior do portão, não haviam guardas para cobrar a taxa de entrada. Não pensou duas vezes e andou adiante, sendo seguido pelo grupo com as caras fechadas e os dois cavalos. Deu o primeiro passo para dentro da cidade, e não viu nada que parecesse diferente de todas as cidades em que havia estado antes, a atmosfera sombria e pesada permanecia, com pouquíssimas pessoas caminhando entre as ruas apinhadas de lixo e outros tipos de imundice. Olhou ao redor, tentando ver qualquer sinal da cidade que um dia deveria ter sido lar da maior parte da força militar de Minandre, mas se isso ocorreu algum dia, deveria estar em um passado infinitamente distante daquele momento, ponderou Zelgle.

-E então, pode finalmente nos dizer o que viemos fazer aqui?

Rosnou Hylia, parando ao lado de Zelgle. O gigante olhou de esguelha em sua direção, pensou em mais uma vez tentar convence-la a dizer a parte dela primeiro, mas podia perceber que ela estava mais que frustrada no momento, e que não seria necessário importuna-la mais para receber as respostas. Deixou os olhos voltarem para a cidade ao redor.

-O vilarejo onde eu vivia fica um pouco mais adiante. Podemos descansar aqui durante um ou dois dias, até seu amigo melhorar. Enquanto isso, você vai me dizer o que é o cristal e todo o resto. 

Disse o gigante enquanto marchava em frente. Hylia encarou suas costas por um momento, com meia raiva e meia tristeza, mas não podia fazer nada quanto à isso, já estava mergulhada dos pés a cabeça naquela situação. Foram em direção à uma parte mais movimenta da cidade, que de mais movimentada não tinha nada, exceto pelo abundante movimento das moscas, que com toda certeza era o único ser com esperanças de prosperar naquele lugar. Hylia encarava todas as pessoas da rua com um desprezo sem limites no rosto, parecia que estava vendo vários cagalhões aglomerados em um só lugar.

-O que foi, princesa? Não me diga que não gosta de mendigos...

Zombou Holsung se aproximando enquanto segurava o ombro com força. Percebera que o sujeito tremia feito um cão após sair de um rio congelado. Hylia o encarou pasma, com um nojo considerável sendo esboçado no rosto.

-Pensei que a principal cidade de Minandre teria algo mais a oferecer...

Falou ela fitando mais uma vez as pessoas esparramadas entre as poças de lixo e as calçadas. As casas com janelas e portas abertas, vazias e sem qualquer vestígio da menor higiene.

-E tem. Ou tinha, pelo menos da última vez que estive aqui o lugar era melhor.

Murmurou Zelgle se intrometendo na conversa, sem sequer se virar para encarar os dois.

-E quando foi a última vez que esteve aqui?

-Dois meses, acho.

-E o que mudou desde então?

-Lembro que houve um ataque quando eu ainda estava...

Zelgle parou por um momento, procurando a palavra certa, mas seria complicado demais explicar para eles o que ele era naquele momento.

-Aqui. Desde então, não faço ideia de como a cidade vem se saindo.

-Se houve um ataque aqui, como exatamente você saiu?

Perguntou Lauren confusa, ela sequer parecia estar prestando atenção na conversa antes, mesmo assim fez a pergunta mais incomoda possível. Zelgle se virou e a fitou nos olhos, pensando em como responder sem ter a mesma reação de quando contou seu "segredo" para Kiere.

-Vocês terão suas respostas assim que eu tiver as minhas. Paciência até lá. 

Respondeu o gigante, e se virou. Lauren já esperava qualquer coisa à partir da indiferença do sujeito, mas Hylia não parecia ter se adaptado, e dava leves sinais de sua fúria com aquele tipo de atitude, mas com certeza menos que antes. No fim, o grupo procurou por um lugar para se hospedar, o que foi razoavelmente difícil já que a maioria dos lugares não atendia as expectativas minímas de Hylia. Após quase uma hora de busca, o grupo finalmente conseguiu achar um hotel decente. Alugaram dois quartos separados, e era quase aceitável pensar que um dos quartos era única e exclusivamente para Hylia, que nem tentou disfarçar o descontentamento em dividir o quarto com Kiere, além de Lauren. A meio humana não havia falado uma palavra desde antes, apenas olhava de esguelha para Tolfret, sempre com a testa franzida, em um sinal de preocupação que ela odiaria que fosse percebido.

-Ele vai ficar bem.

Falou Lauren, vendo Kiere encarando Tolfret deitado na cama enquanto a irmã cuidava do ferimento no peito do cavaleiro, sentada em uma cadeira. 

-Eu não...

-Vamos, vamos... não precisa negar que está preocupada. Não vou rir de você.

Kiere engoliu seco com tamanha perspicácia, mas havia percebido no pouco tempo em que conviveu com Lauren que a garota quase podia ler mentes.

-Eu até gosto que você se preocupe com ele...

Falou a ruiva enquanto se levantava e passava por Kiere devagar.

-Aposto que ele também.

Sussurrou ela enquanto saia pela porta. A última frase em questão, foi mais que o suficiente para fazer Kiere ruborizar da cabeça aos pés. Olhou para Tolfret deitado sobre a cama desacordado e imediatamente se lembrou dele saltando para protegê-la. Seus lábios se repuxaram com a lembrança.

-Idiota...

Após alguns segundos observando Tolfret, Kiere saiu do quarto e foi em direção onde o restante do grupo estava. Entrou no outro quarto que haviam alugado. Hylia estava sentada sobre uma cama junto à Lauren, Holsung estava sentado em uma cadeira e Zelgle encarava o lado de fora pela janela.

-Acho que já passou da hora de você nos contar o que está acontecendo.

Disse Zelgle enquanto se virava para encarar Hylia. Ambos fixaram o olhar um no outro, como se mirassem flechas a serem acertadas em um ponto especifico. Kiere odiava admitir interesse em alguma coisa que não fosse brilhante ou valiosa, mas não podia mentir para si mesma sobre realmente querer saber o que era tudo aquilo que estava acontecendo naqueles últimos dias desde o torneio. 

-Afinal, o que é essa coisa?

Perguntou Zelgle enquanto tirava o cristal do bolso, fazendo com que os olhos de Hylia ficassem arregalados com a visão. Todo o restante do grupo encarou objeto brilhante nas mãos de Zelgle como se fosse um tesouro de valor imensurável. A princesa franziu a testa na direção de Zelgle, vendo que não teria mais escapatória, teria que revelar tudo para aquele sujeito que vinha desprezando com bastante intensidade durante o pouco tempo que estiveram juntos. Não conseguia pensar em algo que gostaria de fazer menos do que aquilo, mas a vida é feita de coisas que preferiríamos não fazer. Esse era o pequeno preço a se pagar para alcançar seu objetivo, e ela mesma havia dito antes, custe o que custar.

-Muita bem... acho que não tem como ficar pior que isso mesmo.

Ela respirou fundo e soltou o ar em seguida com um intervalo de tempo exageradamente desnecessário entre as ações, num ato dramático que poderia tirar Zelgle do sério, se ele tivesse um estado como esse.

-Como eu disse antes, eu sou a princesa de Rikiat, e enquanto vivia lá, eu fundei uma ordem. Era chamada de Ordem dos Cavaleiros Encantadores...

Kiere não conseguiu se segurar ao ouvir aquilo e riu de maneira exagerada, o que irritou profundamente Hylia, e isso se tornava perceptível pelo fato da princesa estar franzindo a testa ainda mais do que o habitual. Até mesmo Holsung que parecia mais sério desde que fora ferido se permitiu dar um risinho por de baixo da máscara. 

-Que porra de nome horrível é esse?

Zombou a meio humana, ainda rindo. Hylia comprimiu os lábios e fechou os olhos.

-Será que você poderia mandar sua cachorrinha ficar quieta?

Rosnou Hylia na direção de Zelgle, e mesmo com a ofensa Kiere não parou de rir.

-Apenas continue.

Respondeu Zelgle indiferente. 

-Ivan fazia parte dessa ordem, assim como vários outros usuários de magia e combatentes talentosos, estávamos predestinados a ser uma das forças mais poderosas do mundo.

-E isso obviamente não aconteceu... então o que deu errado?

Interrompeu Holsung, sem tirar os olhos do teto enquanto falava.

-Fomos traídos por Ivan. Aquele desgraçado... o cristal que está em suas mãos foi roubado por ele. 

Ao ouvir isso, Zelgle encarou o cristal com seu olhar vazio e o intenso brilho azulado do objeto refletiu-se em seus olhos púrpuros.

-Roubado? De quem?

Hylia revirou os olhos por conta da pressa de Zelgle.

-Nós já vamos chegar lá... antes de tudo, esse cristal é chamado de "O Coração da Tormenta".

-É um nome bem pomposo para uma pedra.

Falou Kiere com um claro deboche no rosto.

-É a pedra mais poderosa que você vai ver na sua vida. 

Repreendeu Hylia encarando Kiere e voltando os olhos para o cristal na mão de Zelgle mais uma vez.

-Como você viu com seus próprios olhos, essa coisa tem poderes inimagináveis, desde absorver magia à criar tempestades que podem destruir cidades inteiras.

Kiere ponderou sobre como uma simples pedra poderia causar tanto estrago, mas deixou os pensamentos se esvaírem vendo que não chegaria a uma conclusão, já Zelgle não desacreditava de que algo assim fosse possível. Ele viu e fez coisas que nunca imaginou serem possíveis, fora curado dos ferimentos mais horríveis e matou coisas que nunca imaginou existirem, para ele, a realidade era nada mais do que um conto de fadas agora. 

-Essa pedra tem origem do Norte e nossa missão é simplesmente devolve-la para o dono original, e em troca, conseguir sua ajuda para parar a guerra.

-E quem seria o dono?

Perguntou Zelgle, sem qualquer expressão de surpresa ou curiosidade. Hylia arregalou os olhos mais uma vez, mas antes que pudesse responder, Kiere indagou:

-Mas mesmo que você consiga ajuda do Norte, eu ouvi dizer que a força militar deles não é tão grande assim se comparada com Minandre ou Rikiat, o que exatamente eles poderiam fazer para ajudar a parar uma guerra dessa magnitude?

-Não estamos atrás de poder militar... e sim de uma única pessoa. O dono do cristal.

-E quem seria o dono?

Indagou Zelgle pela segunda vez, da mesma maneira e com a mesma entonação na voz.  

-Isildria...

Sussurrou Hylia devagar, como se só a citação desse nome pudesse lançar uma maldição em todos presentes no quarto. Ela estremeceu e depois ficou imóvel por uns segundos, encarando o nada com o olhar vazio.

-O que uma única pessoa poderia fazer contra dois exércitos?

Kiere parecia tão confusa quanto uma criança em um prostíbulo, mas aquilo deveria ser normal para alguém que teve uma vida tão simples quanto a dela.

-Ela não é uma pessoa comum... não, ela sequer é uma pessoa. Ela é a rainha do Norte, um dos Seres Ancestrais, um daqueles que movem o mundo... A caminhante de gelo...

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