Capítulo 42: Pequenas surpresas
-Você é...
Tolfret soltou a parte da roupa de Kiere em que ele estava segurando, rapidamente a garota se distanciou e o encarou nos olhos com um imenso receio.
-Uma meio humana? É, eu sou. O que que tem?
O cavaleiro encarou a garota por um tempo, atordoado com a descoberta completamente inesperada. Kiere rapidamente colocou o capuz na cabeça novamente.
-Eu... eu não sei... não sei o que pensar... isso é, bem, surpreendente?
-Pare de falar merda. Sei muito bem o que está pensando. É nojento, não é? Não é assim que você enxerga?
-Na verdade... não... eu só achei... estranho?
Tolfret ainda parecia completamente surpreso com a situação. Estava sem qualquer compostura diante da garota. Fitou as orelhas no topo da cabeça, eram idênticas a de qualquer felino. Fora isso, o cabelo curto que mal chegava na altura dos ombros tinha uma tonalidade rosa clara, completamente diferente de tudo que o cavaleiro já havia contemplado em vida. Por último, encarando a garota ligeiramente mais baixa, seus olhares se cruzaram, os brilhantes olhos azulados de Kiere reluziram dentro dos de Tolfret.
-Você vai contar?
-Como?
-Vai contar para alguém o que viu?
-Ah, não, não vou...
-Ótimo, você pode me desprezar o quanto quiser de longe. Como todos fazem.
Kiere então passou ao lado de Tolfret totalmente indiferente, mas foi surpreendida quando ele agarrou sua mão antes dela passar.
-O que foi, porra?
Rosnou ela ao se virar para encarar o cavaleiro.
-Eu só... quero dizer que... não é tão feio como você imagina, quero dizer... não é nada feio... como se fala mesmo?
Tolfret então passou a mão livre na nuca como se estivesse buscando a palavra correta.
-É bonito na verdade. Você é... bonita. Era isso.
Kiere simplesmente mostrou todos os dentes como um animal ameaçando uma possível ameaça, e então, ela puxou sua mão para se desvencilhar de Tolfret.
-Foda-se o que você acha...
Disse ela ao se virar e ir em direção a porta. O cavaleiro permaneceu no quarto com o braço estendido para o nada.
-Tá bom... seja escrota o quanto quiser então.
Kiere saiu do quarto e rapidamente se encostou na parede ao lado da porta. Sua respiração rapidamente acelerou. Ela encarou suas mãos, elas tremiam. Não sabia o que havia acontecido, só percebeu que o coração estava batendo muito mais rápido que o normal.
-Desgraça...
*********************************
-Posso saber aonde você está me levando?
-Você não confia em mim, por acaso?
-Bom, fora a parte de que foi você que me causou essa desgraça, acho que sim, confio sim.
-Se for por isso, acho que eu deveria citar os inúmeros ferimentos que você me causou durante o torneio...
-Ah vamos, aquilo foi durante o torneio, e você já está cem porcento de novo! Essa coisa está destruindo meu braço até agora.
Zelgle se virou para Holsung, que vinha logo atrás. Embora a aparência do sujeito fosse extremamente sinistra e ameaçadora, sua personalidade era uma coisa bem menos... afiada.
-Posso perguntar uma coisa?
-Manda ver...
-Foi você quem matou aqueles caras no outro dia... digo, os corpos despedaçados no meio da praça.
-Ah, aquilo, é, aquilo...
Holsung pensou por um momento antes de soltar tais palavras, como se ele estivesse buscando a memória correta entre milhares de outras parecidas.
-Sim, fui eu. Eu cortei aqueles idiotas da maneira mais desproporcional que eu pude. Ficou uma ótima exposição, não é?
"Mas que diabos?"
Holsung então soltou uma gargalhada que percorreu todos os becos e cantos escuros nas proximidades.
-Se te faz sentir melhor, eles eram um bando de covardes. Bandidos, prováveis estupradores e assassinos também. O mundo está melhor sem eles.
"Aquela mulher me disse algo parecido..."
-Não imaginei que você fosse um justiceiro.
-Rá! Você realmente tem umas boas piadas ai. Não sou nada do que está pensado, Zugli. Eu sou apenas um merda.
O gigante então se virou para encarar
o mascarado mais uma vez. Olhou nos olhos do homem por um momento.
-É Zelgle.
-Claro, claro... vou me lembrar da próxima vez.
Apesar da situação horrível, por algum motivo aquele homem continuava sorrindo por baixo daquela máscara, sem nem tentar entender o porque, Zelgle se virou e continuou andando.
-Chegamos.
Disse Zelgle ao finalmente alcançarem seu destino após mais cinco minutos de caminhada em silêncio.
-Mas aqui é...
Holsung observou a entrada do lugar, não imaginava que de todos os lugares, o gigante estaria o levando justamente para lá.
-O que viemos fazer aqui?
Indagou o mascarado ao gigante.
-Viemos para a enfermaria. Acho que lá terá uma possível solução.
-Você não ouviu o que eu disse antes? Nenhum médico soube me dizer o que é isso!
-A pessoa que estamos procurando não é um médico. Ela provávelmente vai estar se recuperando aqui.
E então Zelgle avançou diante a entrada do coliseu em que o torneio ocorreu. Esteve ali fazia menos de uma hora, e toda a caminhada que fez foi apenas para dar a volta e parar ali de novo. Bom, pelo menos agora ele teria mais uma chance de desvendar o mistério por trás "daquilo".
*********************************
Kiere desceu as escadas do hotel sem olhar para trás, a cada degrau, seu coração desacelerava um pouco. Foi difícil se acalmar depois do acontecimento de antes. Normalmente, ela mantinha sua aparência oculta o máximo que podia, apenas em ocasiões impossíveis de escapar, ela tirava o maldito capuz. Coisas como o teste para a guilda dos aventureiros.
"Por que eu fiz aquilo mesmo?"
Se indagou enquanto passava pela porta do prédio. Tolfret vinha logo atrás, mais emburrado que nunca.
"Se eu não tivesse me metido com o Zelgle, eu nunca teria passado por toda aquela coisa... mas ele também me salvou antes, duas vezes..."
Ela então olhou para o céu. Estava quente como o inferno. Mas ainda assim ela era obrigada a usar aquela roupa maldita.
"Me sinto como se tivesse me deixado ser levada pela maré, e acabei parando numa praia sem qualquer ideia de onde eu estou... mas essa não foi minha vida até agora? O que eu deveria mudar? "
Sem perceber, ela adentrou uma pequena praça no meio da cidade. Tudo ali estava vazio. Conseguia ver os prédios ao longe, mas maioria da sua visão estava sendo coberta por árvores. Sentou-se em um banco que cruzou seu caminho. Respirou fundo ao sentar-se, havia tripudiado Tolfret antes, mas a verdade é que o calor também a incomodava. O cavaleito então se aproximou e sentou-se no banco junto a ela. A meio humana virou o olhar em sua direção e torceu o nariz com desprezo, como se alguém tivesse lançado um balde de merda naquela direção.
-Eu não lembro de ter dito para você ficar me seguindo.
Sibilou ela entre os dentes num tom raivoso.
-E quer que eu faça o que enquanto espero o seu amigo? A melhor chance de encontrá-lo é ficar com você.
Enquanto dizia isso, Tolfret buscava algo no cinto que usava, vasculhando uma pequena bolsa pendurada.
-Ah, você é um saco...
-Ache o que quiser de mim, não me importo.
Então ele tirou uma pequena caixa de madeira da bolsa no cinto, junto a isso, um objeto que Kiere conhecia.
"Um isqueiro?"
Devagar, Tolfret abriu a minúscula caixa de madeira e olhou para dentro dela com uma tristeza gigante no olhar. Após relutar por um momento, ele pegou algo de dentro da caixa. Era algo de formato cilíndrico. Kiere observou a cena desconfiada, até o cavaleiro colocar fogo na ponta do que quer que fosse. Após isso, ele colocou a outra ponta na boca e sugou de maneira que o fogo quase se apagou.
-Ah... eu estava sentindo falta disso.
Disse enquanto soprava a fumaça para longe.
-Mas que merda você tá fazendo?
-Fumando, não tá vendo?
-O quê?
-Vai me dizer que isso não existe aqui também?
Kiere não respondeu, apenas continuou encarando o cavaleiro totalmente confusa, como se ele estivesse falando em outra língua.
-Olha, isso se chama cigarro. É um ótimo jeito de se acalmar.
Tolfret então tirou outro cigarro da caixa e o entregou para a meio humana. Ela segurou o objeto com um receio tão grande que parecia que ele ia explodir a qualquer momento. O cavaleiro então se esticou com braço esquerdo estendido na direção de Kiere, o isqueiro estava em sua mão.
-Deixa que eu acendo.
Kiere observou a ação como uma criança vendo a mãe cozinhar.
-Pronto. É só por na boca e ir-
Antes que o cavaleiro pudesse terminar, Kiere colocou o objeto na boca. Quase que instantaneamente, ela cuspiu uma cortina de fumaça enorme e começou a tossir repetidas vezes.
-Mas que merda é essa coisa?
Balbuciou ela enquanto largava o cigarro e colocava a mão na boca.
-Não! Esse era o último!
Gritou Tolfret de desespero ao assistir aquela preciosidade cair no chão.
-Que desperdício!
-Como você pode gostar dessa coisa? É a mesma coisa que engolir um punhado de cinzas!
-Pft... vocês Minandrenses são mesmo atrasados, de onde eu venho isso é totalmente normal.
-De onde você vem? Pera ai, isso quer dizer que você não é daqui?
-O que? Ah, bem isso é... olha, vamos apenas esperar seu amigo e levá-lo até Hylia.
-Hylia? Quem é essa?
-Kortia, eu quis dizer Kortia!
-Você está escondendo algo!
-Disse a garota que escondeu ser uma meio humana até agora!
-Por que não fala mais alto, idiota? Acho que não deu pra ouvir do outro lado da cidade!
Os dois olharam um para o outro completamente estarrecidos.
-Realmente eu não sou daqui. Sou de Rikiat. Mas não posso e não estou disposto a falar mais do que isso.
-Não que eu estivesse interessada.
-Que bom pra você.
Tolfret deu mais uma tragada no cigarro, soltando o jato de fumaça logo em seguida enquanto olhava para o céu.
-Mas o que vocês fazem aqui, afinal?
-Pensei que não estivesse interessada...
-E não estou. Não responda se não quiser.
Tolfret olhou para a meio humana de esguelha.
-Nada de mais... estamos a procura de um homem chamado Ivan, só isso.
No momento que esse nome foi citado uma série de lembranças dos acontecimentos recentes inundaram a cabeça de Kiere.
"Ivan não era o nome daquele cara? Ele também falava que Minandre era um país atrasado, e usava uma técnica muito parecida com aquela mulher loira. Será que..."
-Ivan... Doust?
A citação de Kiere fez com que Tolfret acabasse engulindo a fumaça do cigarro ao invés de expelir.
-Você conhece ele?
Perguntou o cavaleiro sem sequer esconder a surpresa.
-Nós matamos ele.
Tolfret não respondeu, mas Kiere sabia perfeitamente o que ele estava pensando quando deixou o cigarro cair no chão.
*********************************
-Nem pense em deixar algum resto no prato. Você tem que comer tudo, nem que seja a força.
"Essa maldita... ela não deveria ser minha serva?"
Hylia ainda estava se recuperando no mesmo quarto de antes. Lauren havia conseguido alguma comida, mas a princesa não parecia muito satisfeita com a refeição.
-Isso nem parece comida...
Enquanto Hylia se lamentava por conta da péssima refeição, Lauren estava costurando as roupas de Hylia, o que podia ser costurado, já que a maioria da roupa havia se transformado em trapos na última luta.
-Você tem que aprender a ser mais simples Hylia, nem sempre temos o que precisamos a mão. Por isso, temos que trabalhar com o que temo-
Antes de Lauren poder terminar de falar, a porta do pequeno quarto se abriu de repente. Esperando que fosse Tolfret, ela virou o pescoço devagar, até que percebeu que algo estava faltando.
"Onde está o som de metal?"
Se perguntou ao lembrar que Tolfret usava uma armadura pesada. Se virou para trás em desespero, e ao perceber que não era seu irmão, a ruiva saltou em direção a parede onde seu arco estava encostado, segurou a arma com força. Puxou a corda com uma flecha que conseguiu pegar da aljava quando caiu.
-Nem mais um passo!
Rosnou para os invasores, que pararam assim que viram ela mirando em sua direção.
-Será que poderíamos... conversar?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top