Capítulo 37: Um oponente digno

Kiere se reencontrou com a ruiva de antes, perguntou o nome da garota, era Lauren. Começou a considerá-la como sua nova amiga, mesmo não sabendo o quanto duraria. Parando para pensar, devia ser a primeira amizade que fazia de verdade. Não sabia se podia contar Zelgle como um amigo, já que não conseguia conversar com ele como faria com qualquer outra pessoa. Era estranho, mas bom, presumiu ela. O que a intrigava nesse momento era o cavaleiro sentado ao lado da ruiva. Ele tinha lutado na competição, e parecia extremamente carrancudo desde então, respondia a irmã com xingamentos e ofensas, ela fazia o mesmo, mas parecia menos "ofensivo."

—É a vez do seu amiguinho ser picotado por aquele lunático. Você deveria ter dito pra ela desistir dessa luta.

—Não precisa se preocupar com ele. Ele é bem fortinho. Só que ele lida com as coisas de uma maneira...

A garota parou por um momento, procurando uma palavra para descrever o modo imprudente que Zelgle lutava.

—Diferente.

—É, eu vi como ele apanhou de uma maneira bem diferente na fase eliminatória.

—Ha! É engraçado ouvir isso de você...

—Por que? Por que eu perdi? Se é isso, vamos ver quanto tempo ele vai durar contra esse maluco.

—Ele vai ganhar. Eu sei disso.

Tolfret revirou os olhos como se tivesse ouvido uma idiotice sem tamanho. Pareceu extamente isso, na verdade.

—Vamos assistir em vez de discutir, certo?

Disse Lauren sorrindo, na tentativa de apaziguar as coisas. A meio humana olhou para a arena. Zelgle estava parado encarando o adversário. Por um momento, Kiere pensou no que disse, realmente foi algo muito idiota. Mesmo que Zelgle tivesse feito coisas realmente incríveis e assustadoras antes, aquele assassino era algo além, algo mais perigoso.

Holsung subiu as escadas devagar, com uma calma invejável. Se posicionou logo a frente de Zelgle. Levou em torno de cinco segundos para o apresentador dar início a luta, e logo que ela começou, ambos ficaram parados sem fazer nada.

—O que está esperando? Está com medo?

Provocou Holsung, na esperança de desestabilizar Zelgle. Inútil. Tudo que obteve como resposta foi o olhar indiferente do gigante. Esperou por algum tempo, vendo se o oponente faria algo, mas vendo que a paciência do gigante não tinha limites, e que a platéia já estava gritando para começarem logo, "ele" avançou com tudo para cima de Zelgle. Correu em disparada, numa velocidade enorme. Ficou a menos de dois metros do gigante, e então deu um salto, a reação foi justamente a que ele preveu.

Ao ver o adversário se aproximar, Zelgle fez um meio arco com a espada gigante. Holsung passou por cima da lâmina com o salto, caiu por trás de Zelgle, e com um movimento agiu com os pulsos, as lâminas de suas garras se mostraram. Pulou para cima de Zelgle. Já estava acabado. O gigante era lento demais para se esquivar. Cravou a garra direita nas costas de Zelgle. Teve certeza de acertar o fígado, mas o desgraçado não caiu. Quando Holsung se deu conta, a espada gigante estava perto de partir sua cabeça no meio. Deu um salto para trás de imediato.

"Ele move essa porra como se fosse uma faca!"

—Vamos ver quem é mais rápido então, seu porra!

Holsung disparou na direção de Zelgle, deslizou pela arena quando se aproximou, escapou de um golpe vertical da espada gigante, e cortou a barriga de Zelgle. Um jorro de sangue negro emergiu do corte triplo na lateral do corpo do gigante. Zelgle se virou sem entender, e acabou recebendo mais um ferimento no peito. A roupa de Zelgle já havia se tornado o desastre de sempre.

A sequência de ataques cortantes continou. Zelgle rodava como um cão atrás do próprio rabo, à busca do oponente, que saltava, deslizava e girava rápido demais para o gigante acompanhar. Quando dois minutos de luta haviam se passado, Zelgle parecia estar virado do avesso. Sangue escorria pelo, rosto, pelos braços, pela barriga, por tudo, porém, ele não parecia estar enfraquecendo.

Holsung estava rodando em volta de Zelgle, atacando os flancos, mas o gigante sempre tentava revidar. A espada passava a centímetros do mascarado, mas "ele" podia sentir, a cada golpe, essa distância se encurtava um pouco.

"Como é possível? Esse desgraçado parece um porco tirado do açougue! Mas que desgraça!"

O assassino começou a ficar impaciente, não conseguia entender o motivo daquilo. Para ele, a lógica de uma luta sempre foi: tire o sangue deles para fora, mantenha o seu dentro. Muito simples. Mas por que? Por que aquele desgraçado não caia? Não havia tirado sangue o bastante ainda?

—Ele mal consegue ficar de pé. É patético.

Disse Tolfret assistindo a luta. Todos nas arquibancadas pareciam com certa pena de Zelgle. Incontáveis ferimentos marcavam seu corpo. Cada passo que ele dava formava uma nova possa de sangue na arena. Kiere finalmente estava ficando nervosa. Pelo visto, ele não pretendia usar aquelas chamas. Hylia estava assistindo a luta do portão que dava acesso a arena. Estava quase batendo a cabeça contra parede para esquecer que estava vendo aquele idiota usando a espada daquele jeito. Era ridículo. Não só pela esgrima medíocre de Zelgle, nenhuma de suas habilidades era o suficiente para se comparar aquele inimigo. Ele era lento, não lutava bem e não sabia usar a própria arma.

Zelgle quase caiu quando um dos joelhos travou. A articulação parecia não estar funcionando muito bem. Provavelmente porque um pedaço dela estava faltando. O gigante parou por um momento, coberto do próprio sangue. Em cima de uma possa vermelha, sem saber onde Holsung estava. Olhou para frente e viu mascarado parado. Suas armas estavam cobertas com sangue e pedaços do corpo de Zelgle.

—Que porcaria... eu pensei que você tinha algo de especial, mas parece que você tem é muita sorte.

—Sorte, é? Mas que porra é sorte? É algum tipo de droga?

Holsung riu da ousadia do adversário.

—Grande e burro, adoro isso!

O assassino correu em direção a Zelgle enlouquecido, o sorriso enorme podia ser visto através da máscara. Zelgle tirou a ponta da espada do chão, cujo ele estava usando como apoio, ergueu a arma e ameaçou um ataque de frente, como antes, mas quando o mascarado se aproximou, Zelgle girou, fez um círculo completo, deslizando a lâmina pesada no chão durante o movimento, faíscas decolaram do chão. Holsung se esquivou para o lado, mas sentiu a força do movimento quando a arma passou a poucos centímetros de seu corpo. Olhou para frente, e só então percebeu que tudo havia sido encenação.

Ergueu o braço direito a tempo de defender um soco de Zelgle, executado com a mão esquerda enquanto Holsung estava distraído com a espada gigante. Foi possível ouvir os ossos do mascarado se partindo com a pancada brutal. Ele foi jogado para longe. Rolou no chão e bateu a cabeça algumas vezes, até que conseguiu prender uma das garras no chão e parar o movimento a força. Teria caído da arena do contrário.

—Argh...

Finalmente conseguiu parar, respirou por um momento. O braço esquerdo despencou. Estava quebrado. O assassino sorriu, um sorriso maior, um sorriso de satisfação. Apesar do braço e de algumas das costelas estarem quebradas, "ele" estava extremamente feliz.

—Sim, sim, sim! É assim que tem que ser!

Gargalhou. Finalmente encontrou o que procurava.

—Você é quem eu estava buscando.

Zelgle o encarou sem entender. Sangue escorria de sua testa, cobrindo
um dos olhos. Estava ficando difícil enxergar. Era por conta da perca de sangue? Aquilo sempre pareceu bem pra ele até então.

Holsung realocou o braço quebrado, o estalar desagradável correu pela arena quando o fez. A platéia se calou perante a risada descontralada de Holsung.

—Já que você não morreu ainda, faça o favor de aguentar agora. Vou te mostrar algo interessante.

O mascarado respirou fundo, abriu os olhos devagar. De repente, um espasmo de dor correu em sua coluna. "Ele" se contorceu, olhou para cima. Zelgle não entendeu o que o homem quis dizer quando disse "interessante", mas vendo aquilo, com certeza não seria algo bom. Não pra sí mesmo.

Holsung voltou ao normal. Ou quase. Olhando com mais atenção, Zelgle percebeu linhas correndo no corpo do oponente.

—Mas que porra é essa?

Era como se o sangue estivesse fervendo nas veias de Holsung.

—Aaah, quanto tempo faz? Deixe me ver... não..  não foi daquela vez, nem aquela... Rá! Como se isso importasse agora.

Ele olhou para Zelgle, como se estivesse dando a sentença de morte. Foi quando o gigante percebeu que "ele" já estava à sua frente. Jogou a espada por cima do ombro, tentando acertar-lo, mas Holsung já não estava lá. Estava mais rápido. Com certeza. De repente, um ferimento muito maior que os outros foi aberto no ombro direito de Zelgle, um tão grande que fez os outros parecerem superficiais.

—Vamos! Vamos! Por que não contra ataca agora?

Zelgle estava totalmente perdido. A cada passo que o mascarado dava, ele sentia uma pontada de dor e um ferimento novo e enorme surgia em seu corpo. Eram tantos cortes que ele não sabia se ainda tinha sangue para sangrar. Não sabia nem como ainda estava se movendo. O gigante girava, tentando encontrar o assassino, mas o mesmo era como um ciclone em volta dele. Rápido demais. Forte demais. Insano demais.

Tudo que Zelgle podia fazer era balançar a arma pesada e ver se por sorte, acertava o inimigo. O que não aconteceria, já que o mesmo não acreditava em sorte. Viu a sombra de Holsung se esgueirar por trás dele, girou a toda velocidade com a espada ao lado do corpo, jogou a lâmina para cima. Escutou um som metálico. O mascarado deslizou as garras pelo fio da espada enquanto caia, abrindo algumas rachaduras na lâmina da espada e lançando faíscas no movimento, desviou a trajetória dos ganchos de aparar do ricasso, indo na direção do braço de Zelgle. A lâmina atravessou o braço de Zelgle com uma facilidade tremenda. Se algo como sorte realmente existisse, Zelgle considerou que acabara de usar toda a que lhe restava para o resto da vida, pois mais um milímetro sequer e a lâmina teria acertado o osso, o que inutilizaria seu braço esquerdo mais uma vez. Entretanto, isso não empediu que o golge arrancasse um naco do braço de Zelgle.

Holsung parou logo atrás de Zelgle.

—O que foi? Esse é o seu máximo?

Riu o mascarado. Zelgle pensou em responder, mas não o fez. Percebeu que até agora, o adversário não tinha executado nem um ataque com a intenção de matar fora o do início da luta. Só estava brincando com Zelgle.

—Bem, tudo que é bom dura pouco. E nossa luta já durou o que tinha que durar.

O assassino se virou, pensando que Zelgle já estava acabado, mas a sombra do gigante também se moveu. Quando Holsung percebeu, algo estava vindo em sua direção. Olhou para cima, não era a espada, mas sim o braço esquerdo de Zelgle. O mascarado saltou para escapar do golpe, que causou fenda no chão. O braço de Zelgle ficou esmigalhado após isso. Sangue cobria o solo no local do impacto. Holsung engoliu seco de tamanha surpresa.

"Esse idiota simplesmente não se importa em sacrificar membros do corpo!"

—Hum... Eu vejo que não terminou ainda. Mas é uma pena. Você não consegue nem se mover direito mais. Acabou.

Apesar de estar em clara desvantagem, Zelgle percebeu que a voz do mascarado estava mais fraca. "Ele" estava ofegante. Seja lá o que fosse a técnica que estava usando, deveria cansar muito.

—Adeus, amigo!

Holsung sumiu novamente. Zelgle esperou, tentando encontrar sua sombra no chão, viu ela acima de sua cabeça. Tentou se virar, mas o joelho destroçado, dobrou para o lado errado. O rosto de Zelgle foi de encontro com o chão, mas ele aparou a queda com as mãos. Escutou o clangor metálico da espada batendo contra o chão.

"Meu pescoço!"

Pensou o gigante. Era o fim. O que Zelgle vinha desejando desde que foi reanimado naquela forma. A morte. Só isso. Era o ponto final de sua história. Ou ele gostava de acreditar que era. Só queria morrer, só isso. Fechou os olhos esperando o fim vir. Esperou aquilo por um longo tempo. Lá no fundo, ele sabia que tudo o que tinha feito até agora era só uma tentativa fútil de preencher o seu vazio interior. Mas era inútil.

Esperou, mas o fim não veio.
Escutou um tinir baixinho. Algo
metálico havia caído no chão. Pôde ouvir gritos, eram da platéia. Todas as pessoas, não só na arena, mas na cidade se espantaram quando um grande brilho púrpuro emergiu do centro da arena.

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