Capítulo 28: Um final feliz

"Fala sério... esses dois só podem estar brincando com a minha cara..."

Pensava Rozaria ainda sentada na mesa mais ao fundo. A xícara de café que originalmente era para Zelgle, continuava em sua mão.

Zelgle e Linel estavam se encarando faziam alguns segundos. Ao seu redor, os recrutas observavam cheios de espectativa.

—O que? O que é que está havendo?

—Não sei... eles estão se encarando a algum tempo já.

—Eles parecem tão... sérios.

O sorriso de Linel estava tênue, o que não era de costume, já que a expressão no rosto do homem era sempre descontraída.

—Eu vou ser a juíza do duelo então.

Disse Rozaria se levantando da mesa e colocando-se entre os dois.

—Espera... ela disse duelo?

—Eles vão lutar?

—Isso vai ser legal de se assistir...

Denerin observava a comoção de longe, a poucos metros dele, estava a garota que havia o derrotado. Olhando de perto, percebeu o quão linda ela era. Os cabelos cacheados eram incomuns naquela região, a pele morena da garota complementava a cor escura de seus cabelos, e ainda haviam aqueles olhos vermelhos. Incomuns, claro. Mas lindos. Eram profundos, e a deixavam
com um ar misterioso e... ameaçador, pensou ele ao reparar que ela estava o encarando de volta. Não conseguiu fitar os olhos da garota por muito tempo. Mas nos poucos instantes que o fez, se sentiu sendo puxado por uma força esmagadora. Desviou o olhar rapidamente, o rosto estava vermelho como uma pimenta. Não ousou olhar na direção dela de novo, se focou no que ia acontecer entre os dois aventureiros parados no meio do campo.

—Então vamos começar logo com esse... esse duelo.

Falou Rozaria em voz alta.

"Não sei muito bem se isso vai poder ser chamado de duelo..."

—Espero que não se importe muito com isso. Vai ser bom para eles verem como aventureiros de rank mais alto lutam.

Linel e Zelgle estavam a uma distância considerável, mas ainda assim, apenas os dois poderiam ouvir o que o outro dissesse.

—Não me importo. Mas...

—Mas...?

"Mas eles não verão nada de impressionante. Não por minha parte."

—Vamos começar.

Falou Zelgle, de forma fria, empunhando machado com as duas mãos.

—Espera! Espera ai! Não vamos usar armas de verdade! Ninguém quer acabar perdendo um braço, não é? Hehehe...

Gritou Linel desesperadamente, ele colocou a mão na nuca e deu um grande sorriso. Os recrutas que estavam em volta deles cairam na gargalhada.

—Vamos usar as armas de madeira, certo?

Linel tirou a bainha que estava em volta da sua cintura, nela estava sua espada. Colocou-a no chão e em seguir fez o mesmo com seu escudo. Após isso, pegou uma das espadas de treino e um escudo de madeira triangular. Zelgle fez o mesmo. Largou seu machado no chão, que tombou causando um estrondo.

—Qual o peso dessa coisa?

Questionou o aventureiro em voz alta. Todos no lugar pareceram se perguntar a mesma coisa. Zelgle sacou uma das espadas de treino de um barril.

"Eu não sei usar isso..."

Pensou o gigante enquanto encarava a espada de treino.

—Você pode usar um escudo também!

—É o suficiente.

Linel se colocou em posição, com o escudo a frente do corpo e a espada ao lado, já Zelgle manteu a espada baixa, sem postura alguma.

—Comecem!

Sinalizou Rozaria, e ao invés do que todos pensavam, Linel não esperou um segundo sequer antes de partir pra cima de Zelgle.

"Vamos ver do que alguém que matou um Damacrix sozinho é capaz!"

Ao se aproximar o suficiente, ele tentou acertar Zelgle com um golpe frontal, e chegou a ser decepcionante quando o gigante se atrapalhou todo tentando executar um movimento para se defender do ataque. O golpe foi dado. Linel havia vencido.
Todos ficaram extremamente confusos com o que havia acabado de acontecer.

—Ahm... que tal uma segunda rodada?

Linel sorriu debilmente ao dizer isso, cuidando para não ofende-lo.

—Claro.

Respondeu o gigante. Eles tomaram distância, e assim que o sinal foi dado, mais a vez Linel correu para cima de Zelgle em disparada. O gigante tentou acerta-lo com um golpe vertical quando ele se aproximou o suficiente, mas ele se defendeu com o escudo. Por alguns segundos, Zelgle tentou pressionar Linel, forçando a espada contra o escudo.

"Esse maldito é forte..."

Pensou Linel enquanto forçava suas pernas e braços à resistirem. Até que no fim, juntou forças e empurrou o escudo contra Zelgle, desequilibrando-o. Logo na seguida, ele acertou o gigante na região do pescoço.

—Melhor de três?

"Você já teria ganho na segunda!"

Zelgle apenas fez com que sim com a cabeça, e tentou acerta-lo com um golpe em arco, mas diferente de suas armas brutas e gigantes, aquela espada curta tinha um alcance minúsculo, e bastou Linel dar um passo para trás para se esquivar do golpe. Mas Zelgle, não parou, ele continuou atacando repetidamente. Linel andava calmamente para trás, e defendia com o escudo apenas quando necessário, para não acabar se exaurindo. Já Zelgle continuava atrás dele, balançando aquele pedaço de madeira incansavelmente. Com o máximo de agilidade que pôde, mesmo usando uma armadura pesada, Linel contornou Zelgle e tentou acerta-lo pela esquerda, mas o gigante brandiu a espada na mesma direção, impedindo o golpe. Em seguida, ele tentou acertar Linel, que bloqueou com o escudo. A força do golpe foi suficiente para fazer Linel escorregar uns três metros para trás, deslizando sobre a grama que dobrou sobre seus pés. Se esforçou para não cair de costas quando conseguiu finalmente parar.

—Cacete!

Gritou ele surpreso.

"Isso me deixou com um pouco de saudades do meu escudo."

Pensou ele olhando para o escudo triangular junto a espada. Zelgle não parou por ai. Foi em sua direção antes que pudesse recuperar a postura, prestes a atacar novamente. Em menos de um segundo, outro golpe estava sendo direcionado contra ele, desta vez de cima, um golpe vertical. Foi então que o sorriso no rosto de Linel reapareceu. Antes do ataque chegar na sua cabeça, ele repeliu com o escudo. Acertando a mão de Zelgle durante seu movimento. A espada nas mãos de Zelgle acabou indo aos ares, e a de Linel estava apoiada seu ombro.

—E a vitória... é minha!

Disse o aventureiro de rank platina sorrindo.

—É, acho que sim.

Respondeu Zelgle sem qualquer reação.

"Não que eu tivesse alguma expectativa de vitória."

Denerin estava boquiaberto, não com a luta em si, mas com o último movimento de Linel.

"Aquilo foi incrível! Eu nunca pensaria em usar o escudo daquela forma... é brilhante. Talvez eu devesse começar a usar um... quando eu tiver condições..."

Pensou ele olhando para o próprio equipamento, envelhecido e quase inútil.

"Merda."

—Tsc. Mas que porra foi essa? Essa luta foi pior do que a da Mihia com aquele novato.

—Ah, se foi... Esse cara realmente tem um rank maior que o nosso?

—Se nós estamos decepcionados desse jeito, imagine o senhor Linel...

Apesar dos comentários, Zelgle não parecia nem um pouco preocupado.

—Não se importe com isso... você estava em desvantagem.

Aconselhou Linel sorrindo para ele enquanto andava em sua direção.

—Não me importo.

—Ah, eu sei que se importa.

Respondeu o aventureiro de rank platina enquanto dava uns tapinhas no braço de Zelgle, como forma de apoio.

"Não, eu realmente não me importo. Eu não consigo."

—Mas bem, todos têm seus métodos. Você estava usando algo bem diferente de um machado, mas em contra partida, eu estava usando um par de armas iguais as minhas costumeiras. Então, podemos dizer que foi meio injusto. Mas estive pensando... se você não sabe como manejar uma espada direito, porque não se junta aos nossos treinos diários também?

Zelgle não pareceu surpreso com a proposta, apesar de estar bastante.

—Não sei se eu poderia aceitar. Eu...

—Está tudo bem. Você já estará aqui todo dia, qual o problema de aprender algo mais?

Disse Rozaria, caminhando na direção dos dois.

—Tudo bem então.

Terminou Zelgle, impassivo como sempre. Linel pareceu animado com a resposta.

—Esteja aqui no mesmo horário amanhã. Daremos procedência as aulas e o treino.

—Claro.

Após o término do treino, Zelgle foi até a guilda e passou o resto do dia completando missões para juntar dinheiro. Quando começou a escurecer, ele visitou Kiere, mas a meio humana não estava acordada. No dia seguinte, a mesma coisa. Após mais dois dias, a garota finalmente estava melhor. Boa o suficiente até para participar dos treinos. E lá estava ela. Usando um dos vestidos que Zelgle havia lhe comprado.

—Kiere, v-

—Sim, já estou bem. Mas estaria melhor se não estivesse usando essa coisa.

Disse ela olhando para a roupa. O vestido era azul com bordados brancos.

—Você está linda assim.

Rozaria apareceu de repente ao lado dos dois. Apesar do elogio, Kiere não parecia confortável usando aquela roupa, ainda mais por conta dos olhares.

—Venham vocês dois, vamos começar.

O trio foi até a mesma mesa que ficava um pouco mais ao fundo.
Rozaria explicou para Kiere tudo o que tinha dito para Zelgle no dia anterior novamente. A garota parecia estar prestando atenção, já Zelgle não conseguia entender nada, mesmo ouvindo pela terceira vez. No mesmo dia, eles voltaram a realizar as tentativas práticas. Zelgle não teve nenhum sucesso novamente. Já Kiere, conseguiu manifestar parcialmente seu poder. Nos dias a seguir a garota já conseguia formar esferas elétricas em ambas as mãos.

"Ela está indo muito bem, mas quanto a ele..."

Rozaria não conseguia se conformar com os resultados de Zelgle. Ela tinha certeza de ter explicado tudo da forma mais detalhada o possível. E da forma mais simples o possível também, mas mesmo assim o gigante simplesmente não obtinha resultados. Tudo que ele podia fazer era ficar encarando as próprias mãos até Rozaria dizer chega.

"É de dar pena..."

Tanto no treino com magias quanto no treino com espadas, Zelgle não evoluía nada. No treino de combate corpo a corpo, ele não conseguia executar um jogo de pés sem se atrapalhar a ponto de quase ir ao chão.

Os recrutas que antes zombavam de Zelgle agora pareciam sentir pena. Todos ficavam olhando para ele tentado executar os movimentos, de forma tosca. Era mais que óbvio que ele não tinha futuro naquele meio.
Até mesmo Denerin, que foi taxado como inútil no início, estava evoluído muito bem.

Nos próximos dias, Zelgle havia juntado dinheiro o suficiente para partir. Mas antes, ele foi até a loja de artefatos mágicos novamente. Passando pelo portal, o sino dourado soou.

—Olá!

Louis apareceu de repente, passando por uma segunda porta no interior do lugar.

—Oh, é você!

Disse Zelgle parecendo contente em ver Zelgle.

—Lembra do favor que você me prometeu? Eu preciso dele agora.

—Direto ao ponto, hã? Muito bem, do que precisa?

—Existe algum objeto que ajude no controle mágico?

Perguntou ele, olhando as prateleiras ao redor, com todo tipo de coisa.

—Ah, sim. Nós temos isso aqui. São coisas deveras simples até. Dependendo do nível que você precisa, claro.

—Pode me mostrar?

—Claro.

Não demorou muito até que Louis fosse até uma das prateleiras e retirasse uma bandeja prateada com várias joalherias.

—Estas são...?

—Os itens que você me pediu, claro.
Todos os tipos deles.

Zelgle olhou para os anéis e colares desconfiado. Ele começou a vasculhar entre os itens com os olhos. Retirou de um dos encaixes, um anel negro com a parte de cima reta e uma minúscula pedra branca.

—E este aqui, o que faz?

—A mesma coisa basicamente, além de suprimir por completo o poder mágico. Assassinos costumam usar coisas assim, mas você não é nenhum assassino, não é? Hahaha...

Zelgle não respondeu, mesmo sabendo que a resposta não era a que o homem esperava. Ele então colocou o anel no dedo anelar, da mesma mão em que estava o anel que Arlen havia dado a ele e o bracelete da guilda. Ao equipar o objeto, não sentiu nenhuma diferença.

"Suprir o poder mágico ele disse? Será que..."

—Posso testá-lo?

—Bom, claro... mas como vai testar isso, exatamente?

Sem responder, Zelgle apoiou seu machado no chão, e passou o polegar na lâmina, fazendo um pequeno corte. O vendedor ficou extremamente confuso, mas não comentou nada.

Zelgle permaneceu olhando para o dedo cortado por um tempo, nada aconteceu, a não ser uma gota de sangue que acabou pingando no chão.

"As chamas não apareceram. Isso quer dizer que agora eu posso..."

—Posso perguntar o que está fazendo?

Balbuciou Louis com um sorriso débil no rosto.

—Não... não é nada.

—Você é estranho sabia?

—É, acho que sou. Bem, eu levarei este anel. Quanto custa?

—Farei esse de graça para você. Pela ajuda extra no outro dia.

—Tem certeza? Essas coisas parecem caras...

—Não se preocupe com isso. Há mais alguma coisa em que posso ajudar?

—Sim. Eu preciso de um anel como este aqui também.

Respondeu Zelgle mostrando o anel  que Arlen havia dado a ele.

—Hm... um anel do elo das chamas é?
Eu tenho alguns desse. Quantos precisa?

—Apenas um.

—Entendo, entendo... muito bem, espere aqui.

Disse o homem enquanto se virava na direção contrária indo buscar o item.

—Ei, posso te pedir mais uma coisa?

Disse Zelgle quando Louis retornou com o item que ele havia requisitado.

—Claro, o que quiser.

O gigante então enfiou a mão livre no bolso esquerdo, e tirou um pequeno cristal dele.

"Será que isso serve pra algo?"

Se perguntou Zelgle enquanto encarava o prisma que havia caído do bolso de Ivan, após ter sido morto.

—Você... sabe o que é isso?

Estendeu a mão para o homem, que pegou o pequeno cristal e o encarou fixamente. Louis avaliou o item como um se fosse um perito em pedras preciosas. No fim, ele devolveu o item para Zelgle gentilmente.

—Sinceramente, não faço a menor ideia se serve pra algo. Mas é bonito, por que não faz disso sua moeda da sorte?

—Claro.

Respondeu Zelgle imaginando se Louis diria a mesma coisa ao saber como ele conseguiu aquilo, exatamente.

Zelgle estava praticamente pronto para partir, mas pretendia ficar mais um tempo por conta do treino. Tudo que precisava agora era falar com a companheira. Kiere já estava bem melhor depois dos dias que passou descansando. Arlen também já parecia bem, mas continuava sobre observação.

—Eu já disse que estou bem... não precisam ficar vindo me ver todo dia.

Disse ela a todos na sala. Rozaria e Linel estavam sentados, junto a eles estava Myne. Denerin estava um pouco mais ao fundo. Envergonhado.

—O que é isso Arlen? Sabe que nos importamos com você...

—Eu sei! Eu só... o-obrigado.

—Não há de que!

Respondeu Linel com seu sorriso apaziguador.

—Fiquei sabendo que foi você quem me socorreu.

O olhar sério de Arlen volto, encarando Denerin desta vez.

—Ahm? Ah, é, sim... é verdade. Mas quem te disse isso?

—A garotinha.

Respondeu a meio elfa apontando para Myne.

"Porra Myne..."

—Eu agradeço pelo que fez.

—Eu imaginei que ficaria brava comigo...

Disse ele abaixando o tom da voz durante a fala.

"Será que ela não contou aquilo?"

—Por que eu ficaria? Acredito que foi necessário o que você fez... eu não conseguiria beber por conta própria.

Na última parte, as bochechas de Arlen ficaram levemente vermelhas enquanto ela corava, apertando um travesseiro contra o rosto.

"Cacete Myne! Você contou até isso!?"

Pensou Denerin dando um tapa na própria testa.

—Para mim, é um alívio que você esteja bem.

Ela não respondeu, apenas sorriu envergonhada.

"Acho que isso agora fez valer a pena..."

A sala estava com clima divertido, até Zelgle por os pés nela.

—Kiere, é pra você.

Ao entrar na sala, ele ignorou o restante das pessoas que lá haviam.
Ele entregou uma pequena caixa preta para a garota.

—Mais presentes idiotas?

Ela deu uma pausa enquanto verificava o objeto.

—Eu não vou casar com você.

Rosnou ela ao abrir a caixa.

"Por que eu sabia que ela reagiria assim?"

—É um anel para nos localizarmos.

Explicou Zelgle mostrando o mesmo anel em sua mão esquerda.

—Não sendo uma aliança, para mim tanto faz.

Olhando ao redor da sala, Zelgle pode perceber que Myne ainda continuava sobre a guarda de Denerin.

—O que fará quanto a garota?

—Nós ficaremos com ela.

Respondeu Rozaria abraçando Myne.

—Vocês não tem filhos?

Rozaria abaixou a cabeça ao ouvir isso. Parece que o gigante insensato perguntou algo que não devia.

—Rozaria não... não pode...

Linel respondeu enquanto segurava a mão da esposa como forma de consolo.

—Ah, entendo.

Não era preciso terminar de se explicar para entender o que eles queriam dizer. Bem, no fim das contas todos ficariam felizes. A garota ganhou uma família, e ambos os aventureiros ganharam uma filha. Denerin finalmente teria sua chance de mostrar do que era capaz e Arlen e Kiere estavam bem. Um final feliz para todos. Menos para o próprio gigante insensato, que não conseguia se sentir feliz pelos outros, nem por si próprio. Tudo que ele precisava agora eram respostas. Respostas do que estava acontecendo, e não por necessidade, mas por convicção própria, ele buscaria essas respostas sem se importar com nada ou ninguém, nem que precisasse ir até o inferno para isso.

—Kiere, logo estarei de partida. Você vem?

—Para onde vão?

Perguntou Arlen.

—Vamos para Ardium. Tenho coisas a fazer lá.

—Entendo. Em quanto tempo pretende partir?

—Em pelo menos uma semana.

—Hum... Não é muito tempo... espero que possamos nos ver de novo, quando eu estiver totalmente recuperada.

—Sim, eu também espero.

Terminou Zelgle, e saiu da sala.

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