Capítulo 24: Aquele que não pode sentir

Após uma onda gelada percorrer o lugar, a atmosfera mudou. O gelo ao redor continuava se espalhando, subindo pelas árvores e formando longas estacas no chão, muito mais rapidamente que antes. Quase no centro do círculo, onde não haviam sombras ou árvores, uma enorme luz se erguia, aos poucos, tomando forma na mão de Ivan.

Zelgle estava parado olhando sem qualquer reação, já Denerin estava extremamente apreensivo, junto a Myne, e Kiere que estava amarrada na árvore suava frio, todos os sentidos gritavam "perigo", aquilo era anormal sem sombra de dúvidas. Era como ter todos os instintos alertando ao mesmo tempo que algo vai morder o seu pescoço, mas naquele caso, não era tão simples quanto uma mordida.

Ivan que até então manteve uma expressão de ódio no rosto, passou para um sorriso de deboche rapidamente. E então, o brilho em sua mão desvaneceu, dando forma a uma espada reta e pequena. A lâmina era fina, muito parecida com a de uma rapieira, mas sendo um pouco mais larga. Emanava uma fumaça azulada, junto com uma sensação gélida e imponente. Era como se aquele bastardo tivesse um pedaço dos céus nas próprias mãos.

-Ah... faz tanto tempo que eu não uso essa maravilha...

O homem encarou a espada bruxuleante em sua mão com uma enorme satisfação sendo esboçada do rosto. Zelgle, apesar confuso, manteve a compustura e continuava racional.

-Não deve ter problemas em usar isso aqui, não é? Ninguém vai ver... e é claro, vocês não vão viver para contar!

Dito isso, ele brandiu a etérea arma na direção dos aventureiros, lançando à frente um vento gelado a ponto de dificultar a respiração, semelhante ao topo de uma montanha.

Denerin cobriu Myne e Arlen com o corpo, estendendo os braços para protegê-las, o que acabou fazendo com que uma fina crosta de gelo se formasse em suas costas, nada de mortal, mas mesmo assim era assustador. O gigante de preto continuava impassivo, não bloqueou o vento gelado, e não se importou com as roupas umidecidas. Não se importou com nada, para ele, tudo era indiferente.

E então ele avançou, Ivan permaneceu parado, com seu sorriso imenso no rosto enquanto observava aquele trambolho atrapalhado correr em sua direção, o mesmo que parou subitamente quando chegou no marco de quatro metros de distância, seus pés ficaram presos em algo. Rapidamente Zelgle olhou para baixo, seu pé esquerdo havia sido empalado por um enorme espinho de gelo. Se aproveitando da brecha, Ivan acertou o braço de Zelgle com aquela espada estranha. A lâmina não material passou rasgando a carne de Zelgle com uma sensação gélida, formando uma camada de gelo conforme dilacerava adiante.

"Isso dói..."

Após terminar o movimento, Ivan passou por Zelgle, andou uns dois metros adiante e só então parou.

-Sabe... umas das coisas que mais odeio é ser menosprezado. A minha vida toda foi assim, eu sempre era o pior em tudo, até eu vir para esse lugar patético que vocês chamam de Império. Mas até aqui, as pessoas se acham no direito de me subestimar, mas aqui eu não preciso deixar barato. Por isso, eu vou esmagar cada um dos que se acharem melhor que eu, e olha só, isso é incrivelmente divertido por sinal.

Disse Ivan, enquanto olhava para trás, em direção a Zelgle, que estava de costas.

-É, e quem perguntou?

Balbuciou o gigante, quebrando a estaca de gelo que prendia seu pé, apenas usando força bruta, após isso ele pisou no chão com força, estilhaçando por completo o fragmento de gelo.

Avançando na direção do homem, Zelgle tentou atingi-lo com uma ombrada, mas não obteve sucesso. Ivan se esquivou, passando por Zelgle e caminhando alguns metros de costas, sempre sorrindo. Parecia estar totalmente no controle da situação, apesar de estar queimado e desfigurado.

Zelgle se virou de maneira virulenta, brandiu machado na direção de Ivan, mas ele se abaixou e girou, cortando a barriga de Zelgle no movimento, e mais uma vez congelando a área acertada. O gigante tentou acertá-lo novamente, mas acabou debilitado por conta dos ferimentos, que por algum motivo não estavam se regenerando. As chamas negras haviam parado, seria por conta do gelo? Ele não sabia direito, mas rapidamente ligou aquilo com sua imensa vontade de morrer. Se as chamas não surgissem mais, ele morreria? Queria descobrir a resposta, mas se ela fosse sim...

Ele ergueu a cabeça, e tomou novamente postura, quebrando o gelo em seu abdômen, e depois em seu braço. Pulou na direção do inimigo, tentando acerta-lo na queda, mas ele deu uma cambalhota para trás, sempre sorrindo. O ataque de Zelgle fez a terra tremer, afundando completamente o machado no chão. Desenterrou o machado, partiu para cima de Ivan mais uma vez, que não hesitou em ir de encontro com o gigante. Sorrindo, ele desviava e contra atacava Zelgle por todos os lados, inúmeros ferimentos enregelados surgiram na pele esbranquiçada do aventureiro. Mas ele não parava, nem por um segundo sequer Zelgle demonstrou qualquer sinal de hesitação. Ele simplesmente estava ignorando os ataques e tentando atacar de volta, como se não sentisse nenhuma dor.

Ivan recuou alguns passos, se continuasse assim, ele se cansaria antes de finalizar aquele maldito, pois embora ele estivesse totalmente confiante, maioria de seu poder mágico já havia sido consumido, e manter aquela espada só acelerava o processo. Pensou por um momento. Precisava de uma finta, uma ação para enganar aquele idiota e acertá-lo na cabeça, pois por mais alto que fosse, não conseguia alcançar aquele maldito crânio. E então ele correu, na direção de Zelgle, de uma maneira completamente imprudente.

"O que ele está fazendo? Por que ele avançaria se pode me atacar de longe com o gelo?"

Zelgle permaneceu parado, tentando interpretar o que seu inimigo faria.

"Mas porque estou resistindo? Não quero continuar vivo... então pra que eu..."

Ao pensar isso, ele olhou na direção de Kiere, com os olhos arregalados, ferida e amarrada. Se Zelgle se deixasse ser morto, ela e Denerin seriam os próximos, e embora ele não conseguisse se importar, ele sabia que seria de um egoísmo inumano deixá-los de lado. Encarou Ivan enquanto ele vinha em sua direção. Se nada lhe importava, para que ligar se permanecia vivo ou morria? Não havia diferença, por isso, ele se decidiu.

Levantou o gigante machado com as as duas mãos, mais um golpe vertical. Quando Ivan estava a menos de dois metros, o machado desceu, mas antes que pudesse tocá-lo, ele pulou para trás, e fez um enorme avanço deslizando com o gelo junto a um movimento perfurante com a espada, mirando a cabeça de Zelgle. Mas ele errou, ou melhor, o gigante se esquivou, pela primeira vez Zelgle havia evitado um ataque por vontade própria. Apenas uma pequena parcela de sua bochecha foi pega no golpe.

"Esse maldito... ele percebeu que eu estava tentando enganá-lo!?"

Zelgle rapidamente segurou com a mão esquerda a lâmina gélida. Logo sua mão começou a congelar, mas não importava, só faltava ele acertar aquele maldito agora. Levantou o machado com a mão restante, mas teve uma surpresa: a espada em sua mão desapareceu, e Ivan saltou para trás.

O homem lançou uma gargalhada exageradamente bizonha.

-Eu estava certo sobre vocês Minandrenses... são todos uns idiotas!
Você realmente achou que segurando minha arma eu ia deixar você me acertar? Ainda mais quando eu posso simplesmente invocá-la novamente?

Dizendo isso, ele estendeu a mão e a espada reapareceu. Sem a luz e a demora de antes.

-Que idiotice você acabou de fazer hein? E ainda se feriu por conta disso!

Apontou a espada para a mão congelada de Zelgle. Ivan então ergueu a mão que não segurava a espada, e nela, gelo começou a se formar, projetando uma estaca pontuda, claramente imitando uma lança. Arremessou-a na direção de Zelgle, acertando-o no abdômen. Fez uma segunda lança, acertando o joelho do gigante, e na terceira, mirou na cabeça, e apesar da proximidade razoável, ele acabou errando e acertando a clavícula de Zelgle, saindo pelo outro lado do corpo. Durante todo esse processo, aquele sorriso medonho nunca deixou seu rosto.

Riu quando Zelgle tentou pôr-se de pé, falhando por conta da lança atrelada de forma dolorosa ao seu joelho. Zelgle voltou ao chão, a dor que sentia era descomunal, e e ainda por cima, sentia como se neve corresse nas veias ao invés de sangue.

-Dói não dói? Hum... mesmo que pra mim seja maravilhoso...

O homem estendeu os braços, como se contemplasse algum deus. Talvez seu deus fosse o sofrimento dos outros.

Ignorando a dor e os deuses alheios, Zelgle começou a arrancar as lanças atravessadas em seu corpo, sendo a do joelho a primeira. Quebrou ela ao meio e puxou o restante, alguns fragmentos congelados permaneceram, mas assim que ele fez o mesmo procedimento com as outras estacas, as chamas negras recobriram seu corpo, fazendo-o voltar ao normal.

-Seu filho da... mas que porra é você?

-Não sei... talvez eu seja um monstro. Quem sabe?

Ele se levantou lentamente, esforçando-se para não ligar para as roupas esfarrapadas, novas e bem costuradas antemão.

-Eu só sei de uma coisa no momento: infelizmente eu não posso me permitir morrer pra você.

-Que merda está vomitando ai?

-É como eu disse. Não posso morrer pra você, mesmo que você possa me matar, eu só estaria deixando um lixo como você continuar vivo. Por conta disso, eu aceito viver por mais um tempo, tudo pra acabar com você aqui.

Ivan estava encarando com um olhar fascinado, e ao mesmo tempo confuso e enfurecido.

-Vamos dar um fim nisso.

Zelgle fez força para fechar a mão esquerda, desfazendo a crosta de gelo formada pelo contato com a lâmina de gelo antes.

Começou a correr, na direção de Ivan, que não recuou, mas começou novamente a lançar aqueles espetos longos de gelo, Zelgle foi acertado pelos dois primeiros, um no ombro e outro no peito, um deles passou por cima de sua cabeça e o último foi estilhaçado quando ele o acertou com seu punho enorme. Em nenhum momento, mesmo sendo acertado e perfurado, Zelgle hesitava por conta da dor, ele simplesmente avançava igual a uma vanguarda com os escudos levantados, uma vanguarda de um único homem, e sem os escudos.

-Hmpf... não ache que eu já acabei.

Esperando Zelgle se aproximar, Ivan pulou sobre ele, sempre tentando acertar sua cabeça ou pescoço, dessa vez errou miseravelmente, quando acabou tendo o movimento bloqueado pelo longo cabo da arma do gigante. Recuou alguns passos, e avançou novamente, desta vez não só tomando cuidado com a lâmina do machado, mas também seu cabo. Contornou Zelgle, se aproveitando de seus movimentos exageradamente lentos, não contando que aquilo tudo não se passasse de uma enganação barata. Assim que tentou acerta-lo com uma estocada pelas costas, o gigante, se virou, jogando a lâmina do machado para a esquerda, Ivan conseguiu se abaixar a tempo, direcionando um ataque ao estômago de Zelgle, acertou, cravando a arma fantasmagórica fundo no barriga do aventuteiro. Mas novamente sem se importar com a dor, ele tentou contra atacar na brecha dada por Ivan. Zelgle finalmente havia percebido sua maior arma: não poder sentir. Aquilo fazia dele uma arma basicamente perfeita, sem hesitar e sem se importar com nada. Aquilo simplesmente dava uma vantagem imensa em qualquer luta, pensando na parte que ele sempre se manteria racional e não perderia a cabeça por raiva ou medo.

Tentou acertar Ivan mais uma vez, seus golpes pareciam tão sem convicção que era difícil acreditar que ele realmente estivesse lutado, embora eles ainda fossem assustadores por conta da força monstruosa. O último ataque passou por cima da cabeça de Ivan mais uma vez, para sua sorte conseguia desviar facilmente, o problema era que não conseguia matar aquele maldito de jeito nenhum. Por mais que cortasse e cortasse, perfurasse e perfurasse, aquele cretino permanecia de pé e balançando aquela porra de machado para lá e para cá. Ivan começará a se cansar fazia um bom tempo, não sabia quanto tempo conseguiria aguentar usar a espada, portanto precisaria por um fim na luta logo, mas não conseguia atacá-lo com tudo por conta do machado, e não desviar daquilo custaria no mínimo um dos seus braços. Teria que fazer algo sobre aquilo antes.

Avançou sobre Zelgle mais uma vez, mas não tinha sua cabeça como alvo, e sim seu machado. Esperou o gigante idiota tentar mais um golpe vertical, e então bloqueou com a espada, sentiu o peso do golpe pela extensão da coluna, os pés afundaram no chão. Fez força pra não se deixar sucumbir a força de Zelgle, mas no final, conseguiu empurrar o gigante e fazê-lo perder o equilíbrio. Logo em seguida esperou que ele atacasse mais uma vez, e contra atacou com sua própria espada, acertando a lâmina do machado, que se quebrou em mil pedaços ao toque.

"Mas o que?"

Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Zelgle já havia sido acertado mais duas vezes, agora aquele maldito não pararia de atacar. Zelgle tentou acertar um soco em Ivan, o que o fez recuar e cessar os consecutivos ataques.

"Não importa se ele conseguir espaço agora. Estar desarmado contra mim significa derrota."

O sorriso distorcido no rosto de Ivan cresceu, esboçando toda a confiança que depositava nas suas massivas chances de vitória.

Denerin observava toda a cena com um olhar incrivelmente analisador.

"Aquele imbecíl caiu na armadilha desse cara feito um rato... quando ele defendeu aquele ataque, ele usou o tempo que o machado permaneceu encostado na lâmina da espada para resfriar o metal, e em seguida ele usou um golpe para estilhaçar o machado fragilizado pela diminuição de temperatura. Esse desgracado..."

-E então seu lixo, como pretende continuar?

Ivan fitava Zelgle com a mesma expressão de deboche de antes. A diferença era que não tinha mais nenhuma preocupação com a possibilidade de derrota, o que era considerável antes.

"Acho que não tenho escolha... terei que ajudá-lo!"

Pensou Denerin, e então, começou a vasculhar sua bolsa.

Zelgle que já havia recobrado a postura estava a espera de um milagre acontecer para poder virar a luta. Má sorte. Nada venho nos seus últimos anos de vida, quem dirá agora.

Ivan já estava vindo em sua direção para finaliza-lo. Aproximou-se rapidamente de Zelgle, que tentou acerta-lo com um soco, mas teve a mão atravessada pela espada. A lâmina congelada se enterrou até o seu cotovelo, sendo possível enxergar a ponta sair próxima a articulação.
O braço de Zelgle começou a ser congelado lentamente, de dentro para fora. Ele nem tentou se mexer, já estava acabado, não havia o que fazer quanto aquilo. Até que algo acertou Ivan, espalhando um líquido oleoso sobre o mesmo. Ele logo olhou na direção que venho o projétil. Foi Denerin, que havia arremessado um frasco contendo um estranho fluído esverdeado.

-Ora seu filho da puta... você também quer morrer?

Dito isso, um daqueles rastros congelantes foi em direção a Denerin, mas parou a menos de trinta centímetros dele e das garotas atrás dele. Zelgle havia segurado o braço de Ivan, e não a espada desta vez. Rapidamente o homem tentou se desvencilhar puxando o braço, mas a força do gigante era insana. Não havia mais o que fazer. Zelgle arrancou o braço congelado, soltando a espada que estava cravada em seu membro, e então acertou um soco com o mesmo braço no estômago de Ivan. Seu braço explodiu, fragmentou-se em milhares de pedaços de carne congelada, mas por outro lado, Ivan foi mandando pelos ares. Naquele instante, tudo pareceu estranhamente quente.

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