Capítulo 23: Quem eu sou
-Como está o anel?
Perguntou Zelgle enquanto corria todo atrapalhado atrás de Denerin, que além de mais rápido, ainda carregava Myne nas costas.
-O brilho está ficando mais forte, não devemos estar muito longe...
Respondeu enquanto olhava para o anel. A garotinha tinha as mãos envolta de seu pescoço.
-Myne, poderia afrouxar os braços um pouco? Não estou conseguindo respirar direito.
Falou ele baixinho para a garota, que olhou para baixo assustada com a indagação repentina.
-Não vou te derrubar, está bem?
Após ele dizer isso, a garota afrouxou os braços um pouco. Denerin sentiu uma grande sensação de alívio neste momento, mas ainda assim, ele se sentia muito desconfortável de ter que levar uma garotinha para um provável conflito, que com toda certeza, séria perigoso.
Eles continuaram correndo, o brilho do anel ficava mais forte a cada passo, lentamente, uma pequena estrela ia se formando na mão do aventureiro falido.
***
Duas coisas. De tudo que aprendera na vida, haviam duas coisas que Arlen considerava como ensinamentos fundamentais. Um deles, era nunca perder a compostura.
"Mantenha sempre a calma, pois se você perdê-la, será o momento da sua queda."
E a outra coisa, era que as vezes, se era necessário sacrificar mais do que você gostaria para fazer as coisas aconteceram. Talvez fosse por isso, que apesar de não ter intimidade praticamente nenhuma com Kiere ou
Zelgle, ela sacrificou tanto.
-Eu venci...
Disse ela, encostada em uma árvore. A alguns metros, uma grande cratera formada pela explosão de antes. Algumas árvores próximas estavam em chamas, no céu, uma enorme cortina de fumaça se formou após um incêndio ter se iniciado na área. Arlen havia se arrastado até ali. Seu braço esquerdo foi incenerado até uma região próxima do ombro, ela estava segurando o que restava dele com força, tentando ignorar que acabara de perder um dos quatro membros de forma lastimável. Ela arfava devido ao cansaço, e tremia devido à dor insana que sentia, toda a parte esquerda de seu corpo ardia, como se ainda estivesse queimando. Ela fechava os olhos repetidamente, prestes a desmaiar a cada segundo. A única coisa na qual conseguia pensar era se aquele sacrifício valeria a pena no fim das contas.
Kiere estava olhando para Arlen com os olhos preenchidos de desespero.
Não sabia o que fazer, queria muito poder ajudá-la, mas também não tinha forças para se soltar, e muito menos teria para carregá-la, estava tão fraca quanto ela, tanto que quase não conseguia falar, mas se esforçou para gritar o nome dela. Juntou todo o ar que pôde para gritar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, alguém berrou do outro lado da cortina de fumaça.
-Sua desgraçada!
A brado percorreu a floresta trazendo consigo uma sensação gélida e poderosa, depois disso, uma sombra pôde ser vista através da fumaça. Atravessou a parede acinzentada, as chamas crepitavam abaixo de seus pés, consumindo pequenos gravetos e vegetação rasteira. Assim que ele passou por elas, elas apagaram, o chão ardente que fora criado pela explosão agora estava congelado, tudo ao redor estava.
Ele se aproximou de Arlen. Ficou a menos de um metro da meio elfa, encarando ela com olhos fundos no rosto, o ódio saltando do olhar, como fagulhas prontas para iniciar o maior dos incêndios. Olhando mais de perto, Arlen pode perceber que o homem havia sofrido uma série de queimaduras por todo o corpo, mas provávelmente ele usou o gelo para conter as chamas, e por conta disso não sofreu nenhum ferimento sério, além de seu rosto, que teve a metade direita queimada.
-Eu vou te matar... sua...
Ele parecia estar próximo de engasgar com a raiva, bufava como um touro.
-Ha... você ficou melhor assim. Acho que essa aparência combina mais com gente como você.
O sorriso no rosto de Arlen apenas aumentava a fúria do sujeito, mas ela não tinha medo. Apesar de ferida e em uma situação grave, ela não temia a morte. Talvez ela fosse a recompensa de seu sacrifício.
-Já chega dos seus truques de merda, sua coisa imunda...
Levantou a espada lentamente, inclinando a lâmina na direção de Arlen.
-Você perdeu, vadia.
Disse ele, tentando forçar um sorriso.
-Isso é o que espera por gente como você: uma morte sem qualquer valor.
-Você não pode estar falando sério... você não prestou atenção no que eu disse? É idiota por acaso?
-Silêncio sua desgr-
-Eu te disse: em uma das hipóteses, a vitória era minha com certeza.
Algo brilhava nas mãos da meio elfa, um brilho avermelhado e intenso.
-Mas que porr-
Foi quando o homem percebeu que algo vinha em sua direção, estava tão entorpecido pelo ódio que não havia escutado os passos que se aproximaram rapidamente, mesmo sendo acobertados pelos estouros de madeira sendo queimada. Foi então que ele pulou para trás, quando voltou a si. Teve sorte. Mais um segundo e teria sido acertado por algo que nem sabia descrever o que era. Mas no momento que essa coisa acertou o tronco da árvore que Arlen estava encostada, a árvore tremeu, as folhas balançaram, e a árvore se inclinou para o lado. A lâmina de um pesado machado se cravou na madeira até um pouco mais da metade, só não a cortando ao meio devido ao fio estar cego e cheio de dentes. Um enorme homem vestido de preto estava segurando o cabo do arma, puxando para tentar retirar a arma da madeira. Ele acertou o machado cerca de um metro e meio de distância da cabeça da meio elfa.
-Ora seu pedaço de merda!
Ele foi na direção do portador da arma para pegá-lo de costas, mas antes que tivesse a chance, ele conseguiu despregar o machado da árvore, e logo após isso ele girou. Só teve tempo de se abaixar um pouco, a lâmina passou uns cinco centímetros a cima de sua cabeça. Mesmo não tendo sido acertado, conseguia dizer: se fosse pego naquilo, estaria morto. A força daqueles golpes não era normal.
-Eu disse que tinha vencido...
Sussurrou a Arlen antes de perder a conciência. O agressor da meio elfa distanciou-se consideravelmente para avistar o rosto do sujeito que havia tentando o matar. Foi então que ele percebeu que ele era o homem que conseguiu atingir dez pontos duas vezes no teste da guilda.
"Esse lixo..."
Antes que eles pudessem continuar, um garoto jovem e uma menina pequena correram em direção a meio elfa, ajoelhando-se ante ela.
"Merda..."
Pensou Denerin ao observar o estado de Arlen. Mas quando ele olhou para Kiere, faltava pouco ele chorar. A garota parecia em um estado ainda pior que Arlen, mas no momento não conseguiria ajudá-la de jeito nenhum, o homem estava de costas para a garota. Não poderia chegar até lá.
-Ei, faça a alguma coisa quanto à esse cara! Temos que tratar das duas rápido!
-Muito bem.
Respondeu Zelgle, empunhando o machado com as duas mãos. Denerin abriu uma pequena bolsa que ele carregava em seu cinto. Tirou de dentro da bolsa um frasco contendo um líquido vermelho.
-O que é isso?
Perguntou Myne ao seu lado, ajoelhada e parecendo extremamente confusa e assustada.
-É um remédio que eu aprendi a fazer a algum tempo atrás, mas...
Olhando para o estado da meio elfa, ele percebeu que não ela não conseguiria beber aquilo por conta própria. Ele abriu o frasco, relutante, e então bebeu o líquido. Em seguida, ele encostou os próprios lábios nos de Arlen, fazendo-a engolir o remédio.
"Eu espero que ela me perdoe por isso..."
Pensou enquanto distanciava seu rosto do dela. Myne que assistia a cena de perto estava vermelha como as chamas que queimavam as árvores. Por outro lado, Denerin parecia bem tranquilo com aquilo.
Após uns dez segundos, Arlen começou a tossir, mas ainda estava desmaiada.
"Agora só nós resta esperar..."
Denerin olhou na direção de Zelgle, o insensível gigante vestido de preto encarava o homem com seu olhar sem vida de sempre.
-Vocês todos devem estar querendo morrer hoje... não tem problema, eu mato todos!
Ele correu na direção de Zelgle, que fez o mesmo, indo de encontro a ele. Quando ficaram a menos de três metros, Zelgle levantou seu machado na vertical, e logo em seguido desceu a lâmina pesada na tentativa de acertar aquele cretino, mas ele desviou para o lado, como fez Marben anteriormente, aquilo era lento demais, mas em compensação, a força estrondosa do golpe criava uma pequena ravina no local do impacto. Deve doer ser acertado, ele diria.
O homem girou, e passou a lâmina de sua espada curta na barriga de Zelgle, abrindo o abdômen do aventureiro.
"Acabado."
Ele estava a pouco menos de quatro metros de Denerin e as duas. Ele ia em sua direção, até perceber que Zelgle não estava acabado, e que o maldito já estava redirecionando outro ataque mirando sua cabeça. Desviou por pouco e logo em seguida avançou, acertando uma estocada na barriga daquele estorvo vestido de preto. Fitou os olhos vazios do gigante com o próprio olhar soberbo, e ficou surpreso ao ver que ele ainda estava se movendo, o maldito estava prestes a segurar seu braço. Ele girou, abrindo o estômago de Zelgle, e no término do giro ele fez mais um corte em seu peito. Pulou para trás, na tentativa de criar distância, mas aquele machado estava vindo em sua direção mais uma vez, ele se abaixou rapidamente, por pouco ele não perdeu o pescoço.
Ele efetuou mais uns três a quatro golpes em Zelgle, um deles acertando a clavícula do miserável. Mas mesmo com tantos ferimentos mortais, aquele monstro não parava de atacar, e a força dos golpes não diminuía, ele não era só resistente...
Zelgle tentou acertar o homem com mais um golpe vertical mas o mesmo usou o gelo para deslizar para trás.
-Você só é forte, não tem nada demais, amigo.
Em partes, aquilo estava mais do que certo. Zelgle nunca fora treinado. Tudo que tinha agora era sua enorme força que ele sequer sabia utilizar. Tudo que ele fazia era brandir aquele pedaço de metal distorcido para todos os lados. Era efetivo contra monstros que também atacavam com o máximo de força que podiam, sem estratégia alguma, e também contra pessoas fracas, que não tem treinamento e nem experiência em combate o suficiente para suprimir seu medo de ser pego por aquele machado imenso. Mas isso era diferente agora, seu oponente era alguém que parecia saber lutar, alguém com experiência, e o lugar não era fechado como quando lutou com Marben, seu adversário poderia escapar de seus ataques facilmente. Mesmo assim, dizer que Zelgle não tinha nada de especial era um tremendo erro. Ele sangrava por conta dos ferimentos causados pelo inimigo, mas logo, uma luz começou a se originar das fissuras.
"O que?"
Pensou o homem, enquanto observava chamas de coloração púrpura surgirem do nada sobre o gigante, cobrindo quase todo seu corpo, e quando elas se foram, ele estava de volta ao normal, completamente ileso.
"Mas que porra é essa? Esse filho da puta sabe usar magia?"
O sujeito estava boquiaberto, tão surpreso que esqueceu até mesmo de sua imensa raiva por um momento, e também da dor que estava sentindo das queimaduras causadas por Arlen.
"Isso de novo?"
Pensou Denerin enquanto observava a mesma coisa que viu acontecer com Zelgle enquanto ele massacrava o bando de mercenários. Myne o abraçou de repente, assustada.
-Está tudo bem, ele não nos fará mal.
Apesar de dizer isso, nem mesmo ele tinha certeza de tal afirmação. Aquilo era simplesmente fora do normal, não seria nem um pouco estranho chamar Zelgle de monstro.
-Você... foi você quem fez isso?
Disse Zelgle apontado para Kiere e Arlen, mesmo que já soubesse a resposta, e ela fosse mais do que óbvia. Foi então que o homem soltou sua gargalhada bizarra mais uma vez.
-É, fui eu sim. E foi delicioso. Fazer pedaços de merda como vocês sofrerem é simplesmente maravilhoso. Deveria ser um esporte.
Ele continuou rindo, sem parar. Zelgle continuou com seu olhar vazio mesmo após ter ouvido aquilo.
-Você é merda.
-O que... você disse?
A gargalhada cessou de repente. O rosto risonho do homem se apagou. Ele olhou na direção de Zelgle com os olhos duros novamente.
-Não se faça de surdo, eu não vou repetir. Mas fique sabendo: você vai morrer.
-Você ao menos sabe quem eu sou, seu cão sarnento de merda?
-Não.
A expressão furiosa no rosto do homem havia se formado novamente. Ele estava prestes a explodir, e para ajudar, Zelgle partiu em sua direção com o imenso machado em mãos.
-Ah, não sabe né? É, eu creio que exigir isso de alguém como você seja demais. Vocês de Minandre são realmente idiotas... eu sou Ivan Doust porra!
Após estas palavras serem ditas, um rastro de espinhos de gelo foram na direção de Zelgle, ele sequer teve tempo de reagir. Acabou sendo acertado de frente.
Ivan arfava, depois de liberar sua fúria com aquele ataque. Ele estava morto agora, ele tinha certeza disso.
Foi em direção a onde o rastro terminava.
-Viu só seu lixo? Não há como alguém inútil como você vencer. Minandrense estúpido.
Ele tentou visualizar o corpo de Zelgle, mas tudo que pode ver foi o gelo rachando e uma imensa lâmina vindo em sua direção.
"O que?"
Tentando bloquear o ataque, ele posicionou sua espada frente ao corpo, e quando ambas as armas se chocaram, um estardalhaço metálico ecoou por toda a floresta.
Ivan foi arremessado a pelo menos uns cinco metros, caindo de costas no fim, após rolar umas três vezes e bater a cabeça uma vez.
Zelgle se desprendeu do gelo. Sua roupa estava esburacada, assim como seu corpo, mas logo as chamas negras vinheram mais uma vez e fizeram seu trabalho.
"Minhas roupas ficaram sujas de novo..."
Pensou Zelgle ao avaliar as roupas destruídas e completamente ensanguentadas.
-Argh...
Ivan estava se levantando, Zelgle olhou na sua direção. Ele se pôs de joelhos logo e olhou para a espada, a mesma que foi partida em duas quando cruzou o caminho do machado de Zelgle.
-Hahaha...
Ivan foi se levantando lentamente. Com um sorriso no rosto.
-Você é um desgraçado garoto, um desgraçado feio e burro!
Bom, pelo menos a parte do feio Zelgle não podia negar.
-Isso é patético... sua nação é tão ridícula que não consegue nem fazer uma espada direito... se fosse a minha antiga, isso nunca teria acontecido...
Logo ao dizer isso, ele tossiu um pouco de sangue na própria mão.
-Mas aquele aventureiro idiota fez o favor de destruí-la. Ha, que maravilha. Pelo menos nós estamos longe da cidade, não há risco nenhum de eu ser visto aqui. Chega de brincadeira. Todos vocês vão morrer aqui.
O homem juntou as duas mãos e um grande brilho foi se formando, junto a isso, uma onda gélida percorreu o lugar, parecido com o vento que é trazido pelas ondas do oceano.
-Vocês... vão ver quem eu sou.
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