3 - O efeito dominó

(Daniel)

Estou deitado em minha cela, esperando que comece o show.

A partir do momento em que deixo Sofia na sala de visitas do presídio, já sei que devo me portar como se todas as câmeras visíveis e invisíveis estivessem voltadas para mim. Tenho que agir sem que saibam onde estou derrubando a primeira peça de dominó.

Quando eles se derem conta, um conjunto de peças, das quais, já deverão derrubar umas às outras sem que alguém tenha conhecimento de onde começou a queda, ou quem fez o primeiro movimento. Como aquela cena fantástica do filme V de Vingança.

Sorrio comigo mesmo.

O guarda aparece na janelinha da porta. Eu me viro assim que ouço o som. Estendo a mão para pegar a bandeja com a comida e largo a minúscula peça vermelha de dominó, do outro lado, como quem não quer nada. Ele apanha, sem que o corpo se mova. De costas para as câmeras do corredor, ninguém pode ver que ele leva alguma coisa, conforme eu lhe instruí que fizesse se, acaso, tivesse que começar a executar o meu plano B.

Já tenho estabelecido códigos e molhado mãos, desde que cheguei àquele lugar. Assim, se e quando seja necessário deixar o presídio, tenho o plano de fuga perfeitamente articulado.

Enquanto espero que as peças de dominó comecem a derrubar umas as outras, finjo fazer o jogo deles. Não de forma rápida e cordata, para que não desconfiem, mas na semana seguinte, quando Sofia vier, tenho que fazer com o que o jogo funcione.

Meu Deus! Vê-la diante de mim, todas as semanas... Meu único consolo é que, quando o circo pegar fogo, Sofia estará ao meu lado e em segurança. Ela não tem escolha, se quiser sobreviver. E se no passado eu lhe dei a oportunidade de ficar longe de mim, agora não é mais possível.

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Eu me viro no catre. Tenho que lidar basicamente com duas câmeras: a visível, dos guardas que me monitoram dia e noite na cela. Mas há também a câmera oculta que não sei onde está. Deve ter sido instalada pelo meu antigo pessoal, agora pessoal apenas de Larsen. E provavelmente o fizeram enquanto eu estava tomando sol, no pátio, ou no banho, ou no refeitório. Às vezes eles me deixam sair, mas aposto que é para revistar a minha cela ou para conferir se a câmera continua filmando direito.

Em suma: eu estou todo grampeado lá dentro. Quando cago, mijo, ou como... Até quando me masturbo, eles ficam sabendo.

E agora eu me masturbo com mais frequência, pensando na minha mulher. (Ex-mulher, tenho que me lembrar constantemente). Gosto de imaginar que estamos os dois num lugar distante da civilização. Um templo antigo, com uma vista espetacular. De clima quente... Nossos corpos suados... Meu pau enterrado bem fundo e ela gritando para o vento... Ninguém pode ouvir ou nos ver. Somos só nós dois e uma estátua de Budah... Ela senta no colo da estátua e abre as pernas para mim... Ah, que visão...

Cara, que bosta, eu estou um ano sem tocar numa mulher. Juro por Deus que quando puder colocar as mãos em uma... Qualquer uma serve, até a vovozinha da mercearia da Rua Shelton... Se ainda estiver viva, eu topo qualquer negócio!

Espanto para um canto da mente a fantasia de Sofia deitada e toda aberta para mim. Como disse antes, está na hora do show. Eu me viro devagar, num gesto estudado. Consulto as horas e, então, sento-me no colchonete para ler. O livro será revistado tão logo arrumem um pretexto para me tirar de dentro da cela. Da última vez, inventaram que precisavam dedetizar as celas daquela ala.

Sorrindo de um jeito bem safado, abro o livro na página indicada e começo realmente a ler. Penso vagamente na rota que o meu plano de fuga deve estar tomando agora mesmo.

Ao final do expediente, o guarda vai deixar o presídio. Vai passar em um bar não muito longe dali, para relaxar, tomando uma cerveja. Ele irá pagar em dinheiro e junto com as notas, irá entregar a peça vermelha de dominó. O bartender irá devolver o troco e o guarda irá embora para casa.

O bartender entregará a peça de dominó ao dono do bar, no escritório que fica nos fundos. O dono levará a peça para sua casa, no final da noite Acordará no dia seguinte - esse espaçamento de tempo é importante, para interromper a sequência e o pessoal de inteligência tenha dificuldade em acompanhar a cadeia de eventos. Eles devem ficar sem saber que rota foi usada para me comunicar. O dono do bar levará a peça de dominó para um amigo meu, instrutor de boxe num centro para jovens delinquentes. Ao receber a peça de dominó, meu amigo irá entender o recado simbólico e o sinal, que diz: "estou em movimento".

Ele, então, saberá que deve levar a peça por um tortuoso caminho. Não no mesmo dia... Novamente, a cadeia de eventos deve ser interrompida. Ele irá acionar meus amigos, contatos e antigos colegas que me devem favores. A maioria deles me deve a vida, portanto, jamais estarão quites comigo.

No livro que estou lendo, guardo um fio dental usado, e o ganchinho de uma calça que se soltou da costura, o qual amarrei na ponta. Também guardo uma lima de unha velha que uso para puxar o saco plástico que mantenho escondido no fundo da privada. O saco tem um canivete suíço dos bons. Também contém uma chave de um dos armários do guarda que pago suborno. No armário, ele deixou uma sacola comum par-de-tênis Nike, meias, cueca, peruca, óculos de sol e roupa limpa.

Sei onde estão posicionadas as câmeras no corredor dos armários. Por isso, no meu "saco de milagres", tenho um spray colorido para sujar bem as lentes das câmeras, antes de trocar de roupa e desaparecer no mundo.

Mas para me por em movimento, preciso dar um tempo para minha rede de contatos estar preparada para me ocultar. Alguém precisa receber a peça de dominó antes.

Até lá, farei o jogo de Larsen. E enquanto faço este jogo, tentarei descobrir mais sobre a vida que Sofia anda levando lá fora. Preciso arquitetar um plano de tirá-la das mãos dele.

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Meu problema imediato: o implante. Eu o descobri a cerca de um mês e meio. Foi por acaso, durante o banho. Eles devem ter implantado num dos check-ups de saúde; costumavam apagar os agentes durante o processo.

Eles não queriam que soubéssemos onde tinham colocado o implante. O problema é que ninguém da minha equipe faz ideia de sua existência. A primeira coisa que preciso fazer, assim que escapar, é comunicar a equipe do problema. Eles precisam retirar os implantes, caso contrário, estarão em maus lençóis.

Eu mesmo não conseguirei dar dois passos fora da prisão, com um implante no quadril. Por isso, eu me viro para que as câmeras não tenham a visão do que estou fazendo. Ainda deitado, de olhos fechado, baixo a lima devagar rumo ao quadril e sem mudar de expressão, cravo o objeto pontudo até alcançar o diminuto dispositivo.

A dor é excruciante, e o sangramento, profuso. Contudo, eu estou virado para a parede e eles não podem ver. Irei cobrir o sangue com a manta e depois fecharei o macacão por cima. Só preciso de um chumaço de algodão (o qual arranquei do travesseiro, mais cedo) para colocar no lugar do corte. Vou segurar por um tempo, conterei o sangue, e quando secar, o algodão ficará preso até que eu possa colocar uma bandagem decente. Pelo que entendo da tecnologia envolvida nesses implantes, eles só irão notar a falta de sinal quando tentarem me rastrear à saída da prisão.

Larsen, você não perde por me esperar...

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