Capítulo 3
William Gordon tinha suas dúvidas quanto à sanidade de seu anfitrião toda manhã. Smith era um sujeito de educação irreprochável, mas era inaceitável ter de passar todo o dia com um traje completo na quentura daquela terra. Pelo amanhecer, apesar do clima estar fresco, não era incomum que o marquês se lavasse de todo, tirando do corpo com a água fresca o suor que se acumulara durante a noite. Sequer terminava de amarrar o lenço no pescoço e já sentia o suor escorrer pela pele, que assumira um tom mais avermelhado desde que chegara em terras brasileiras. Acostumou-se ao constante arder do nariz queimado pelo sol, mas não com o inferno de ter que pôr a casaca para tomar o desjejum com os Smith.
Seu sorriso se fazia ao olhar pela janela do quarto, que dava para o campo sem nenhuma grama, mas onde os cajueiros altos faziam sombra para o chão e para o alpendre da casa. Continuava com ele no rosto até encontrar Jane Smith no corredor amplo que levava à sala de refeições, admirando o rosto feminino se iluminar ao vê-lo. Tomava-lhe a mão com a mesma galanteia com a qual a tratava desde que pusera os olhos em sua figura, beijando os dedos finos sem a menor pressa em tirá-los de perto dos seus lábios, antes de finalmente pousá-los na curva de seu braço.
— Sempre um prazer imensurável encarar tamanha beleza antes do desjejum, minha querida Sra. Smith.
Não era uma mentira. Ser uma mulher alta não tornara Jane um espécime menos delicado de sua espécie. Uma língua mais cruel poderia dizer-lhe excessivamente magra, mas tinha curvas delicadas bem espalhadas pelo corpo e um olhar aceso que, apesar de azul, era gentil como o de poucos. O nariz de ponta arrebitada coroava um par de lábios finos, porém suaves quando sorriam, fazendo um bom par com as bochechas coradas pelo sol e boa saúde. Mais uma prova do pouco juízo do pobre Smith era não a cobrir com elogios constantes.
— Espero que tenha dormido bem, Meu Lorde. Esta noite os mosquitos estavam irascíveis em sua caçada.
— Não poderia ter dormido melhor, senhora. Felizmente, depois de me entregar ao sono não há muito que me faça acordar.
Nem mesmo o calor, mais incômodo do que qualquer mosquito para o marquês.
— Fico feliz que assim o seja. Meu querido John quase não conseguia dormir na nossa primeira semana aqui na fazenda. Assim como o senhor, chegamos depois das chuvas, e o tempo começava a ficar seco demais para os nossos costumes.
Era fácil entender o desconforto dos dois. Ele, passadas apenas duas semanas desde sua chegada, tinha suas dúvidas se teria sido tão clemente com o clima do interior se antes não tivesse passado uma boa temporada no Rio de Janeiro e na Bahia, onde o mar ajudava a tornar o calor mais ameno, apesar de a umidade ter suas desvantagens. O que continuava sem entender era o excesso de solenidades de John Smith, apesar de este condizer em todo com a opinião que tinha da maioria dos ingleses. Demasiadamente cerimoniosos, um pouco entediantes, mas almas de poucos pecados e corações valorosos. O homem sequer se entregara ao frescor dos ternos de algodão, quando William não via a hora de sair de suas vistas para, como um filho levado, livrar-se da casaca pesada e do lenço a lhe apertar o colarinho.
O café da manhã dali era o mais inglês possível. Nem sempre havia pão, mas os ovos eram religiosamente servidos junto ao bacon na mesa farta. O café em si era melhor do que o tomado no continente europeu. Por mais que a bebida fumegante não parecesse a melhor escolha para o início de um dia quente, parecia acordar o espírito e as atenções de Smith, enquanto Jane bebericava seu chá.
— Não sei se Meu Lorde já tem planos para hoje — Smith comentou ao servir-se com um pouco mais de linguiça —, mas pretendo passar a manhã no escritório. Tenho alguns papéis recém-chegados da Inglaterra que exigem minha atenção imediata. Espero não ser um inconveniente para vossos planos.
O homem lhe servira como um bom guia nas duas últimas semanas. Levara-o não apenas para conhecer a propriedade e o maquinário das terras onde estava, como também as fazendas vizinhas. Sem dúvida, as terras de Manoel Sousa foram as que mais lhe chamaram a atenção, pela extensão da lavoura e pelos olhos da filha do comerciante, mas seu dissabor pelo homem e a vastidão de outras terras e gentes para conhecer mantiveram William afastado daquela propriedade. Naquele curto espaço de tempo, porém, gostava de pensar ter feito uma boa amizade com os Silva.
As terras onde Antônio da Silva explorava a pecuária ficavam a quase uma hora de cavalo. O homem de baixa estatura tinha um sorriso fácil e uma fala boa de se ouvir. Parecia encantado que um marquês se interessasse por aquelas bandas do mundo e não se opunha em lhe ajudar a entender o sotaque do povo dali, corrigindo com boa vontade seus muitos erros na língua portuguesa. Era neto de portugueses, mas jamais pusera os pés fora do Brasil. Gostava mesmo era de estar na sua Rajada, como chamava a fazenda. Sua senhora, que atendia pelo nome de Catarina, era quase tão alta quanto Jane, mas as semelhanças entre as duas paravam por aí. Catarina da Silva era dona de coxas grossas, um quadril generoso e seios fartos. A compleição física robusta fazia jus à sua risada, que por vezes se fazia ouvir por quase toda a casa grande, por mais que quase sempre ela fosse vista ao lado do marido.
Fora junto aos Silva que William se sentira melhor acolhido. O casal tinha dois meninos e uma pequena. O mais velho não parecia ter mais do que dez anos de idade, mas montava em um animal quase tão grande quanto o que servia ao marquês desde sua chegada. Já perdera as contas das vezes que estivera na fazenda vizinha, e, ante a inesperada folga que Smith lhe dava de sua companhia, era para lá que seus pensamentos se voltavam.
— Não tem motivos para se preocupar. Penso em fazer uma visita ao bom amigo Silva. Da última vez que lá estive a senhora Silva ofendeu-se quando lhe disse que não os acompanharia no almoço. — Limpou os lábios e a barba antes de virar-se para Jane. — Se a senhora Smith assim o desejar, acredito que sua presença será ainda mais bem-vinda do que a minha junto aos vizinhos.
Observou-a desviar o olhar de si para o marido. Os dois passaram uns poucos segundos em uma conversa silenciosa, antes que ela se voltasse para o marquês com um sorriso.
— Como sei que Meu Lorde gosta de cavalgar pela manhã, pedirei que seu cavalo seja selado e que a charrete seja preparada para mim. Assim, caso a visita do marquês se estenda para muito depois do almoço, não ficará preso à minha disposição.
Um sorriso largo abriu-se nos lábios do marquês ao concordar com um menear de cabeça com os planos de Jane. Era uma mulher tímida, que corava com facilidade e tinha gestos sempre delicados, mas era esperta aquela inglesa. Smith era um homem de sorte em tê-la seduzido, e, naquele pouco tempo de convívio, William já percebera que ele sabia o ser, apesar da tolice inerente à sua personalidade.
Não demoraram muito depois do café da manhã para seguir pela estrada de terra batida rumo à propriedade dos Silva. Acatando a sugestão da Sra. Smith, William ia a cavalo, ao lado da charrete coberta que levava Jane, guiada por um dos criados, enquanto a poeira alaranjada os seguia por todo o caminho.
A casa grande da fazenda Rajada tinha dois andares, mas o padrão de paredes brancas ladeadas por um alpendre para ajudar com a sombra se mantinha. As árvores responsáveis por dar sombra ao terreno perto da propriedade eram, em sua maioria, frutíferas, uma preferência da dona da casa, como William já sabia. Foi o próprio Antônio quem os recebeu com um sorriso largo no rosto, antes mesmo que William pudesse descer do cavalo. Os dois homens se cumprimentaram com um forte aperto de mão, ambos se dirigindo à charrete de modo a ajudar Jane a descer.
— Espero que dessa vez o marquês nos dê a honra de ficar até o almoço. Minha Catarina não o perdoaria se mais uma vez você se recusasse a sentar na sua mesa.
— Assim o pretendo fazer, Silva. E trouxe comigo a Sra. Jane Smith, de modo a ser verdadeiramente perdoado por sua senhora.
A pobre Jane mal pôde conter o arregalar de olhos e o leve rubor que cobriu sua face ao ver que Sr. Silva cobria o torso apenas com uma camisa de algodão, mas tratou de esconder o constrangimento quando aceitou sua mão como auxílio para descer da charrete. Catarina, com a pequena escanchada nos quadris, se juntou aos três, trazendo um sorriso ao olhar da inglesa.
— Obrigada pela ajuda. É sempre um prazer poder visitá-los, Sr. Silva. Vejo que a pequena Antônia já cresceu muito desde a última vez que o fiz.
Constatou com um sorriso, segurando a saia do vestido para conter o impulso de acariciar a face rosada da menina, que tinha os olhos estreitos por conta do sol.
— Esta pequena fica maior a cada dia, Sra. Jane, mas não vamos ficar de prosa aqui fora que o sol está quente. Vamos entrando pra que vocês possam tomar algo antes que o Antônio leve o marquês para alguma parte antes do almoço.
A sugestão foi seguida de pronto. William não via a hora de poder, assim como Antônio, livrar-se da casaca, ao mesmo tempo que Jane pensava em um pretexto para pegar a pequena nos braços, por mais que soubesse que um simples pedido sem motivo já fosse o suficiente para que Catarina lhe confiasse a criança.
A manhã teria sido calma para Maria se, logo no café da manhã, Moacir não tivesse entrado na casa grande amassando o chapéu entre as mãos, esperando a autorização do patrão para falar.
— O que foi, homem? O gato comeu-te a língua?
Manoel perguntou sem muita paciência. Pousou sobre o pires a xícara ainda cheia de café para poder levar aos lábios um grande naco de tapioca de coco. Maria, por sua vez, meneou a cabeça de forma discreta, indicando estar atenta às palavras do homem por sobre a xícara de café.
— É o galinheiro de novo, seu Manoel. Sumiram mais duas galinhas de ontem pra hoje e outra tá toda despenada.
Moacir já se acostumara a fazer de conta que falava com o pai, mesmo que as palavras, na verdade, se dirigissem para a filha. Foi a vez de Maria pousar a xícara no pires, pedindo com o olhar mais informações. No dia anterior tinha mandado que um dos meninos dos estábulos ficasse de tocaia para saber que bicho estava incomodando as galinhas. Gente não era, as pobrezinhas não estariam tão alvoroçadas pela manhã se assim o fosse. Não demoraria para que nem um só ovo fosse posto, e Maria não queria pensar na reação do pai em tal caso.
— O menino que eu botei lá ontem à noite disse que tem certeza que é uma raposa, mas ficou com medo de espantar ela.
— Esse menino hei de ser abestado! — Pelo tom de voz, percebia-se que Manoel estava irritado. — Resolvam isso ainda hoje. Não quero mais saber de nenhum bicho roubando minhas galinhas. E tome de conta para que não vá incomodar os cavalos também.
O índio balançou a cabeça positivamente para o patrão, antes de olhar baixo para a patroa. Não havia como um menino, desarmado, espantar sozinho uma raposa, mesmo se ela não fosse grande ou o menino menos medroso. Não era um serviço para uma criança, por mais que seu pai gostasse de ignorar tal detalhe. Não precisou pensar muito para saber qual a melhor solução para o causo, por isso, tão logo Manoel calou-se, ela se virou para ele, sugerindo em voz baixa.
— Talvez seja melhor que meu primo Ubiratã lide com isso, meu pai. Ele pode rastrear o animal e dar um bom fim pra ele.
— Oraaa...
Não obstante o carinho que a filha sentia pelo indiozinho, Manoel bufou ao ouvir a sugestão. Se aquele ingrato fosse menos selvagem, não teria se irritado tanto com a sugestão da filha em chamá-lo. Um tiro no meio da testa do animal insolente era o suficiente, mesmo que não fosse de todo fácil acertar tal tiro no escuro, em meio às galinhas. Tinha que concordar que o melhor caçador que conhecia por aquelas bandas era Ubiratã. Rosnou mais uma vez em desaprovação, antes de olhar para a filha com os lábios apertados sob o bigode.
— Faça como quiser, mas não me venham mais com esse assunto das galinhas.
Maria assentiu enquanto o pai sacudia a mão ao lado do rosto, dispensando Moacir antes de se voltar para o café quase esquecido. Mordeu os lábios para não sorrir ante a autorização dada pelo pai para procurar o primo. Conteve a animação até sair da mesa, sem se importar com o sorriso largo nos lábios ao dar de cara com Mãe Nadi.
— E esse sorriso, minina?
— Vou atrás do meu primo. O pai disse que ele pode resolver o problema com as galinhas.
— Moacir disse que era uma raposa. Teu pai num é besta! Daqui a pouco ele volta a falar direito com o Ubiratã e vocês voltam a viver grudado por aí.
— Que Deus a escute, Mãe Nadi!
Disse antes de correr para fora de casa, sendo seguida de perto pelos cachorros. Precisava de Moacir para selar seu Trovão. Ubiratã fora seu companheiro de traquinagens até o pai a levar do Siará para Portugal. Mais velho do que ela somente um ano, era filho de uma irmã de sua mãe, a quem Maria jamais chegou a conhecer.
Isabel Cristina tomou para si a responsabilidade pelo sobrinho quando a irmã morreu no parto. Quando a esposa morreu, Manoel não teve a mesma consideração para com o indiozinho que ensinou Maria a subir em árvores e montar escanchada. Deixou-o no Siará sob os cuidados do administrador da fazenda, mas não teve como tirá-lo do coração de sua filha. Quando se reencontraram, com a volta de Maria ao Brasil, o mesmo afeto que os uniu na infância se fez presente, e não houve dia no qual Maria não andasse ao lado do primo, entendendo os pormenores de como a fazenda havia se mantido durante seu afastamento.
No começo, Manoel não maldou a proximidade entre os dois, mas não tardou a tomar consciência de que a filha já era uma mulher, bem como a achar que Ubiratã sabia demais sobre a fazenda e sobre os homens. Não gostava de como Moacir e os outros se dirigiam primeiro a ele antes de cumprir uma ordem. Muito menos de como aquele atrevido estava sempre a um passo da insolência, desafiando sua autoridade como se fosse dono daquelas terras por ter nelas morado por toda a vida. O dono era Manoel, que não demorou a colocá-lo em seu devido lugar e convencer a filha a não andar enrabichada com Ubiratã todos os dias com a ponta do chicote. Não conseguiu os afastar de todo, mas o suficiente para acalmar seu espírito.
Ubiratã tinha construído para si uma casa pequena, já fora dos limites da fazenda de Manoel, mas não muito distante destes. Maria tinha dois caminhos para chegar até ele. Se seguisse pela estrada de fora, bem pavimentada, levaria muito mais tempo do que o necessário no caminho. A trilha por dentro da propriedade de seu pai estava quase fechada pelo pouco uso, mas Maria conhecia seu caminho, bem como a distância a ser percorrida era muito menor. A ponte sobre o rio não estava tão velha que não aguentasse a ela e ao cavalo. Foi a confiança em si e o dia claro que a fez se decidir pela trilha, apesar da desaprovação no olhar de Moacir quando viu para onde a patroa trotava alegre.
Um homem de orgulho não permitiria a si mesmo viver de favores. De bom grado, Maria o teria ajudado não apenas em construir uma casa nova, mas também a arcar com todas as suas necessidades. Ubiratã, à revelia dos desejos da prima, não aceitou um só pote de barro vindo das terras de Manoel. O velho poderia ser dono da maior propriedade das redondezas, mas não era o único, bem como a cidade não estava longe. Passou mais de um ano para poder dormir em uma rede armada na sua própria casa, mas orgulhava-se de ter erguido as paredes de taipa com a força do próprio trabalho. Fosse ajudando na colheita, fazendo algum comércio na feira da cidade ou ajudando os donos das fazendas nas pequenas tarefas, ganhava a vida, e descobriu-se gostando de não ser empregado de ninguém.
A primeira visão de Maria ao se aproximar da casa do primo foi a vara lisa e pesada cortando o ar em um zunido antes de chocar-se com força em um pedaço de couro amarrado entre dois troncos. Ubiratã amaciava a peça recém-curtida com força e cuidado, com o torso nu de roupa e de pelos brilhando sob o sol que esquentava. Demorou um pouco para perceber o olhar da prima que saiu da trilha da mata para lhe acompanhar os movimentos e sorriu quando finalmente o fez, largando a vara de qualquer jeito no chão antes de se aproximar do velho Trovão com um sorriso nos lábios.
— Achei que tivesse esquecido que tem um primo por essas bandas. Faz quase um mês que não te vejo.
— Claro que não o esqueci! — disse antes de saltar do lombo do cavalo. — Quase vinha na semana passada, mas tivemos visita em casa e meu pai não teria me deixado sair.
Maria seguiu o primo para amarrar Trovão em uma das árvores mais próximas à casa, o que fez antes de perguntar curiosa.
— De quem é o couro?
— Do seu Antônio da Silva. Tava terminando de tratar prumodi levar para ele.
Ela sorriu ao escutar o nome do vizinho que, porventura, tinha como compadre. A menção fez com que ela lembrasse das duas pestes espertas das quais ele era pai e de quem ela muito gostava, assim como da sua pequena afilhada. Fazia tempo que também não os visitava, e seria bom ver os Silva novamente na companhia do primo. De bom grado passaria a tarde na companhia de Catarina e da pequena Antônia, isso se Quincas, o menino mais velho, não cismasse em misturá-la em suas brincadeiras.
— Pois não vou atrapalhar teu trabalho. Vim para vê-lo e porque preciso de um serviço teu. Tem uma raposa assustando as minhas galinhas. Já levou cinco delas.
Caminharam lado a lado para perto do couro. Maria se manteve a uma distância segura, enquanto Ubiratã, mais uma vez, erguia a vara para bater na peça.
— Teu pai quem te mandou?
— Foi.
Com o tempo, o rancor havia diminuído. Se pudesse, Ubiratã evitava Manoel, mas não pretendia aborrecê-lo mais do que o necessário, ainda mais quando a prima estava envolvida. Não valia a pena uma nova intriga quando em muito o velho poderia atrapalhar a vida de seus desafetos.
— Hoje à noite vou lá ver se ela aparece — disse entre uma pancada e outra no couro. — Se for fêmea, não vou matar, mas dar um jeito de soltar ela longe das galinhas do seu pai.
— Eu sabia poder contar com você. Obrigada.
Maria agradeceu com um sorriso, mantendo-se quieta até, mais uma vez, o primo soltar a vara no chão, dessa vez em caráter definitivo. Foi entre conversas leves que Ubiratã arrumou a peça para ser entregue ao dono, antes de guiar a prima para dentro de casa. Serviu-lhe água fresca do pote de barro, e Maria contava sobre quando a raposa tinha aparecido pela primeira vez e da visita do marquês — sem deixar de fora o desagrado que tivera ao conhecê-lo.
— Não me parece um homem ruim. Já tinha ouvido falar dele, mas nunca o vi. O próprio Antônio me pareceu gostar muito desse cabra.
— Pois ele não me agrada.
Disse teimosa, fazendo o primo rir antes de levantar. Não valia a pena discutir com ela. Tinha que banhar-se antes de ir entregar sua encomenda, e não demorou a ir fazê-lo.
Limpo, vestindo calças quase novas e uma bem lavada camisa de algodão, Ubiratã fazia uma boa figura cavalgando ao lado de Maria. Não havia nada que denunciasse o parentesco entre os dois. A pele dela era mais clara e as vestes, ainda que simples, de melhor qualidade. Cavalgavam com mais ligeireza do que seria sensato pela estrada que ia até a Fazenda Rajada, numa corrida cheia de risadas para saber quem chegaria primeiro.
Ubiratã não fazia questão da pele mais clara da prima, nem mesmo das vestes de melhor qualidade. Tinha aquilo de que Maria mais sentia falta: liberdade. Por isso alegrava-se de vê-la animada sobre o lombo do cavalo. Tomara para si o dever de lhe cultivar os sorrisos, porque sabia que ela não tinha muitos motivos para tal em casa. Talvez até deixasse que a prima ganhasse a pequena competição entre os dois, só para ver a alegria dela ao descer do animal.
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