33.

"'Cause I need more time, yes I need more time just to make things right..."


Eduardo e Luíza


Luíza chegou em casa transpirando, apesar do frio atípico que fazia. Ela não tinha ideia que Fabrízio era tão pesado quando resolveu carregá-lo para a casa. Quando percebeu a besteira que havia feito, mudou de trajeto e o levou para a sua própria casa, que ficava na metade do caminho.

Ela entrou de fininho e sem fazer barulho, subindo as escadas com o restante de energia que ainda tinha. Jogou o baixista na cama e sentou-se exausta na escrivaninha. Passou uns bons 10 minutos respirando fundo e com a boca aberta. Após sua recuperação, ela resolveu beber alguma coisa. Desceu para a cozinha e ficou em dúvida entre água e whisky.

No final, Luíza ficou com o whisky.

Tomou dois dedos com gelo em um gole só e subiu para o quarto novamente. Fabrízio estava de lado na cama, babando no travesseiro rosa. Luíza sorriu e foi até o moreno. Retirou seus sapatos e o cobriu com seu cobertor favorito; o mesmo que os cobriu juntos diversas vezes.

A morena tirou os saltos e suspirou.

Ela estava preocupada com os amigos, todos eles. Mas estava louca de preocupação com Eduardo... onde diabos ele havia se metido, machucado e bêbado?

A morena vasculhou a bolsa a procura do celular e, quando o encontrou, saiu do quarto descalça e desceu as escadas. Abriu a porta de correr da sala de estar que dava para o jardim dos fundos e sentou-se em uma cadeira de madeira, totalmente camuflada no escuro. Abriu o celular e, além da lua, aquela era a única luz em um raio de quinhentos metros. Ela discou rapidamente o número de Eduardo, que estava nomeado como "Aquele Que Não Deve Se Atendido" e esperou. Quando caiu na caixa postal da primeira vez ela não se exasperou. Provavelmente ele não ouviu, ela pensou, discando novamente. Porém, após a quinta caixa de mensagens, ela tinha a certeza de que ele não a atenderia.

Puta que pariu, Luíza olhou em volta, não enxergando nada. O que eu faço agora?

Como se as suas pernas mandassem em seu corpo, a morena levantou no escuro e entrou de volta na casa. Calçou as botas da mãe, que estavam jogadas no hall de entrada, e saiu para a rua. Deveria estar ridícula com o vestido social e as botas cor de caramelo, mas, pela primeira vez na vida, ela não se importou muito com a sua aparência.

Avistou o ônibus universitário apontar na esquina e correu até o ponto.

Ela teria Eduardo de volta.


XXX


Bruno saiu da festa sem se despedir de ninguém. E, mesmo se ele quisesse se despedir, não conseguiria; aquelas malditas máscaras o impediam de reconhecer os amigos.

Além disso, ele evitou ao máximo fazer contato visual com qualquer um que passasse, pois não queria encontrar Carolina e ter que se justificar pelo sumiço. Só o pensamento de encontrá-la fazia o seu estômago embrulhar.

Bruno se sentira um pouco rejeitado dentro do ônibus universitário cheio de casais e jovens bêbados. Ele estava com a cabeça apoiada no vidro e olhava os postes de luz passarem por ele como borrões. Era provavelmente a última corrida do motorista e ele com certeza estava desesperado para chegar em casa, pois Bruno nunca havia andando em um ônibus tão rápido.

- E então nós esperamos os pais dela dormirem e fizemos na sala! - um garoto de uns 15 anos contava vantagem para seus amigos no banco de trás, que riam e exclamavam a cada reviravolta da sua noite insana, relatada detalhe por detalhe. - Caramba, se eu soubesse que ela seria tão fácil teria feito isso antes!

Bruno lembrava-se de contar vantagem para os amigos no dia seguinte em que transou com Rebecca.

Caralho, os peitos dela... os peitos dela são insanos! ele disse a Fabrízio e a Eduardo, que pulavam na cadeira querendo ouvir mais sobre os atributos físicos da maravilhosa Rebecca. E o boquete então? Do caralho, do caralho...

Ele se sentia culpado agora, mas, naquela época, as coisas eram diferentes. Ele era imaturo e idiota.

Mas será que ele não continuava imaturo e idiota aos quase 18 anos? Porque se ele não fosse, estaria na cama de Rebecca naquele momento, tendo a mesma sensação de felicidade completa que tivera na primeira e única vez em que eles transaram.

Como ele pôde tê-la deixado escapar? Como ele pôde ter mentido para si mesmo por tanto tempo?

O loiro suspirou e embaçou o vidro, desenhando círculos com o dedo.

- Ela tá na minha, ela tá na minha - o garoto continuou. - Vou deixar ela no banho maria. Algum dia eu posso precisar dela...

Imbecil, Bruno pensou. Mal sabe ele que algum dia ela é que não vai querer mais nada e ele vai sentar no ônibus, olhando pela janela, e pensando em como foi idiota em deixá-la escapar.


XXX


Luíza chegou esbaforida no prédio em que Eduardo e Bruno dividiam o apartamento. Subiu as escadas como uma sombra e deu três toques baixos na porta de madeira. Como não obteve resposta, bateu mais forte.

Ainda nada.

Ela procurou a chave embaixo do tapete e ela não estava lá.

A morena começou a sentir um desespero nunca antes sentido apossar-se de todo o corpo. Suas pernas começaram a tremer e, quando ela percebeu, estava sentada na porta do apartamento, dando batidinhas contínuas com a nuca na porta e pensando no ritmo: idiota. Idiota. Idiota.

Ela mal percebeu Bruno parado no hall, olhando aquela situação deplorável e sentindo-se um pouco melhor por não ser o único humilhado e triste naquela noite.

- Lu - ele disse e a morena não parou de bater a cabeça na porta -, você está legal?

- Eu pareço estar legal, Bruno? - ela levantou o rosto de modo ameaçador.

- Não muito - o guitarrista foi até ela e estendeu a mão. Luíza a agarrou com força e se levantou. - Quer conversar sobre isso?

- Quero - ela disse. Por mais que Bruno não fosse tão próximo assim dela, aparentava ser bastante confiável e um tanto quanto lúcido. E conselhos lúcidos era o que ela precisava naquele momento. - Mas sentada no seu sofá, se for possível.

- Com essa chave - ele tirou a chave do bolso interno do smoking - tudo é possível.


XXX


- ...e foi isso o que aconteceu - a morena terminou de contar toda a sua história de triângulo amoroso com Eduardo e Fabrízio, inclusive o fato de que o baixista era papai e que Eduardo havia transado com Raquel. Acabada a narrativa, ela colocou os dois pés em cima da mesa de centro da sala e começou a roer as unhas. - O que você tem a dizer sobre a minha situação?

Bruno coçou a nuca e respirou fundo.

Nunca sabia como dizer a verdade para uma mulher sem incitar sua fúria logo em seguida.

Ele então optou por ser mais delicado. Afinal, mais drama era a última coisa que ele precisava no momento, e ele ainda estava muito perplexo com o fato de que Fabrízio Pontes era pai para pensar em algo realmente racional para dizer.

- Eu acho que você deveria esperar as coisas esfriarem um pouco - ele deu de ombros, tragando o último baseado do se estoque e segurando a fumaça no peito. Com a voz um pouco amarrada, continuou. - E eu acho que o Fabrízio vai ser o pior pai do mundo.

Os dois riram juntos e Bruno deixou a fumaça escapar.

Assim que o acesso de risos acabou, Bruno descartou o baseado e recostou-se na cadeira que havia arrastado da cozinha para a sala.

- E a Rebecca - ele começou e Luíza já entrou no modo defensivo. Bruno e Rebecca eram um assunto sobre o qual ela não gostava de conversar. A morena não entendia os dois e nunca iria entender -, falou com ela na festa?

- Não encontrei com ela - ela respondeu seca, pigarreando logo em seguida.

Bruno percebeu que aquele era um terreno onde não deveria pisar, mas continuou mesmo assim.

- Eu falei. Nós nos beijamos.

Luíza continuou muda, olhando um pouco enraivecida para Bruno. Ela estava um tanto quanto cansada de ter de ouvir Rebecca chorar em seu ombro, lamentando-se de como os lábios de Bruno eram macios e do quanto ele era cheiroso.

- Mas então ela saiu correndo - Bruno omitiu o fato de que ele havia enganado a amiga, fingindo ser outra pessoa. - Acho que ela ainda está com aquele tal de João...

- Ah, pelor amor de Deus, Bruno! Ela não está com João nenhum! - Luíza jogou os braços para cima, estourando. - Ela te ama! Ela sempre te amou! E não se faça de idiota; você sabe muito bem disso.

- Então porque no dia que João me deu uma surra ela voltou com ele? - Bruno quis saber, irritado.

- Ela não voltou com ele! Ela terminou com ele! Como você pode ser tão estúpido, Bruno?

Bruno ficou mudo, sem saber o que dizer.

- Eu não sei se os homens são realmente burros ou se eles se fazem de burros - a morena revirou os olhos -, mas de uma coisa eu sei: se não fosse por nós, mulheres, sempre empurrando e direcionando vocês, nós ainda estaríamos vivendo na idade da pedra!

- Ah, qual é! Ela me passou todos os sinais errados! - Bruno franziu o cenho. - Não me venha com esse papinho sexista.

- Todos os sinais errados? Bruno, ela não mandou você tomar no cu quando você tirou a virgindade dela e no dia seguinte disse que não queria mais nada. Ela não te mandou tomar no cu quando você começou a namorar a maior babaca do Ensino Médio. E ela não te mandou tomar no cu por ser um babaca sem coração quando você pediu ajuda para ela para reconquistar Carolina. Então não me venha você se fazer de vítima agora! Você errou, e errou feio! E agora vai ter que penar um pouco para poder ganhar a confiança dela de volta.

- Me diga como - Bruno então passou de defensivo para desesperado. - Por favor, me diga como. Acho que eu não posso viver sem ela. É sério, eu não estou sendo dramático. Eu sinto dores físicas quando ela não está por perto!

- Isso você vai ter que descobrir sozinho - Luíza deu de ombros. - Rebecca pode ser muito imprevisível quando quer.

- Ah, eu sei bem disso... - o loiro suspirou. - Acho que vou ter que dar um jeito de me desculpar com estilo...

- Com certeza vai!

- Mas e você? Vai fazer o que? - Bruno mudou de assunto, já um pouco cansado de receber na cara todas as merdas que havia feito para Rebecca.

- Vou me deitar neste sofá - a morena deu dois tapinhas no sofá onde estava sentada - e esperar Eduardo chegar.

- Boa sorte com isso - Bruno levantou-se da cadeira e espreguiçou-se. - Eu vou dormir que estou morto. Amanhã começo a missão "reconquistar Becca". Mas preciso estar descansado para isso. Tem alguns cobertores no armário do Eduardo caso você precise.

- Obrigada, Bruno. Você foi de grande ajuda.

Bruno sorriu. Ele sentia-se bem quando ajudava alguém.

Ele estava entrando em seu próprio quarto quando Luíza gritou da sala, concentrada em arrumar o sofá em que dormiria.

- Mas se magoar a minha amiga mais uma vez, eu corto o seu pinto fora.

Ele engoliu a seco e fechou a porta atrás de si.


XXX


Ana estava deitada de barriga para baixo na frente da porta de Daniel. Tentava olhar pela fresta da porta, mas tudo o que enxergava era o breu do apartamento.

Mas ele estava lá. Ela sabia que ele estava lá. Ela ouvira barulhos virem de lá de dentro.

Ele só não queria recebê-la. Ele estava magoado com ela.

A loira sentou-se com pernas de índio em frente a porta e voltou a bater nela.

Ela não sabia há quanto tempo estava lá, mas faria Daniel sair. Nem que fosse pela força.

Daniel, do outro lado da porta, estava deitado no sofá da sala olhando para o teto. Ou pelo menos o que deveria ser o teto, já que a escuridão do apartamento não permitia que ele o visse realmente. Mas de tanto passar tempo ocioso ali, ele sabia onde estava a rachadura perto da lâmpada e a marca de um pernilongo extraordinariamente gordo que ele matara há pouco tempo atrás.

Ele ouvia as batidas de Ana mas não se mexia. Estava cansada de dramas, loucuras e instabilidade. Perdeu a festa inteira de sua própria formatura procurando por ela e agora a louca estava do lado de fora esmurrando a porta.

- Qual é, Daniel, eu sei que você está aí - ela disse, a voz saindo abafada pela porta. - Eu quero conversar. Me desculpe, eu tenho agido como louca.

E põe louca nisso.

- Eu quero me explicar! Eu entendi tudo errado... por favor, só abra a porta. Eu estou me sentindo realmente idiota aqui.

Eu também me senti bem idiota depois que você foi embora do meu apartamento sem mais nem menos. E mais idiota ainda enquanto recebia cerveja quente na cara.

- É sério, Daniel. Por favor.

Daniel balançou um pouco com o pedido. Mas não abriu a porta.

Ele não aguentava mais aquela loucura.


XXX


Raquel chegou em casa destruída; só não chorava mais porque desconfiava que não tinha mais o que chorar - as suas lágrimas já haviam secado.

Ela se arrastou até o andar de cima e entrou em seu quarto. Viu o berço de Camila e foi até ele. A ruivinha dormia tranquilamente com as duas mãos no coração, respirando no compasso.

Raquel suspirou. Aquela garotinha linda era o fruto do amor que ela um dia tivera com Fabrízio. E ela desconfiava que seria a última prova de que algum dia eles se amaram.

A ruiva pegou o seu pequeno clone de dentro do berço e deitou-se na cama com ela, de vestido e tudo. A garotinha se remexeu um pouco mas logo voltou a dormir. Raquel abraçou-se a ela como um travesseiro e fechou os olhos. Ela tinha o cheiro de Fabrízio.

As duas ruivas dormiram juntas aquela noite.


XXX


Bruno estava deitado de barriga para cima olhando para o teto. Com o celular na orelha, ele contava o número de "tu's" que ouvia. Décimo primeiro... décimo segundo...

Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens e estará sujeita a cobrança após o sinal.

Caixa de mensagens de cu é rola, o guitarrista pensou irritado, apertando o botão vermelho. Então tentou ligar mais uma vez.

Perdera a conta de quantas vezes havia tentado ligar para Rebecca desde que entrara no quarto. Mas sabia que já estava na casa das dezenas.

Não conseguia tirar da cabeça a imagem da morena saindo correndo do baile e o deixando sozinho.

Sabia também o quão horrível se sentia depois do discurso de Luíza. Rebecca havia desistido de João por ele e ele não conseguiu nem perceber que ela estava afim dele durante todo aquele tempo.

Ou pelo menos não conseguiu admitir para si mesmo.

Vamos lá, Rebecca... me atenda...

João. Ele não conseguia pensar em João sem sentir um arrepio subir pela espinha. Tinha algo naquele cara que não agradava Bruno nem um pouco. Ele tinha cara de louco, cara de quem poderia fazer alguma besteira. Se por só um beijo ele quase havia o matado, imaginava o que ele não faria após ser rejeitado.

Ele não gostava nem de pensar em Rebecca nas mãos daquele maníaco.

O telefone caiu na caixa mais vez e Bruno desistiu. Teria que tentar novamente no dia seguinte. E no dia seguinte. E no dia depois desse. E só desistiria quando Rebecca desistisse de tentar ignorá-lo e o respondesse.

Ele teria a sua melhor amiga de volta. Nem que tivesse que passar por cima de qualquer cara para isso.

E ele não podia negar que dar uma surra em João seria uma boa vingança.

Mal sabia ele que a sua vingança estava mais perto do que ele imaginava.


XXX


Eduardo chegou em casa e jogou as chaves no pote de vidro que ele e Bruno deixavam ao lado da porta justamente para essa função. A chave fez barulho contra o vidro, mas ele não sei importou.

Entrou no apartamento e tirou os sapatos. Foi até o lavabo e observou o curativo na boca. Cutucou um pouco e parou quando começou a sentir o machucado coçar. Voltou até a sala e suspirou. Passara a noite inteira no hospital esperando para receber alguns pontos e estava desmaiando de sono.

Ele ia esperar por Luíza na frente do salão. Ele queria que as coisas dessem certo entre eles, principalmente agora que Fabrízio já sabia de tudo. Ele queria que ela fosse a sua namorada, podendo andar de mãos dadas com ela pelas ruas e levá-la ao cinema, como uma namorada deveria ser tratada.

Mas, ao mesmo tempo, ele precisava esfriar a cabeça. Sabia que tomaria alguma decisão precipitada e não queria se arrepender das coisas. Eduardo considerava o arrependimento o pior sentimento de todos.

Ele estava para sentar no sofá e acender um cigarro quando viu um corpo imóvel embaixo do seu cobertor limpo.

Caralho, Bruno, eu mandei lavar esse cobertor semana passada! ele pensou, descobrindo o corpo adormecido. Se você vomitou ou bateu punheta aí embaixo eu juro que...

Os pensamentos de Eduardo se desmancharam quando ele encontrou Luíza e não Bruno deitada no sofá. Ele soltou o cobertor no mesmo instante, como se ele pegasse fogo, e deu dois passos para trás.

O moreno olhou em volta, tentando entender a situação, mas só havia uma explicação possível: ela estava ali esperando por ele. Portanto, ele deveria acordá-la e conversar sobre como ficariam as coisas a partir daquele momento.

Entretanto, ele não fez isso. Ao contrário, ele andou em marcha ré até a porta de entrada e a fechou atrás de si. Ele ainda precisava de tempo.

Ele precisava de muito tempo.

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