Capítulo 21 - Estou tentando recomeçar...


Sábado sempre foi um convite para correr no parque. Eu saboreava o calor que me ajudava a eliminar todas as minhas angústias a cada exercício que eu praticava. O tempo quente sempre me pareceu um convite para ações extremas, e, como eu passava por situações surreais em minha vida, os raios de sol justificavam muito bem o meu emocional. Deixar Yuri fazer o que bem entendesse com as garotas da boate era demais para mim. Eu precisava me controlar para não ir direto nele e socá-lo até perceber o quanto ele era idiota com aquele tipo de comportamento. Deixar Lúcia nas mãos daquele crápula, por outro lado, foi arriscado demais e me deixava com um misto de perplexidade, vergonha e não podia negar, muito medo de que algo mais grave acontecesse. Gostaria de não ter me envolvido com ela, mas ao mesmo tempo, eu não conseguiria ficar muito tempo longe. Pensava em uma maneira de esquecê-la, movendo-me ainda mais rápido na corrida, mas sabendo que seria impossível algum resultado positivo. Refletia sobre Lúcia e me perguntava o que ela estaria pensando a meu respeito, se revivia nossos momentos juntos várias e várias vezes, como eu. Era melhor não pensar nisso. Mas, mesmo assim...

Meu celular tocou.

Parei perto de um banco, ofegante e o atendi.

− Fala Fred.

− Oi, Thomas. Vendi seu apartamento.

Ai, merda! Esqueci de cancelar a venda com meu irmão. Já que eu não conseguiria resolver o problema da Lúcia com Yuri, não tinha mais motivo algum para qualquer tipo de negócio.

− Hum. Vendeu rápido mesmo. Alguém que eu conheça?

− Eu comprei.

Eu ri.

− Você?

− Eu mesmo. Por que? Achou que só você tinha grana na família?

− Não. É que... Bem, eu queria cancelar a venda.

− O quê? Como assim? Você estava louco para vender...

− Desculpe, Fred. Mas, não vou precisar mais do dinheiro. Meu projeto falhou.

− Ah – eu pude perceber a decepção na voz do meu irmão. Realmente ele estava interessado no meu imóvel.

− Posso saber por que tanto interesse nesse apartamento?

− Claro. É que o seu apartamento é um ótimo investimento. Logo terá uma linha do metrô ai próximo e o imóvel será muito bem valorizado. Bem, se mudar de ideia me avise. Eu ainda tenho interesse.

− Claro. Será o primeiro a saber.

− A propósito, posso saber qual era esse seu projeto tão urgente? – Fred perguntou.

− Digamos que seria um investimento para o futuro.

− Está pensando em se casar, Thomas?

Eu ri.

− E desde quando precisamos vender um apartamento para pensar em casar?

Fred riu alto do outro lado da linha.

− Fala a verdade.

− Eu acho que tão cedo eu não vou me casar com ninguém, Fred.

Ele suspirou.

− Tudo bem, Thomas. Volto a repetir. Se mudar de ideia, me ligue.

                                                                                                ***

Voltei para casa, tomei um banho e fiquei olhando pela janela da sala, vestido com meu melhor moletom e a camiseta do Capitão América. Sem ter aonde ir, experimentava um tedioso sentimento por não saber o que fazer da minha vida. Mesmo sentindo que pelo menos eu tinha que ficar longe dela, não podia suportar o sufocante vazio do meu apartamento. Calcei o tênis e resolvi caminhar pelas ruas de São Paulo. O sábado claro e turbulento, quente o suficiente para me fazer transpirar, me deixava mais calmo. O vento forte soprava em mim, refrescando-me por baixo da camiseta. Cruzei os braços no peito e virei o rosto para o sol, tentando não pensar que lugar era esse para o qual eu sabia que estava indo.

A Avenida 23 de maio sempre cheia de vida, barulhenta com seu tráfego intenso do meio do dia, me acalmava de uma certa maneira. Não sei por quanto tempo eu andei, mas quando me dei conta, eu estava em frente ao prédio da Lúcia. Tomei coragem para chamá-la, quando ela abriu o portão social, parecendo tensa e agitada. Puxava uma mala de rodinhas e uma valise pequena. Queria correr para ela, pegá-la em meus braços e beijá-la por uma hora, até toda essa loucura acabar para vivermos somente eu e ela outra vez e planejarmos o próximo passo juntos. E eu faria isso se não fosse por esse medo incômodo de machucar mais gente do que eu imaginava. Nós nos olhamos, cada um tentando determinar essa nova posição na nossa realidade.

− Oi – ela disse, soltando a mala ao lado do corpo e colocando a valise em cima.

− Oi.

− O que está fazendo aqui?

Seu perfume me embriagou naquele instante, deixando meus nervos à flor da pele.

− Estou caminhando – olhei para a mala. – Vai viajar?

− Só por dois dias.

Balancei a cabeça sem saber o que dizer.

− Preciso perguntar uma coisa.

Ela fechou os olhos.

− Não, Thomas, por favor.

− Você nem sabe o que é.

− Sei sim – respondeu ela com a voz trêmula. – Mas eu não posso te dar a resposta que você deseja agora.

De repente, comecei a sentir falta de ar.

− Por quê? – perguntei com a voz parecendo mais um sussurro.

Demonstrando nervosismo, ela prendeu o cabelo em um rabo de cavalo mal feito.

− É o meu trabalho, Thomas. Eu sei bem aonde as coisas estão me levando, e você também sabe. Não posso largar tudo agora. E detesto o fato de ter que repetir isso para você toda vez que nos encontramos. Você não é pra mim.

− Ouça. Eu estou completamente apaixonado por você e não sei como lidar com essa separação entre nós.

Lúcia balançou a cabeça com determinação, mesmo com as lágrimas chegando.

− Eu não posso te ajudar em nada – ela replicou.

− Eu não entendo. Como você pode viver assim? Isso é escravidão.

Ela me olhou, aflita.

− Não é uma escolha minha – disse ela com suavidade. – Eu não tenho como sair dessa. E, se eu não fosse stripper, você não estaria aqui. Nós só nos conhecemos porque eu esperava o Yuri no aeroporto no dia em que você embarcou para Nova York. Ele voltava do Rio de Janeiro e queria que eu estivesse o esperando, como se fôssemos namorados. Eu sou obrigada a fazer tudo o que ele quer. Eu não tenho vida própria, não respiro sozinha e não posso fazer o que quero.

− Lúcia... – comecei a falar, mas não sabia o que dizer.

− Não é uma escolha minha – repetiu ela. – E sabe qual é a pior parte?

− Não.

− Eu sinto muito a sua falta. O seu toque. Seu sorriso. Seu carinho por mim.

Peguei nas mãos dela.

− Mas você não precisa sentir – disse, implorando. – Fique comigo. Yuri não precisa saber de nada.

Ela pressionou a testa contra a minha, os olhos fechados.

− Não posso – ela sussurrou.

Depois de um instante, Lúcia soltou minhas mãos e pegou a valise e a mala.

− Tenho que ir.

− Eu vi o Yuri bater na garçonete ontem.

Ela franziu a testa.

− Ele quer que Rebeca dance no palco - ela disse. - Mas, a garota só quer trabalhar no bar para garantir o dinheiro do aluguel . Ela e o irmão ajudam a mãe que tem câncer. Eles precisam muito do emprego. Yuri não quer saber de nada disso. Ele simplesmente quer que as coisas sejam do seu jeito e pronto.

− O irmão dela é o barman? – perguntei.

− Ele mesmo. O Ryan. É muito difícil aceitar, Thomas, mas não temos escolhas.

Dei um passo à frente e coloquei meu braço ao redor dela.

− Posso telefonar para você?

− Melhor não, Thomas. Estou por um fio. Não dificulte as coisas.

Então, eu dei um abraço nela. Meus dedos subiram e enroscaram em seus cabelos presos pela última vez.

− Eu te amo, Lúcia – sussurrei em seu ouvido. − Seja lá o que isso signifique para você, eu sei muito bem o que significa para mim.

Pelo mais breve dos instantes, ela segurou em minha cintura com a mão livre com mais força do que o normal. Fechei os olhos e ela me soltou de novo. Abri os olhos e logo vi que Lúcia levantou a cabeça para poder beijar meu rosto, depois sussurrou.

− Adeus, Thomas. 

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