Capítulo 11 - Será que eu vou ficar com ela?
Só quando entrei no taxi foi que me dei conta de que não sabia o que fazer. Peguei o celular e liguei para João, porém, mesmo que ele fosse um grande amigo, eu não poderia dizer o que realmente aconteceu comigo.
− Cara, são sete e meia. Não me diga que esqueceu a chave do escritório novamente – ele disse.
− O quê? Não. Eu... Eu fui assaltado – menti.
− Como assim? Onde você está?
− No taxi. Vou pra casa.
Logo vi que o taxista me observou pelo espelho retrovisor.
− Está falando sério?
− Tão sério quanto você não transa há um tempão.
− Você está bem?
− Um olho roxo. Um lábio inchado. Uma costela dolorida. Uma língua cortada. Esse é o saldo.
− Eles te bateram?
− Acabei de te passar o saldo, cara.
− Estavam em quantos?
− Dois.
− Levaram sua carteira?
− Eu não deixei.
− E não estavam armados?
− Não. Por isso não levaram nada.
− Quer ir ao médico? Posso te levar agora mesmo...
− Não precisa. Eu estou bem. Vou tomar um banho e descansar um pouco. Amanhã volto ao trabalho. Ah! Os processos estão na minha gaveta.
Ouvi João suspirar.
− Se cuida, cara. Se mudar de ideia quanto ao médico, me ligue.
− Valeu, João.
A voz de meu amigo abriu as comportas da culpa, começando a fluir como uma onda gigante. O que havia de errado comigo? O que será que estava me levando a não ter coragem de contar toda a verdade para meu melhor amigo? Alguns anos atrás, eu era um solteiro comum andando pelos bares em grupos de dois ou três, rastreando, avaliando e, de vez em quando, atraindo alguém para um romance rápido. Dei em cima de muitas mulheres lindas, atraentes, cheinhas, pele imperfeita. Até com uma bissexual eu me envolvi – e me dei muito mal.
Porém, Lúcia foi um tiro certeiro daqueles que só acontecem uma vez na vida. Ela era a personificação da beleza perfeita que eu observava de longe, desejoso, o tipo de mulher que você sonha a vida inteira encontrar, e quando encontra não acredita que seja real. Agora eu vivia o sonho; talvez um pouco tumultuado, mas eu consegui atrair uma mulher exatamente como eu sempre desejei. Eu teria que ser maluco se a deixasse partir.
Mas então pensei, desesperado, no que esse canalha poderia fazer se eu insistisse em ficar com Lúcia. Não comigo, é claro, mas com ela. E ao pensar que talvez eles tivessem algum tipo de envolvimento, tudo dentro de mim começava a esmorecer.
Olhei para minha imagem na janela do taxi, observando as lojas passarem pelo meu rosto machucado e roxo do meu reflexo, e a imagem me fez querer encontrar com ela para saber mais sobre aqueles capangas.
Então, decidi fazer a única coisa que conseguia pensar: fui para casa, tomei um banho, me arrumei e voltei para a casa de Lúcia com o som alto tocando no carro para não precisar ficar martelando o que eu estaria fazendo da minha vida.
***
− Ai, meu Deus! O que aconteceu com você? – Lúcia perguntou, esticando o braço. As pontas dos dedos pairavam perto do rosto. – Você tem que ir ao médico.
− Estou bem – retirei os óculos escuros e coloquei no bolso da camisa polo. Olhei para Lúcia que me encarava, usando um vestido de malha amarelo com flores brancas. Ela tinha o cabelo molhado e um cheiro adocicado maravilhoso. Então, eu encarei seus olhos escuros e coloquei uma mão de cada lado do seu rosto, não dando chance para ela escapar. Eu a beijei com vontade. Nós não nos víamos há poucas horas, mas para mim parecia uma eternidade. Lúcia não se afastou, devolvendo o beijo com a mesma vontade. Me esqueci de toda a dor que sentia, como se seu beijo me anestesiasse. Suas mãos puxaram a minha cintura e eu encostei minha pélvis em seu quadril. Mas, antes que nós terminássemos o que eu mais queria ali mesmo na porta do seu apartamento, me afastei ofegante.
− É melhor você entrar.
Passei por ela e Lúcia fechou a porta.
− Está doendo? – perguntou.
Nos sentamos no sofá, lado a lado.
− Não.
− O que aconteceu?
Um breve silêncio. Era possível ouvir o barulho dos carros passando na rua, uma ambulância e um cachorro latindo bem longe.
− Tudo bem. Não há maneira simples de fazer isso, então vou dizer de uma só vez. Esse estrago todo foi feito pelo Yuri. Black me segurou e ele bateu com vontade.
− O quê? Não estou entendendo.
− Ele ameaçou fazer coisa pior se eu insistir em continuar a me encontrar com você. Tem alguma coisa para me contar?
Ela ficou em silêncio.
− Lúcia?
− N-não.
− Tem certeza? Eu acho que tenho o direito de saber se estou fodido ou não.
− Eu acho melhor a gente não se ver mais.
Fiquei olhando para ela, absorto com a surpresa em me propor aquilo sem nenhuma explicação.
− Desculpe – disse ela baixinho. – Eu não sabia que ele seria capaz...
Lúcia escondeu o rosto nas mãos, e começou a chorar.
− Não podemos ficar juntos – era como se falasse sozinha. – É muito arriscado.
− O quê? Não estou entendendo – alisei meus cabelos para trás.
− Não posso falar mais nada. Por favor, Thomas, você precisa ficar longe de mim.
− Isso não faz sentido algum.
− Ele avisou, está bem? Se você insistir Yuri poderá matá-lo.
− Lúcia, eu não vou embora enquanto você não me explicar essa história toda. Estou sem dormir, com dores pelo corpo todo, e achei que fosse melhor tentar falar com você pra descobrir qual é o seu relacionamento com o idiota do Yuri.
Ela balançou a cabeça.
− Eu não posso te envolver...
Respirei fundo.
− Então você vai me dar pelo menos uma pista? Estou cansado e odeio segredos.
− Vá embora, Thomas – ela chorava.
− Me dê um motivo e eu vou embora. Só quero saber por que Yuri me pediu para ficar longe de você. Ele é seu namorado? Se for, eu saio por aquela porta e te deixo em paz.
− Não, ele não é meu namorado – Lúcia tremia. – Por favor, vá embora.
Olhei para ela incrédulo.
− Tudo bem, eu vou. Mas, vou sair daqui e contar tudo o que sei sobre você para Olívia.
Ela arregalou os olhos.
− Não, Thomas. Não! Isso não, por favor!
Meu corpo inteiro esquentava, como se meu termostato interno tivesse quebrado.
− Se ele não é seu namorado, não posso te deixar nas mãos daquele criminoso. Ele é muito perigoso e se algo te acontecer eu não vou me perdoar.
− A escolha foi minha entrar nessa profissão – ela berrou, limpando as lágrimas com muita raiva. – Eu só não sabia que Yuri se apaixonaria por mim. Ele acha que é meu dono. Eu não queria te envolver, mas me apaixonei por você assim que te vi no aeroporto. Fomos longe demais. Porra, Thomas! Por que não ficou longe de mim? Eu sou problema. Estou presa nessa vidinha de merda. Ele me ameaça toda vez que digo que vou embora – ela disse aos prantos.
− Calma, Lúcia – eu rebati, com veemência. – Isso não pode continuar. Tem que haver um jeito de se livrar dele. Temos que ir à polícia, dar queixa desse maluco...
− Ele mata minha família inteira se eu fizer isso − ela resmungou. – Não tenho nenhuma escolha. Fique longe de mim, Thomas. Por favor.
As palavras de Lúcia me calaram com um peso ainda maior, provocando calafrios.
− Estamos juntos agora. Não vou te deixar. Nunca mais – eu retruquei.
− Por favor, Thomas. Por favor – repetiu Lúcia, agora baixinho, a mão espalmada no sofá. – Não leve essa maluquice a diante. Olha o que ele te fez. Ele é capaz de coisas muito piores... Por favor, estou pedindo...
− Pare com isso! – eu disse. – Eu não vou ficar longe de você. Não agora que sei de toda a verdade.
Lúcia se enregelou contra a almofada como se fosse um animal aflito. Não disse nada. Nem sequer choramingava. Eu tremia com as mãos fechadas em punho. Então, toquei no seu braço e ela amoleceu, arfando para encher os pulmões, uma, duas vezes. Agora eu acariciava seus cabelos, e ela se deitou em meu colo, relaxando o pescoço.
− Deixe-me te ajudar.
Ela se sentou, olhou diretamente para mim e assentiu. Eu suspirei. Meu corpo todo doía, minha exaustão chegava ao limite. Eu precisava dormir.
− Vou embora, Lúcia. Estou cansado demais para pensar em algo que possamos fazer. Mas, te ligo mais tarde.
Eu já me preparava para levantar do sofá, quando Lúcia esticou o braço e pegou minha mão. Senti seus dedos se fecharem lentamente em volta dos meus.
− Sei que é loucura, mas... Fique comigo. Por favor. Não quero ficar sozinha. Não se preocupe que Yuri não vem ao meu apartamento é um acordo que fizemos.
Ela ficou um tempo me olhando, depois passou a mão no meu rosto.
− Não sei se serei uma boa companhia. Estou acabado...
− Eu prometo ficar bem comportada – ela sustentou o olhar. – Por algumas horas.
Seu sorriso demorou a surgir, mas, quando apareceu, fiquei muito mais leve, como se estivesse carregando um peso sem saber.
− Eu também preciso dormir – ela disse.
É mesmo surpreendente quando conhecemos a mulher mais linda em um aeroporto às vésperas do Natal.
Ela pegou minha mão e me conduziu em silêncio até o quarto.
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