Capítulo 1 - Uma nova chance
Não me lembro da última vez em que me apaixonei de verdade. Aliás, confesso que já fui feliz, por várias vezes ao lado de uma mulher, mesmo sabendo que eu não a amava, mas não posso dizer que havia me apaixonado. Jamais houve um momento único que eu pudesse dizer que minha felicidade se completou. Mesmo assim, nos últimos dias, depois que reencontrei minha ex namorada no casamento do meu pai, algo me atingiu. Talvez, fosse um erro eu me envolver com uma pessoa tão fútil, achando que eu pudesse provocar algum tipo de ciúmes em alguém. Ou mesmo, achar que posso provocar ciúmes em alguém que nunca ligou para mim.
Quando cheguei ao aeroporto, há apenas uma hora, queria ir para um lugar tranquilo, sem expectativas nenhuma, sem ambição, sem mentiras. Nem mesmo mulheres estavam em meus planos. Claro que a mulher que eu saía queria muito vir comigo, afinal, quem não gostaria de passar o Natal em Nova York com tudo pago por mim? Aliás, eu cansei de seu materialismo. Que mulher fútil, mimada e infeliz. Não sei como namorou por tanto tempo outro cara antes de mim. Fiquei com ela por cinco meses e para mim já deu. De qualquer forma, eu não queria companhia. Precisava de um tempo só para mim.
Nesses últimos meses, eu fiz muita merda na minha vida. Me envolvi com uma mulher enquanto ainda namorava outra – aliás, eu achei tentadora a ideia de conquistar uma pessoa diferente, antenada e tão segura de si. Claro que eu não esperava despertar a fúria em mais pessoas, que de certa forma, conseguiram transformar minha vida em um verdadeiro inferno.
Eu não queria ser pai. Aliás, não tinha intenção nenhuma de ter filhos. Porém, quando soube que isso poderia acontecer comigo mesmo da maneira mais simples, a mais covarde, algo mexeu comigo. Simplesmente, eu gostava da ideia de poder criar um filho meu. Sem muitos problemas, sem incomodar. Sem que ninguém tivesse que me dizer como era ser pai. Então, eu descobri da forma mais cruel que não era o momento certo ainda. É estranho pensar em uma mudança tão grande em nossa vida... talvez nem eu tenha tido tempo de entender como poderia mudar a minha vida.
Uma tempestade se formou, e eu já podia sentir as pessoas tensas e assustadas. Eu não era o único que sorria. Quando você fica mal, vê o pior acontecer. Não tem mais sonhos, e acaba achando que tudo precisa mudar... Era hora de um ponto final. Talvez eu estivesse exagerando. Mas uma coisa era certa: eu nunca iria me perguntar por que eu fiz tanta coisa errada em minha vida. O tempo passou. Cinco meses. E agora saboreava um uísque a espera do meu embarque.
– Você acha que algum dia vai chegar a fazer algo importante com a sua vida? Idiota!
– Eu acho que não.
E foi isso o que aconteceu. Sentado no saguão do aeroporto, com todos os voos atrasados, observava pessoas apavoradas com a tempestade que caia lá fora. Meu uísque já fazendo efeito, até que me deparei com uma mulher linda ao meu lado, dizendo para mim tudo o que precisava ouvir. Eu não sei dizer por quanto tempo ela estaria ali, sem eu perceber, segurando sua valise de uma maneira perfeita demais, não orgânica, mas como alguém que tinha uma relação verdadeira com viagens de avião. E ela com os cabelos negros mais brilhosos que eu já havia visto e um rosto delicado que intensificava uma perfeição fora do comum, traços tão delicados que pareciam infantis. Os olhos negros como a noite; o nariz pequeno e fino, que parecia moldado à mão; e as bochechas rosadas – o rosto de uma ninfeta que olhava para mim.
Fiquei tão enfeitiçado que esqueci de ligar o botão de desinteresse e ela me pegou a encarando, de modo que não me restava dúvida. Eu me apresentaria, já que não tinha nada a perder.
– Meu nome é Thomas – eu disse, levantando a voz para não ser suplantado pelo barulho das pessoas em volta, comentando sobre a tempestade e o som da frenética batucada no meu coração.
– Lucia – disse ela, estendendo a mão.
E por um breve instante eu me dei conta de que sorria, como um adolescente bobão quando termina o primeiro beijo.
– Não é fácil explicar uma coisa dessas – eu disse –, mas, como adivinhou que eu precisava acordar para a vida?
Lucia começou a rir. Um riso espontâneo e descontraído, como se fôssemos velhos amigos. Diferente do que eu esperava que fosse acontecer.
– Bem – disse ela. – Na verdade, eu falava pra mim, não pra você.
– Problemas?
– Alguns.
– Talvez eu possa ajudar.
– Acho que não. São coisas pessoais demais. Não posso contar para você, eu mal te conheço.
Ela realmente era uma mulher linda. Puxei meu celular para verificar a hora.
– Talvez tenhamos bastante tempo para nos conhecermos. Quer comer alguma coisa?
Ela negou com um aceno de cabeça.
– Não estou com fome. Obrigada.
– Na verdade, nem eu.
– Pelo amor de Deus! – ela disse. – Pare de me olhar desse jeito. Estou quase achando que meu rosto está sujo.
Caramba, tenho que inventar algo para não dar tanto na cara que estou muito a fim de beijá-la.
– Na verdade, estou curioso para desvendar qual é o seu segredo de maquiagem – eu disse, mas a frase soou engraçada assim que saiu dos meus lábios.
– Segredo de maquiagem? – Lúcia mal conseguiu segurar a gargalhada.
– Sim – refleti. – Aposto como você deve ter um blog, ou um canal no YouTube, onde dá dicas de beleza para as meninas... – Eu parei no meio da frase. Ela olhava para mim, com o mais belo sorriso.
– Não, não, continue – ela me incentivou. – Isso é muito interessante. Me fale mais sobre maquiagem. – Lúcia jogou os cabelos pretos para trás do ombro e inclinou a cabeça para o lado. Aquela sensação maluca continuava a crescer dentro de mim – uma mistura insana de atração e desejo.
– Ah, não me diga que você não curte as tendências? – eu sorri.
– Claro que curto – ela disse. – Só estou fascinada em ver um homem como você tão antenado nesse assunto.
– O que você quer dizer com "um homem como você"? – eu disse, talvez com um pouco mais de entusiasmo do que deveria. Eu havia acompanhado minha ex em vários eventos de beleza e eu sabia que aquelas horas tediosas um dia me renderiam algo sensacional. O dia chegou.
– Você é advogado, deve trabalhar muito e aposto como não usa do seu tempo livre para ficar ligado na internet em blogs de maquiagem. Estou certa?
– Como sabe que sou advogado? – eu disse espantado por talvez ela me conhecer e eu não a reconhecia. Como pude deixar escapar uma deusa linda, sem perceber nada?
– Meu ex patrão tem um anel igual a esse.
Eu sorri.
– Ah! Até me esqueci desse detalhe.
Olhei pela janela e vi que a tempestade já havia diminuído. Observei os aviões que pousavam e decolavam, as luzes vermelhas piscando no céu noturno. O ar-condicionado me deixava uma sensação agradável, mas eu queria o frio. Não via a hora de chegar em Nova York e me deliciar no clima gostoso do Natal.
– Está indo pra onde? – resolvi perguntar.
– Na verdade, eu vim apenas passear no aeroporto.
– É sério? Nunca conheci ninguém que viesse até o aeroporto para passear.
– Muito prazer, Lúcia. A pessoa que veio ao aeroporto passear.
Eu ri.
– E o que você diz sobre essas pessoas que vão viajar?
– O que você quer saber sobre elas?
– Você não acha meio estressante, assim, elas andando de um lado a outro em busca do seu destino?
Ela riu.
– De forma alguma. Trabalho e passeio fazem parte desse lugar. Curiosos também. E eu me encaixo na curiosidade. O aeroporto é um mistério. Quando as pessoas chegam aqui, elas têm expectativas, e nós nem sabemos por quais motivos.
Lúcia puxou um elástico da bolsa e foi prendendo os cabelos em um rabo de cavalo no alto da cabeça. Eu estudava a covinha na bochecha dela. A franja que lhe caía por cima dos olhos. A pequena cicatriz inclinada no queixo. Ela era real, tudo bem. Mas, eu poderia dizer que sua beleza caberia em qualquer outdoor da cidade.
– Você é real?
– Claro que sou. Tão real quanto você.
– E o que você faz?
Ela sorriu de um jeito travesso.
– Tente adivinhar.
Era quase imperceptível, mas eu senti que ela se retraíra.
– Você é modelo. Ou jornalista. Ou advogada talvez.
Ela sorriu.
– Você nunca vai acertar o que eu faço – ela disse, ainda olhando para mim. – Mas, é um trabalho. É o meu trabalho e paga as minhas contas – Ela observava meus olhos e eu sabia que sua resposta era apenas uma camuflagem. Lúcia não iria me dizer o que fazia. E, talvez, não estivesse apenas passeando no aeroporto.
– Escute – ela inclinou o corpo em minha direção. – Eu preciso voltar ao meu passeio. A chuva parou e logo vou para casa. Foi legal conversar com você.
– Ei, desculpe, eu não queria me intrometer na sua vida. Você não precisa fugir assim, só porque eu perguntei do seu trabalho. É só não dizer e pronto.
– Acredite, não tem nada de errado com meu trabalho, muito menos com nossa conversa – ela sorriu. – Talvez a gente possa conversar em outro aeroporto. Quem sabe eu não te encontre de novo.
Lucia ficou de pé e olhou para mim. Levantei-me e notei que sua cabeça chegava na altura do meu queixo. Eu queria poder tocar em seu cabelo, ou até mesmo, sentir a maciez de sua pele em meus dedos.
– Eu gostaria muito – consegui dizer quando sai do transe, contagiado pela beleza dela.
– Ah, boa viagem – disse com um sorriso charmoso direto para mim. – Feliz Natal.
– Obrigado – respondi, ainda com os olhos cravados nos dela. – Feliz Natal para você também. Espero ver você de novo quando eu voltar.
– Voltar?
– Eu estarei de volta no dia vinte e nove.
Ela observou meu rosto de perto. A sua testa se enrugou, e então me surpreendi ao fazer aquele convite.
– Olhe, se você não tiver nenhum outro plano, que tal jantar comigo no dia trinta? Eu posso tentar te convencer porque gosto tanto de maquiagem feminina.
– Você ainda insiste nesse assunto?
– Nada muito detalhado, mas podemos nos divertir. Eu garanto.
– Você sempre usa essa tática de maquiagem para paquerar as mulheres?
– Só se elas forem tão perfeitas como você.
Lucia tossiu. Eu sabia que tinha agradado, e sabia o que exatamente eu queria.
– Eu vou adorar jantar com você. Estou precisando mesmo comprar maquiagens novas. Acho que você vai me ajudar muito.
– Quer que eu traga alguma novidade de Nova York?
– Vou deixar que escolha algo que se pareça comigo.
Era um teste fácil.
Sem hesitar, eu disse:
– Batom nude, sombra escura e rímel preto, certo?
– Perfeito! – ela sorriu.
– Fique com meu cartão. Se quiser me ligar, estarei nesse número. Temos um encontro, então?
Lucia não conseguiu evitar a risada. Eu fiquei em silêncio só olhando para o seu sorriso lindo. Ela olhou fixamente para meus olhos.
– Você tem um olho lindo. Nunca vi um azul assim.
– Obrigado. E você é toda linda.
Ela sorriu.
– Obrigada. Estou feliz de ter vindo passear no aeroporto e ter te conhecido. Significou muito para mim.
– Para mim também.
Nós estávamos tão próximos que eu pensei que poderia sentir uma descarga elétrica entre nós. Eu sabia que Lucia sentia o mesmo, pois a pele do seu rosto rosada, revelava que algo a surpreendia. Eu me inclinei para frente de maneira quase imperceptível, vigiando as reações dela, esperando que me desse alguma abertura. Ficamos tão próximos um do outro por um tempo que pareceu uma eternidade, até que ela olhou para o relógio e disse:
– É melhor eu ir. Já está tarde.
Por um momento, me senti derrotado. Mas foi aí que decidi ser ousado. Eu iria partir em pouco tempo, e nem sabia se a veria novamente. Assim, sem dizer nenhuma palavra, coloquei as mãos na cintura dela e a puxei para mim. Para minha surpresa, ela não ofereceu resistência. Lucia inclinou a cabeça para trás e seus lábios se abriram. Nem mesmo as pessoas a nossa volta puderam nos intimidar. Eu a beijei suavemente e senti uma sensação inacreditável. Durou apenas alguns segundos, mas foi única. Foi como se eu tivesse beijado uma mulher pela primeira vez. O calor entrou em meu corpo e se irradiou por todos os órgãos, enchendo-me com a sensação mais arrebatadora que eu já havia sentido.
– O que foi isso, Lucia? O que você fez comigo em tão pouco tempo? – disse arfante, meus lábios ainda contra os dela.
– Eu não sei.
E já estávamos nos beijando outra vez, com fúria e imprudência, e a mão dela penetrou nos cabelos da minha nuca, os dedos pressionando e acariciando a minha pele com urgência, quando decidi parar, ou não conseguiria mais.
– Então, temos um encontro? – eu disse quando nos separamos.
– Não vá se atrasar.
Então, ela pegou a valise que estava no banco, girou sobre os calcanhares e caminhou em direção a escada rolante, como se estivesse flutuando sobre o salto.
– Acho que estou ferrado. Eu me apaixonei de verdade por essa mulher. Merda!
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