VI - Nunca é um tempo longo demais
Duas semanas. Duas semanas desde que Wendy se afastou de Peter sem olhar para trás. Quinze dias desde que o viu pela última vez. As tardes na Darling's Coffee voltaram a ser monótonas e mesmo sabendo que ele não apareceria, Wendy fechava as portas dez minutos mais tarde todos os dias. Ela ainda tinha esperanças.
Peter Pan não tinha mais esperanças. Diferentemente do menino corajoso que foi um dia, ele havia se acovardado e desistido. Lembrou-se várias vezes do que repetiu para James Gancho no dia em que seu desafeto morreu: "você é velho, sozinho, acabado". Pan sentia-se como seu antigo inimigo, só não era velho, mas sozinho e acabado já poderia riscar de sua lista. Principalmente o sozinho. Sentia como se a vida o quisesse assim. Ela lhe tirou Sininho, lhe tirou Margaret. Não ficava surpreso ao se dar conta que também não teria Wendy.
Diariamente ao sair do trabalho, Peter passava em frente ao Darling's Coffee e a via distraída com seus livros atrás do balcão. A Wendy que o recebia sempre com um sorriso nos lábios parecia não existir mais. Mesmo através da vitrine ele era capaz de ver o vazio em seus olhos sem brilho. Ela nunca o via passar, voltou a fechar-se em seu mundo particular. Evitava criar expectativas, pois se não as criasse, não se decepcionaria.
Mas ainda assim, esperava dez minutos para ver se ele passaria ao menos para um café.
Mais dias se passaram, mas pareciam iguais. Wendy estava debruçada no balcão, assistindo através da janela o anoitecer em meio à tempestade que caía por toda Londres. A chuva não dava trégua e pessoas corriam de um lado para o outro, os sortudos carregavam guarda-chuvas, já os mais azarados tentavam proteger o que conseguiam com o jornal sobre a cabeça.
O relógio indicava que faltava menos de cinco minutos para as seis, e naquela tarde Wendy decidiu que não esperaria por Peter, afinal ele não viria. Ele nunca vinha. Bufou e tirou o avental, já preparando seu psicológico para tomar toda aquela chuva. Apesar de ter um guarda-chuva, o vento não permitiria que ela chegasse completamente seca em casa.
Havia acabado de apagar as luzes quando ouviu o sino da entrada soar. Foi até o salão pronta para apontar o relógio e dizer que já estavam fechados, mas ficou sem palavras ao ver Peter completamente ensopado e visivelmente cansado, apoiado com as mãos no joelho enquanto retomava o ar.
– O que... O que você está fazendo aqui? – Wendy perguntou num fio de voz.
– Eu precisava correr. Eu precisava te ver – falou esbaforido.
– E precisava me ver por quê?
– Eu não sei.
Peter saiu do trabalho decidido a contar toda a verdade para Wendy, mesmo que isso custasse sua credibilidade e ela duvidasse de sua sanidade, mas desistiu no momento que a viu. Não conseguia lidar com a saudade que vinha sentindo dela nas últimas semanas, mas não queria correr o risco de perdê-la mais uma vez.
Já ela continuou o observando regular sua respiração enquanto seu terno pingava todo o chão da cafeteria, formando uma poça ao seu redor. Foi até a cozinha, encheu um copo de água e estendeu para ele, que agradeceu e virou o líquido com rapidez, depositando o copo vazio sobre a mesa.
– Desculpe, eu só tenho água agora. Já estamos fechados.
– Tudo bem, eu não me importo. Eu só precisava te ver.
– Eu preciso ir embora, Peter. A tempestade está aumentando.
– Wendy... – suspirou.
– Por favor, senhor Pan, eu estou cansada.
Ela não gostou de falar com ele naquele tom, mas tinha tanto medo de se machucar novamente que preferiu sufocar o que estava sentindo. Peter suspirou e virou as costas. Wendy levou o copo para a cozinha e quando voltou com seu guarda-chuva velho debaixo do braço, viu apenas a porta se fechar. Ele já não estava mais lá. Sentiu o ardor nos olhos informarem que algumas lágrimas queriam se aproximar, então se apressou em pegar as chaves e sair dali.
O guarda-chuva que não abria, a chuva gelada na pele, a chave emperrada na porta e as lágrimas que borravam sua visão. Tudo colaborava para a irritação de Wendy, que deu um grito e começou a chutar a porta da cafeteria quando finalmente deixou as lágrimas caírem. Estava cansada de tudo, de ter não entender o que sentia, esconder suas emoções, cansada de ser quem era.
– Me deixa te ajudar.
Peter ainda estava ali, sentindo todas as gotas sobre seu corpo, mas esperando por ela. Ele já havia a esperado por dezesseis anos, de qualquer forma. Wendy suspirou e deu espaço para que ele tentasse destravar a chave. Com um pouco de dificuldade, Peter conseguiu virar a chave e trancar a porta. Entregou o chaveiro para Wendy, que agradeceu e se despediu, virando as costas para ele.
– Wendy, espera – pediu, segurando seu braço e a virando de frente para si – Me desculpe.
– Te desculpar pelo o quê? – o olhou nos olhos.
– Por tentar me aproximar de você depois de tantos anos e por ter me afastado mais uma vez.
– Como assim, depois de tantos anos? Eu te conheci esse ano!
– Eu não posso explicar agora, mas por favor, me desculpe – se aproximou ainda mais.
– Peter, todos os dias eu te esperei voltar na cafeteria. Você não voltou.
– Eu quis voltar. Eu te vi todos os dias. Eu tive... medo – não era fácil para Peter Pan assumir em voz alta que teve medo de algo.
– Não mais que eu. Você não sabe o que é viver com medo da vida te tirar mais alguém que você ama. Eu me machuquei demais, não vou me machucar de novo.
– A vida me tirou você. A vida me tirou as pessoas que eu mais amei. E eu estou disposto a ter você de volta. Eu te amo. Eu sempre te amei.
– Peter, eu acho que você está delirando... – desvencilhou seus olhos dos dele.
– Wendy, eu queria tanto te dar... um dedal.
Wendy franziu o cenho com a certeza de que ele estava delirando. Estendeu a mão à espera do tal dedal. Peter acariciou seu rosto e segurou sua nuca, aproximando suas bocas. Ela já não tinha mais forças para negar aquele beijo, então permitiu que seus lábios se tocassem. Todas as fadas de seu estômago voltaram a dançar uma música já conhecida por ela.
A cada movimento de seus lábios, lampejos de memória surgiam. Naná, sua antiga babá. A sombra em seu quarto. Sininho. "Tenha pensamentos felizes, que eles o levantam no ar". Terra do Nunca. Jolly Roger, James Gancho e toda a sua tripulação. A flechada de Tootles. Os Garotos Perdidos. Sereias. A dança das fadas. A dança com Peter. Andar na prancha do Jolly Roger. Seu primeiro beijo com Peter Pan antes de voltar para casa. E de repente, tudo fez sentido.
– Peter Pan! – Wendy vibrou ao descolar seus lábios dos dele – Por que demorou tanto?!
E pelo brilho dos olhos de Wendy, Peter Pan foi capaz de ver toda a sua vida na Terra do Nunca.
– Você se lembrou! – Peter a segurou pela cintura e a rodou no ar.
– Eu me lembrei! – lhe roubou um beijo – Eu achei que você nunca mais voltaria.
– Como uma menina muito inteligente me disse um dia... "Nunca" é um tempo longo demais.
Ainda abraçados, seus lábios se encontraram mais uma vez. Não se importaram com a chuva, não se importaram com as pessoas que iam e vinham, não se importavam com os olhares de reprovação. Tudo o que importava é que o beijo de Wendy ainda esperava por Peter Pan. Sempre esperou.
Naquele dia Peter Pan e Wendy decidiram que, entre todos os nuncas da Terra do Nunca, nunca mais se separarem era o único nunca que eles faziam questão de cumprir.
Fim
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Olá meus amores!
Espero que tenham gostado dessa pequena fanfic, pois foi escrita com muito carinho!
Graças à Ana Paula que essa fic saiu, pois ela me ajudou muito! Por isso o capítulo dedicado à ela ♥
Ah, caso você não tenha entendido a parte do dedal ser um beijo, vou deixar a referência aqui em baixo:
https://youtu.be/VJSV3pEQM7s
É isso!
Espero que tenham gostado e convido a todos para conhecerem minhas obras no meu perfil!
Beijinhos! ♥
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