Parte 4 - Crianças erram.

24 de dezembro de 2016.

Amélia estava sentada no sofá observando o pequeno Papai Noel dançarino ao lado da árvore de natal. Ele balançava o quadril enquanto uma baixa melodia natalina saia de sua base; ela podia até sorrir daquilo, mas estava preocupada com Felipe e, no fundo, se sentindo culpada.

- E essa carinha triste? - seu pai sentou ao lado dela.

Todos os adultos estavam na cozinha, conversando sobre como alergia pode ser perigosa. Só Felipe e Amélia não estavam lá; o garoto foi para a varanda tomar um pouco de ar, e a garota estava no sofá longe de todos.

- Você tinha razão, eu não devia ter colocado nozes nas rabanadas. - ela admitiu. Seu pai era uma das poucas pessoas com quem ela conseguia se abrir e ser sincera.

- Mas colocou. - o tom dele não era de quem estava julgando; ele nunca julgava os atos das pessoas. - Agora precisa resolver isso querida. E não estou falando apenas das rabanadas.

Amélia não precisava perguntar o que era; ela sabia que o desastre de 2006 estava como uma sombra em cima deles. E continuaria assim se ela não fizesse nada sobre isso.

- Está bem, eu vou falar com ele. - ela se levantou do sofá, pensando em como iniciar aquela conversa.

- Diz que mandei chama-lo para a ceia, já vamos começar mesmo. - seu pai falou e ela sorriu para ele. Era como se ele sempre lesse a mente dela.

🎄

Felipe estava na varanda da casa, observando o céu estrelado e respirando o frio ar noturno. Era isso que sempre o acalmava quando tinha crises alérgicas. Ele estava tão concentrado que mal notou quando Amélia parou ao seu lado.

- Está melhor? - a garota falou e ele olhou para ela.

- Sim, estou. - ele afirmou.

- Que bom... - Amélia mordeu o lábio, meio receosa. - Bem, vim te chamar para a ceia. Ela já vai começar.

Felipe abaixou a cabeça, meio desapontado; por um momento achou que a menina estivesse mesmo preocupada com ele.

- Me desculpa. - ela falou o surpreendendo. Ele levantou a cabeça, a olhando confuso. - Eu coloquei as nozes de propósito. Meu pai disse que você não gostava... Nunca passou pela minha cabeça que você pudesse ser alérgico. - falou tudo de uma vez, antes que perdesse a coragem.

Felipe sorriu. Ele não sabia bem o porquê mais não estava com raiva nem nada parecido. Aquilo era tão a cara dela. Ele sabia exatamente o motivo de ela ter feito isso.

- As uvas-passas. Você ainda acha que eu fiz de propósito. - ele arqueeou uma sobrancelha. Amélia não soube como responder, mas nem precisava. - Sério, eu juro para você que foi sem querer. Quando você falou aquilo de mim... Bem, eu me distrai e o pote virou. Eu nunca teria feito de propósito.

Amélia acreditava nele, porque seu olhar era totalmente sincero. Ela quase sorriu, mas lembrou que não era só aquilo.

- Isso me influênciou bastante... Mas foi o conjunto de tudo o que houve naquela noite que me incomoda.

- Bem, então vamos falar do Papai Noel? - ele mordeu o lábio também receoso.

- E do presente de titia. - Amélia brincou para quebrar o clima tenso.

- As meias listradas. - Felipe riu lembrando daquele presente. - Eu achava que você ia adorar. Por causa das listras que lembravam as abelhas. Mas você nem gosta do apelido.

Era verdade. Ela detestava aquele apelido. Felipe a chamava assim porque quando era mais novo não conseguia pronunciar Amélia. Sempre saia como Abelha. E então ele se acostumou a chama-la assim.

- Eu o acho terrível, mas como estamos no Natal e precisamos ser caridosos, eu deixo você me chamar assim.

- Sua benevolência é revigorante. - ele brincou e acabaram rindo.

Mas então o silêncio se instalou. Porque tudo o que confessaram eram os menores dos problemas. Ah, se fosse só essas duas situações... Mas a mágoa era ainda maior que isso. E eles sabiam disso.

- Por que você fez aquilo? - Amélia deixou escapar. Ela pensava em vários motivos para o garoto ter quebrado um dos maiores sonhos dela, mas todos se resumiam a maldade. Só que agora nada fazia sentido, pois Felipe não parecia mais tão ruim.

- Eu achei que você ia gostar. - ele confessou. - Que te contando a verdade sobre o Papai Noel você ia me achar legal. Eu queria te impressionar.

Porque eu gosto de você Abelha, ele pensou em dizer, mas acabou guardando isso para ele mesmo.

- Você só estragou toda a minha magia do Natal mesmo.

Felipe se sentiu ainda mais culpado. Ele nunca quis magoar ela.

- Sinto muito. Eu era uma criança bem idiota mesmo. - ele admitiu.

Amélia o olhou e sorriu. Porque apesar de tudo, era isso que eles eram: crianças. E quando somos crianças cometemos erros.

- Eu também era. Culpei você pelas uvas-passas, quando foi eu que comecei a encrencar. - ela riu de si mesma. - Idiota e orgulhosa.

Os dois então se olharam, agora compartilhando de uma intimidade que só com a verdade poderia ter sido criada.

Felipe queria poder beija-la, mas tinha tanto medo de quebrar aquele momento. Por agora ele se contentava em estar bem ao lado dela. E para Amélia ele não era mais o garoto chiclete que não saia do seu pé. Para falar a verdade, no fundo, ela desejava que Felipe ficasse sempre ao seu lado.

E isso era apenas o início de um sentimento maior.

FIM.

890 palavras.

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