31/ 12/ 2018 (Hoje)


Levanto da cama com o coração acelerado e caminho até a suíte. Infelizmente não posso dizer que foi um pesadelo, já que não preguei os olhos a noite inteira. Mesmo que eu tivesse dormido... Meu pesadelo continuaria a ser a minha realidade. Hoje faz um ano do pior dia da minha vida, do dia em que toda a esperança acabou para mim.

Jogo uma água no rosto e sinto lágrimas escorrerem junto a ela. Não ouso abrir os olhos para não me flagrar chorando. Jurei ser forte e, depois daquele dia, nunca me permiti chorar na frente de ninguém. Lembrar daquela manhã há um ano atrás era para ser especial, era para ser a realização do sonho de dois apaixonados, mas com apenas um toque de celular, uma derrapagem na estrada, minha vida virou de cabeça para baixo.

Acreditei que conseguiria relembrar apenas dos bons momentos, mas flashes do que que aconteceu enquanto estávamos juntos em sua casa inundam a minha mente de uma só vez.

Continuo abraçada ao Eduardo, como se tivesse medo de que ele fosse fugir de mim. Ouço o meu celular tocar, mas nem penso em me levantar para atender. Meus olhos estão fechados para sentir melhor o cheiro do seu perfume e meus dedos fazem carinho bagunçando o cabelo dele.

- Se você não atender, eu atendo.

- Vai me deixar aqui sozinha?

- Mila, não aguento mais! Já deve ter tocado umas cinco vezes direto!

- Fiquei com preguiça... – Falei dengosa.

- Mas vai ter que curar essa preguiça. Já temos que ir! – O celular voltou a tocar. – Mila! Por favor! – Ele fingiu estar irritado.

- Como se você ficasse chateado comigo... – Pisquei e me levantei para alcançar a minha bolsa que estava em cima da cômoda. Antes que encontrasse o meu, o celular do Eduardo também começou a tocar.

- Viu só? Já estão até me ligando! – Ele olhou o visor do celular. – É o meu pai. Deve querer saber se já estou indo.

- Estranho... – Disse baixo.

- O quê? – Ele perguntou antes de atender.

- É a sua mãe que está me ligando! – Nós franzimos as sobrancelhas e atendemos praticamente ao mesmo tempo.

- Camila, ainda bem que você me atendeu! Já estava tão preocupada! Você está bem? – Minha madrinha parecia muito nervosa.

- Sim.

- Querida, preciso que você encontre agora o seu primo! O Marcio já está falando com ele. Me diz onde você está que o Eduardo está indo te pegar.

- Tia, o que aconteceu?

- Só me fala onde você está! – Notei que ela estava chorando.

- Quero falar com os meus pais! – Pedi nervosa.

- Camila...

- Cadê eles?! – Já sentia as lágrimas brotando no canto dos meus olhos. Ela só chorava. – Eu quero falar com os meus pais! – Como ainda estava sem resposta, olhei para o Eduardo que me encarava com os olhos vermelhos e o celular ainda ao ouvido. Finalizei a ligação.

- Pai! - O Eduardo falou ao telefone. – Eu sei onde ela está. Fica tranquilo. Já chegamos aí.

- Edu, o que foi? – Eu já chorava demais.

- Mila, me escuta. – Ele se aproximou e segurou o meu rosto com as duas mãos. – Eu te amo! Para sempre! Eu preciso que você confie em mim. A gente tem que ir agora! Só pega a sua bolsa e vamos!

- EDUARDO! – Gritei e ele, que já estava abaixado calçando o tênis, me encarou. Uma lágrima escorreu pela bochecha dele e eu tive a certeza do que suspeitava.

- Você não pode mentir para mim!

- Teve um acidente na estrada. – Ele não me encarou. – Meu pai me passou a altura. Vamos lá agora.

- Por que não vamos ao hospital? – Perguntei mesmo já sabendo a resposta.

- Mila...

- Só me leva embora. – Peguei minha bolsa e só parei ao entrar no carro.

Aquela tinha sido a minha última conversa com o Eduardo. O acidente tinha sido por minha causa, pela minha insistência em querer passar a virada do ano em Ilhabela, pelo meu namoro com o Eduardo que ia ser oficializado.

Levanto minha cabeça e encaro a minha expressão vazia no espelho. Há um ano essa é a única expressão que consigo ter. Esse é o maior motivo por eu ter terminado tudo com ele. Eu não o culpo por nada. Nós dois tivemos a ideia de começar a namorar onde foi o início de tudo. Mas não era ele quem estava dirigindo o caminhão que bateu no carro dos meus pais. Ele estava comigo. Se eu ainda estava viva, era por ele. Por isso eu não podia prendê-lo a uma morta-viva que perdeu toda a esperança há um ano atrás.

- Bom dia! – Dou um beijo na minha madrinha e pego meu iogurte na geladeira.

- Bom dia, Camila! – Ela me olha receosa. – Como você está?

- Bem. – Finjo um sorriso. – E você? Ansiosos para a viagem?

- Camila, - ela puxa a cadeira ao lado, sentando próximo a mim. – você não precisa se fazer de forte...

- Não tô me fazendo de forte.

- Está! Sou sua madrinha e te conheço bem! Hoje faz um ano que você perdeu seus pais! Você quer se isolar!

- Não vou me isolar...

- Você disse que nos acompanharia na viagem e só essa semana descobrimos que você mentiu, cancelando a sua reserva! Por que fez isso?

- Porque eu quero ficar sozinha! - A encaro séria. – Ficar sozinha não é se isolar necessariamente. Eu quero pensar. Quero me lembrar deles! Quero poder me sentir próxima a eles! Eu não vou conseguir fazer isso com um monte de gente em volta comemorando.

- Minha querida! – Ela me abraça e eu retribuo.

- Tia, eu só quero um tempo para mim. Por favor.

- Tudo bem! Se é o que você quer, eu vou respeitar a sua decisão. – Nos afastamos.

- Bom dia. – O Eduardo entra na cozinha, dá um beijo na testa da mãe e passa direto por mim, enchendo um copo no filtro. Nossos olhares se cruzam e ele mantém enquanto bebe a água. Ele lava o copo e o vejo travando o maxilar. Ele sai da cozinha ainda me encarando.

- Camila, eu nunca te perguntei... Por que você e o Eduardo não se falam desde que você veio morar com a gente? Vocês sempre foram tão unidos!

- Não é nada, tia! A gente só cresceu. Interesses diferentes.

- Não é o que parece...

- Não é culpa dele. Ele nunca me destratou desde que cheguei aqui!

- Ele foi o primeiro a querer que você viesse morar com a gente!

- Sério?

- Sim! Claro que deixamos você decidir. Você já era maior de idade. Ele ficou revoltado quando dissemos isso a ele. Por ele a gente te trazia obrigada!

- Ele é maravilhoso! – Sorrio lembrando dos nossos momentos juntos.

- Ainda tá aí! – Ela fala gentil e explica ao notar a minha expressão confusa. – O brilho no olhar que sempre vi quando você estava com ele.

- Mãe, quer alguma coisa? – Ele reaparece e pergunta escorando o ombro no batente da porta da cozinha.

- Vai arrumar seu quarto.

- Agora?! – Ele ergue as duas sobrancelhas. Ele nunca gostou de arrumar o quarto e, para maquiar quando a mãe pedia, ele jogava tudo dentro do guarda-roupa.

- Sim! Em especial o seu guarda-roupa. Só saímos quando você terminar!

- Então vamos passar a virada aqui!

- Torça para que não! – Ela o encara brava e ele sobe as escadas no mesmo instante.

- Tia, vou dar um jeito no meu quarto também. – Digo assim que termino o iogurte.

A porta do quarto do Eduardo está entreaberta e o vejo sentado no chão, no meio de muita zona, segurando algo pequeno, parecido com uma caixa de joia. Ele encara a caixa com tanta surpresa e sentimento que eu não me sinto a vontade para continuar observando. Entro no meu quarto, sento na cadeira da escrivaninha e começo a fazer a minha lista de desejos para o novo ano. Na lista anterior eu só desejei ser forte. Nesse ano eu desejo superar o meu pesadelo.

Lista de Desejos de 2019

1- Não chorar na virada do ano.

2- Voltar a amar e a me deixar ser amada.

3- Assumir que ainda amo o Eduardo.

Lista pequena, mas com desejos difíceis de realizar para quem ainda não sabe como começar a superar a dor da perda. Deixo o papel de lado e me deito na cama encarando o teto. Não é difícil assumir a falta que o Eduardo me faz, nossas conversas, carinhos, beijos... Os beijos e abraços mais maravilhosos que senti na vida. O único abraço que conseguiu me confortar quando vi meus pais pela última vez. Lembro da sua voz sussurrada em meu ouvido dizendo que sempre estaria comigo. Assim como lembro do jeito que ele acordou na manhã em que encontrou uma caixa ao pé de sua cama com todos os presentes e cartas que ele tinha me dado. Foi o nosso fim. Me perco em pensamentos e pego no sono.

- Camila? – Acordo com o carinho da minha madrinha nos meus cabelos.

- Acabei dormindo....

- Não tem problema! Estamos indo! Tem certeza de que não quer vir?

- Tenho. – Ela balança a cabeça confirmando, mas vejo que está triste.

- Eu vou ficar bem. Sinto que eu preciso disso!

- Eu confio em você! – Ela me dá um abraço e um beijo. – Feliz Ano Novo!

- Feliz Ano Novo! – Sorrio e o meu tio aparece na porta.

- Se precisar de qualquer coisa liga para a gente. – Ele diz.

- Pode deixar! Obrigada por tudo!

- Somos os seus padrinhos! Você é como uma filha para nós! - Ele completa.

- Amo muito vocês, de verdade!

- Nós também te amamos! – Minha madrinha começa a chorar e volta a me abraçar.

- Joana! Precisamos ir. – Tio Marcio revira os olhos pelo sentimentalismo da esposa.

- Claro! Vamos! – Ela me olha uma última vez. – Deixei o seu almoço dentro do microondas, não quisemos te acordar!

- Obrigada! – Eles saem do quarto me deixando sozinha. Minha escolha, mas é o que preciso para começar a superar a minha dor.

Desço para almoçar e, depois de lavar a louça, assisto um pouco de televisão. Reviro canal atrás canal, mas não acho nada para me distrair. Decido voltar para o meu quarto e, talvez, separar algumas roupas para doação. Passo no banheiro para escovar os dentes, mas quando estou saindo ouço um barulho no andar de baixo. Desesperada, sem saber o que fazer ou onde o meu celular está, olho em volta e vejo o inseticida em cima do móvel do banheiro. Instintivamente o pego e desço devagar as escadas, reparando no barulho de saco plástico na cozinha. Paro ao lado da porta tentando ouvir algo a mais, só que o único som é de uma pessoa se movimentando calmamente. Respiro fundo e pulo para dentro da cozinha apertando sem parar o inseticida. Sinto uma mão quente segurar o meu braço e retirar o inseticida da minha mão. Minha única reação é gritar.

- Sua louca! Para de gritar! – Ele grita comigo e me calo ao reconhecer a voz. O que ele está fazendo aqui? – Você quer matar a gente envenenado?

- Eduardo? – Pergunto surpresa e ainda assustada.

- O próprio. – Ele sorri sarcástico e olha para o inseticida. – Sério?

- Foi a primeira coisa que vi! – Me defendo.

- Ainda bem que voltei, então! – Ele se joga no sofá.

- O que você está fazendo?

- Ligando a televisão. – Ele me encara. – Pretendo assistir.

- Não sou burra!

- Eu sei. – Ele encara a televisão.

- Cadê seus pais?

- Viajando. – Ele olha para o relógio de pulso. – Devem estar chegando.

- Por que você não tá com eles?

- Se preocupa comigo agora?! – Outro sorriso sarcástico, ainda sem me encarar.

- Por quê?

- Um dia eu prometi que nunca te deixaria sozinha. Eu não quebro promessas.

- Eduardo... – Suspiro.

- Por que você não foi com a gente? – Ele levanta e se coloca a minha frente. Ficamos bem próximos e sinto o seu perfume. Não consigo falar. – É tão ruim assim a minha presença? Sou tão detestável que você não pode nem olhar na minha cara e dizer que não me quer mais? Precisa entrar no meu quarto na madrugada e jogar fora tudo o que construímos? – Eu só vejo mágoa e tristeza em seu olhar.

- Não diz isso...

- Por quê, Camila? Por que você não me suporta? – Ele se aproxima mais, encostando o corpo ao meu.

- Claro que não! – Uma lágrima escapa.

- O que eu fiz de errado? Eu penso e penso, mas eu não consigo entender!

- Para! – Falo mais alto para sobrepor a minha voz a dele.

- Por que essa raiva de mim?

- Eduardo, eu te amo! – Eu grito e ele me encara. – Eu te amo mais do que tudo! Eu sempre vou te amar! E é por isso que eu tinha que deixar você ir! Você viu como está a minha vida? Eu virei uma morta-viva e eu não vou te carregar para baixo! Nunca!

- Quem tem que decidir sou eu! – Ele fala alto e segura o meu rosto. – Fala de novo para eu ter certeza de que não ouvi errado.

- Eu te amo, Edu! – Lágrimas começam a cair e logo o choro fica compulsivo. O que não chorei em um ano, choro abraçada ao amor da minha vida.

- Mila, se não for você, não quero mais ninguém! Não me afasta da sua vida! Eu vou ser a sua força, o seu apoio, o que você precisar. Mas preciso que você me deixe ficar!

- Edu, você nunca saiu de dentro do meu coração!

- Nem você do meu, minha princesa! – Sorrimos e ele me pega no colo. – Você nunca mais escapa de mim!

Ele me carrega para o quarto dele, me coloca em cima da cama e pega a caixinha que eu vi mais cedo.

- Eu aprendi que não devemos esperar o momento certo. Tudo pode mudar em um minuto e a vida é muito curta para perdermos tempo. – Ele abre a caixinha me mostrando um lindo anel com uma pedrinha lilás, minha cor favorita. – Eu achei que tivesse perdido mas, organizando o guarda-roupa hoje, eu encontrei. Era com esse anel que eu ia te pedir em namoro. E eu não vou cometer o mesmo erro! Camila, você quer namorar comigo?

- Com toda a certeza do mundo! – Ele coloca o anel no meu dedo e joga o corpo em cima de mim. Nos beijamos matando a saudade por cada dia em que o beijo ficou apenas no nosso desejo.    

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