Terra dos meninos Perdidos

 — Thank you, Sao Paulo. Eu te amo! — Justin acenou para nós e esboçou um sorriso largo e branco, que parecia reluzir nas luzes do palco. Meu coração apertou conforme eu o via virar as costas e caminhar decidido para as sombras.

Tentei absorver o máximo de imagem possível que meus olhos pudessem captar, eternizando aquela visão em minhas memórias, e desejando ser capaz de prolongá-la o máximo de tempo que conseguisse.

— Justin eu te amo! Justin eu te amo! — Gritávamos para ele em puro êxtase. Não parecia o canto de pessoas que haviam enfrentado fila o dia inteiro (algumas, dias, meses) embaixo do sol escaldante, mantiveram-se em pé por horas com raro acesso ao banheiro e pouca comida. As vozes representavam um exército pronto para aguentar um show de mais 24 horas se fosse possível.

Para nosso profundo deleite e surto ele voltou correndo e nos mandou um beijo grande. Os gritos nem causavam mais tanto impacto em meus ouvidos, eu provavelmente já havia estourado os tímpanos. Com uma piscadela, voltou-se de costas outra vez e partiu no mesmo ritmo que viera, para uma pontada dolorosa em meu peito. Eu não sabia quando poderia vê-lo outra vez.

Minha mãe me abraçou.

— Foi um ótimo show. Apesar de ficar preocupada que você desmaiasse. Também desaprovei sua reação ao vê-lo tirar a camisa, o que foi desnecessário, e seus olhares safados para a bunda dele — murmurou em um tom cheio de censura.

— Mãe! — Repreendi corada e ela riu — Só não precisa contar essas partes para o pai — eu ainda estava chorando, mas isso nem fazia mais tanta diferença pra ela, chorar foi o que eu mais fiz nesse show.

— Tudo bem —  ela concordou, rindo.

A saída estava mais organizada que a entrada, mas ainda assim um pouco claustrofóbica. Ninguém tinha pressa para sair, mas éramos tantas que formamos massas unidas em direção aos portões. Para não nos perdermos, minha mãe e eu demos as mãos, e eu entoei contente o hino Baby com a multidão fervorosa. 

Quando já havia um espaço mais razoável entre os corpos, notei do meu lado esquerdo o perfil de Sophia, a alguns metros de mim. Agora eu tinha certeza de que era ela, e fui atingida em cheio pelo choque do reconhecimento.

— Ai meu Deus, mãe, é a Sophia! — Grasnei e sem pensar saí correndo por entre as pessoas na direção dela.

— Heloísa! Calma! — Ouvi minha mãe atrás de mim, mas mal prestei atenção, focada em encontrar minha amiga virtual. Se não agisse rápido, ela sairia de vista.

— Soph, Soph! — A voz esganiçada arranhou minha garganta já muito judiada por todo aquele tempo de uso sem moderação. Eu provavelmente ficaria sem voz no dia seguinte. 

Mas deu certo, ela se virou, procurando. Eu agitava os braços acima da cabeça feito uma maluca enquanto tentava alcançá-la, então não foi tão difícil assim me localizar. Seus olhos verdes chorosos se esbugalharam e ela convergiu para mim.

Nós duas demos um grito agudo e rouco, correndo em direção uma da outra. Eu já havia visto vídeos de encontros de amizades virtuais e a maioria acabava com ambas estateladas no chão. Não queríamos ser pisoteadas e morrer, então fui diminuindo o ritmo quando cheguei perto. 

— Ai meu Deus, é você?! Não acredito! — Soph entoou, esticando os braços para me alcançar. 

— Eu não acredito que você foi a OLLG!!! Parabéns! Que emoção, Soph! Lembra que eu te disse que você seria?! — Algumas pessoas abriam espaço ao notar nosso encontro eminente. 

— Cara, foi muito perfeito! Ainda mais agora!

E finalmente estávamos uma em frente a outra. 

— Me abrace! — Gritei, atirando-me nos braços dela. Ela me envolveu com força enquanto saltitávamos feito criancinhas empolgadas.

— Nossa, tenho tanta coisa pra falar! — Ela murmurou, a voz ficando embargada.

— Sim, eu nem acredito! — Respondi no mesmo tom emocionado. 

— É. — Soph se afastou chorosa e uma repentina expressão pesarosa atravessou seu sorriso — Mas meus pais estão esperando. Vamos pegar o avião ainda hoje. Se eu soubesse que encontraria você teria fincado o pé para partirmos ao menos no outro dia.... —  Ela apontou para um carro do outro lado da rua — Aliás, você tem que me contar como conseguiu vir!

Fiz cara feia para a direção que apontara, eu acabara de encontrá-la, não parecia justo que fosse tão rápido assim.

— Mas já? Foi uma surpresa dos meus pais, ontem à noite, não deu ao menos tempo de reagir. 

— Fico muito feliz por você, Isa, de verdade, você mereceu muito. E esse sonho não estaria completo sem você.

Meus olhos se encheram de lágrimas de novo e eu a abracei com força.

No próximo segundo já estava chorando.

— Não acredito que te conheci e ainda mais que você foi a OLLG.

Ela riu empolgada e me soltou.

— Olha. — Soph limpou o próprio rosto úmido, pegou a mochila preta em suas costas e tirou a coroa de flores que Justin Bieber havia colocado em sua cabeça, com seus próprios dedos, de carne e osso.

Meu queixo caiu e eu pensei que fosse sufocar.

— Posso tocar? — Perguntei maravilhada, eu tocaria em um objeto que ele tocara há pouco tempo, parecia insano.

Ela assentiu com um sorriso e me entregou.

— Minha. Nossa. — Passei a mão em toda a extensão da coroa de flores para ter certeza de que misturaríamos nossas digitais, tendo certeza de que eu precisava procurar um profissional de saúde mental por aquela obsessão. 

Soph assentiu de novo, concordando comigo.

— Você falou algo pra ele? — Gaguejei. 

— Com meu inglês péssimo pra caramba, só algumas coisas, como eu te amo, muito obrigada, não esquece de mim... Não sou que nem umas gênias fluentes em inglês — ela empurrou meu ombro de leve e eu ri.

— Sabe como é — murmurei com uma falsa modéstia fingida.

Ela sorriu e olhou para trás.

— Tenho que ir — Tentou sorrir de novo, mas isso se transformou numa careta de choro e nos abraçamos de novo, para unir nossos choros.

— Eu te amo, tá? Vamos nos encontrar de novo — prometi.

Ela assentiu.

— Eu te amo, Isa.

Apertei-a mais um pouco antes de conseguir soltar. Soph guardou a coroa de flores, depois me deu mais um abraço forte, virou as costas e saiu correndo, ciente da buzina impaciente dos seus pais. Envergonhada como era eu nem pensei em me aproximar do carro para me apresentar. Ainda mais por provavelmente estarem com pressa e irritados com minha interrupção.

Fiquei paralisada por alguns segundo depois de acenar para uma Soph de vidro aberto. Era muita coisa para digerir. Eu havia visto o Justin e conhecido minha melhor amiga virtual numa tacada só. Era demais para um só coração.

Balancei a cabeça e me virei, sabendo que deveria ir embora também.

Ôou.

Para onde? Estreitei os olhos. Ainda estava um tumulto de garotas, e eu não conseguia achar minha mãe. Que ótimo.

Comecei a procurá-la em meio a multidão, mas, tinha a pequena impressão de que estava indo para o lugar contrário.

Argh. Passei a mão no bolso, procurando meu celular. Perfeito. Deixei meu celular com ela no show e esqueci de pegar de volta. Suspirei irritada e parei onde estava. Mas que merda. Tudo bem, Heloísa, não há motivo para entrar em desespero....

Olhei para os lados e continuei minhas buscas, mais inquieta a cada segundo. Chamei por seu nome algumas vezes. Se ela não estivesse muito longe me ouviria, uma mãe reconhecia a voz de sua filha de longe. Repreendi-me por tê-la abandonado para trás enquanto tentava alcançar a Soph.

Respirei fundo, era quase irracional o pânico que ameaçava me dominar, como se eu fosse uma criança estúpida de cinco anos perdida na praia. Minhas glândulas lacrimais prontas para entrarem em ação. 

Foco, Heloísa, você não pode ficar perdida para sempre e é grande o bastante para se virar.


Justin's P.O.V

— Eeei Kenny! Ei! — resmunguei rindo enquanto meu segurança particular me carregava pelos ombros. Por essa razão, Kenny costumava ser meio paranoico pelo meu bem estar. Ele parece um armário de chocolate, enorme, costas largas, careca não-brilhante e olhos castanhos.

— Vamos rapaz, o Scooter está chamando. Tá ficando louco?! — Repreendeu-me sem o menor senso de humor.

— Eu não fiz nada — Neguei com inocência para suas costas, sentindo-me ridículo pelo reboque.

— Você ia morrer — enfatizou.

— Até parece — revirei os olhos — Que exagero, cara.

— Justin, você ia sair lá fora, sozinho, não entende o perigo não? — Disse como se eu fosse uma criança birrenta e teimosa.

Bufei.

— Eu entendo que fui atraído para aquelas lindas garotas brasileiras e estava indo atender ao chamado.

Ele me deu um tapa na bunda.

— Oh! — Coloquei as mãos nela — Sem abuso por aqui!

Kenny beliscou minha perna.

— Kenny, pare com isso homem!

Ele acabou rindo um pouco.

— Você tem que cooperar para a sua segurança. E olha, sua namorada Selena não ia ficar nada feliz de ouvir isso.

Respirei fundo. Não era justo quando colocava as coisas naquela perspectiva. Kenny me baixou, e eu dei de cara com Scooter.

Que vacilo.

— Fala aí, parceiro. — Levantei a mão para um cumprimento que eu sabia que não aconteceria.

— Onde você estava? — Ele perguntou sério.

— Credo. Vocês fazem muito drama. Estava no banheiro. — Eu não estava nem um pouco afim de ouvir um pouco mais de bronca.

Scooter olhou para Kenny. Contive o impulso de engolir em seco. Kenny olhou para mim e eu tentei suplicar com os olhos, se isso for possível.

— É verdade — ele disse enfim e eu sorri, vitorioso.

Kenny é meu parceiro.

— Então vamos logo mijão — Scooter zombou e foi saindo com uma risada.

— Até parece que você não faz isso — murmurei, bem em sua retaguarda.

Kenny e mais três seguranças nos ladearam e minha mãe se juntou a nós. Meus coroas deviam estar dormindo na van já. Mais um segurança chegou e foi para o lado de Kenny. Às vezes eu me sinto como o poderoso chefão. Só falta andarmos em câmera lenta e com a cara fechada. Uma sensação falsa de poder que é eletrizante. 

No Brasil, até o Kenny precisa de um segurança. É engraçado, um segurança precisar de segurança. Mas tudo nesse país é meio louco. As fãs são loucas. E não digo isso com uma conotação ruim. Afinal, adoro loucuras.

Por esse motivo eu queria ver de perto e sozinho. Essas garotas são... incríveis. Digamos. E são minhas, como elas mesmas gostam de dizer. Isso as vezes me deixava um pouco pirado.

Entramos na van e dito e feito, meus coroas estavam lá tirando um cochilo. Ryan e Alfredo estavam vendo as fotos que Alfredo tirou.

— E aí, estava cagando? — Ryan me zombou.

— É, só que agora vou cagar na sua boca — parti pra cima dele, na brincadeira, mas Kenny me segurou.

A seriedade dessa equipe precisava ser revista para já. 

— Qual é, nem brincar um pouquinho posso?

— Aqui não Justin — ele revirou os olhos e literalmente me sentou no banco.

As desvantagens de estar num país insano eram essas, o pessoal ficava meio careta. Preocupado demais com coisas banais demais. O estresse gera câncer, eu já vi isso em alguma matéria, deveriam se preocupar menos, então, a saúde deles é tão importante para mim quanto a minha é para eles. 

Já tentei esse discurso uma vez, mas não deu certo. Às vezes nem parecia que eu já tinha dezenove anos, tratado como o bebezão inconsequente do pedaço. 

Observava pela janela aquele céu azul límpido, as nuvens branquinhas feito algodão despedaçado. Então desci os olhos para o chão e vi...

— Para, para a van! — Pedi com energia. 

O motorista pisou no freio imediatamente diante do meu alarde e o barulho de pneu derrapando contra o concreto nos alertou de que a van de trás quase beijou nossa traseira. Talvez por isso recebi todos os olhares, alguns com olhar mortal.

— Tem uma garota perdida, temos que ajudar — levantei-me, decidido.

— Como você sabe que ela está perdida? — Kenny me barrou.

Indício número um: o local já estava quase deserto. 

Indício número dois: aquela carinha desnorteada não enganava ninguém. Qualquer um poderia ver. O risco era se alguém de má intenção notasse. 

— Olhe você mesmo — disse a ele.

Kenny olhou para a janela e num movimento rápido eu me esquivei dele, abri a porta da van e pulei pra fora.

— Justin! — Eles gritaram em uníssono.

Pois sim, o câncer. 

Sem dar ouvidos às imprecações atrás de mim, corri até a criatura e me agachei diante dela para estabelecer um vínculo de confiança. Ela deu um pulo de susto e ficou me encarando um pouco assustada. 

Lembrei-me tardiamente que, droga, eu não sei português.

— Oi — eu disse uma das únicas palavras que sabia, a testa franzida por não saber se aquela era a pronúncia certa.

— Oi — ela respondeu acanhada.

— Hã... cadê o intérprete? — Virei-me para os caretas que já estavam atrás de mim.

Scooter fez cara feia para mim, mas acenou para uma das vans. Eles olhavam para os lados como se fôssemos fugitivos. E eu tinha que admitir que se alguém nos reconhecesse ali ao ar livre, próximos ao local com milhares de fãs em que eu havia me apresentado, nos tornaríamos uns deles. 

O intérprete, Robert, cara alto e quase albino, desceu da segunda van e caminhava até nós lentamente, ao passo que Scooter acenou freneticamente para que apressasse o passo.

Me virei de volta para a garotinha e ela estava de olhos arregalados.

— Hmmm... oi — falei de novo, sem saber o que mais fazer naquele meio tempo.

Isso fez com que risse numa voz de angelical.

— Oooi — respondeu de novo, já achando graça e eu sorri para ela.

— Aqui — Robert finalmente disse ao meu lado.

— Pergunta para ela o nome dela, a idade, e onde estão os pais dela. Mas com jeito, ela é uma criança — lembrei, olhando com atenção o rostinho infantil.

Robert assentiu e olhou para a garotinha.

Ela foi mais rápida.

— ... Justin Bieber? — Foi só o que eu entendi, meu nome.

Robert olhou para mim.

— Você é o Justin Bieber? — Ele traduziu com humor.

Olhei para ela com um sorriso e assenti, depois estendi os braços, hesitante, e ela veio para o meu colo. Observei enquanto Robert começava um diálogo com ela, incompreensível para mim, e fiquei fazendo carinho em sua bochecha macia, procurando deixá-la tranquila. Ela tinha o cabelo castanho cacheado, a pele morena e os olhos igualmente escuros. Suas bochechas eram bem arredondadas e cheinhas, o que dava uma imensa vontade de morder.

— Seu nome é Amanda, ela tem quatro anos e se perdeu dos pais no parque aqui do lado — Robert disse e eu o olhei.

Suspirei olhando para a garotinha e depois para Scooter.

— O que vamos fazer com ela?

Certamente não ajudaria muita que eu saísse pelas ruas chamando o nome de seus pais. Talvez um dos garotos pudesse fazer isso. Um dos que não eram tão conhecidos pelos meus fãs. As beliebers são tão insanas que até minha equipe ficou famosa. Scooter refletiu um pouco, provavelmente pensando no mesmo ponto que eu.

E então, dobrando a rua uma mulher nos focalizou. Meu primeiro pensamento fora que havíamos sido descobertos, já podia ouvir os gritos quando denunciasse nossa presença exposta ali. Não havia elaborado uma estratégia ainda quando ela convergiu para nós, a aflição nítida em sua expressão era muito diferente da adoração desvairada encontrada em fãs. Sua pele morena estava envelhecida pelas linhas de preocupação no rosto, o desespero se diluiu em um quase alívio repentino nos olhos. Seus braços se estendiam para Amanda com urgência, e assim que a menina a notou, fez o mesmo. 

Apesar da semelhança de ambas, eu só passei a garotinha ao seu colo quando a mulher murmurou seu nome numa voz trêmula. Assim que a possuía em segurança no colo, ela a abraçou com ardor, suspirando. Foi como se um peso saísse de seus ombros, e metade de suas marcas de preocupação desapareceram do rosto num sorriso instantâneo. 

Depois, ela pareceu se lembrar de que estávamos ali. Murmurou algumas coisas rápido demais para meus ouvidos leigos. Eu podia deduzir que não era nada ruim, sua expressão era amistosa. Por outro lado, parecia apressada em sair dali, virou as costas e começou a se afastar com passos rápidos. Sobre seu ombro, Amanda me mandou um beijo. Atônito, eu devolvi. 

Se eu piscasse perderia tudo isso.

— Ela disse que a filha é dela e agradeceu — Robert deu de ombros.

— Do jeito que ela saiu parecia que tinha medo de que roubássemos a menina — comentei cético. Claro que eu não a julgava. Encontrar a filha com um bando de homens desconhecidos não passava lá a maior segurança do mundo - Nem me reconheceu.

— Ela nem olhou para sua cara, brow — Scooter brincou e bateu nos meus ombros, como se me importasse ser conhecido e notado por todas as pessoas do mundo — Bom, e...

Não prestei mais atenção nele. Claro que não, ao me virar para ir para van, trombei em alguém e caí feito "batatinha quando nasce, "se esparrama" pelo chão".

— Ai — eu gemi ao sentir o impacto nos meus cotovelos e a cabeça.

Kenny me levantou rapidamente, quase na mesma hora em que caí, como se o chão pudesse me eletrocutar. Eu fiquei ligeiramente tonto, mas percebi sua intenção de me passar para trás do corpo, me protegendo da pessoa que havia me derrubado. Distingui o rosto feminino da criatura ainda estatelada. Parecia-me inofensiva, portanto me esquivei de Kenny, eu tinha uma parcela de responsabilidade por nossa queda, deveria trazê-la ao plano seguro outra vez. 

Não tinha nada a ver com a curiosidade em interagir com uma garota do Brasil, claro. Inclinei-me movido por puro altruísmo. 


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