Mau Humor
Passei meus dedos sobre as texturas dos livros novamente, os títulos deles passavam sobre meus olhos entediados. Nada novo? Revirei os olhos e puxei um. A capa havia me chamado a atenção.
"Quando Tristan morre...ele vira um anjo...tenta se comunicar com Ivy..."
Ficção Científica.
Não querem mais saber de romances normais? Cotidianos?! A onde está a grande inspiração em Shakespeare?! Falta conteúdo. Opções. Quando não é romance sobre criaturas sobrenaturais com humanos, é erótico. Podemos concluir que, só faz sucesso se for sobrenatural, se não for, recorrer a pornografia funciona. A ausência de inovação é frustrante.
Apressei-me em sair da livraria antes que eu começasse a discutir com a garota que tinha o livro erótico mais famoso do mundo nas mãos lendo-o interessadamente, eu ia chegar dando sermão nela. Você ao menos tem idade para ler isso, amada?!
Coloquei minhas mãos dentro do bolso do meu casaco roxo e encontrei meu pequeno mp3 da mesma cor lá dentro, os fones já estavam nos meus ouvidos, então só apertei o play. A voz melodiosa veio em meu socorro.
Fall - Justin Bieber.
Um romance verdadeiro, é disso que o mundo precisa. Talvez eu pudesse escrever uma história sobre o que fala na musica, a letra é totalmente envolvente. Mas provavelmente não faria sucesso nenhum.
1º Não é sobrenatural.
2º Não teria partes quentes, uma vez que eu não gosto de romances eróticos.
Ao que parece eu sou a única.
Reparei no quanto estava irritada, mais do que o comum e tentei respirar fundo para expulsar o sentimento. Parei no ponto e estendi a mão para o ônibus parar ao ver que era o meu que estava vindo. Sorte do dia. Subi e olha só, quase vazio. Segunda sorte.
Passei pela roleta, entregando o dinheiro contado ao cobrador de meia idade que nem olhou na minha cara e me sentei em um banco de dois lugares já olhando para a janela, vendo a cidade passar pelos meus olhos.
Eu havia saído de tarde, sozinha, para ver se havia algum livro que eu quisesse na livraria, mas estava voltando de mãos vazias. Minhas críticas não são exatamente aos temas dos livros, dependendo do ponto de vista. Só acho que, não é porque um ou dois livros fizeram sucesso com determinado tema que deverá haver só livros assim para sempre.
Não odeio a atualidade. Só grande parte dela me irrita. Isso não me torna nada extraordinária, fora do normal... assim eu penso.
Ao ver que o ônibus se aproximava do meu ponto, me levantei e apertei o botão de "próxima parada". Não moro muito longe da livraria, mas não tão perto também. Desci e comecei a caminhar até minha casa, sentindo a empolgação conhecida tomar conta do meu sistema ao reconhecer a voz melodiosa .
— It's a big big world
Is easy to get lost in it... — cantarolei Up - Justin Bieber, na versão do show no México.
Para ser honesta, 90% do meu MP3 se baseava nesse artista em especial. O talentoso, majestoso, espetacular Justin Bieber. Posso ser considerada obcecada por alguns, doente por outros, mas belieber, na minha singela opinião.
Rodei a chave no portão e entrei. Abri a porta e a casa cheirava a mofo. Ou era eu e minhas paranoias. Abri as janelas e fui para o meu quarto, tirei meu casaco e minha bolsinha de lado e coloquei em cima da cama, juntamente com o meu MP3
Assim que saí do meu quarto ouvi a risada de Miguel, meu irmão mais novo. Pelo timbre da sua risada eu tinha certeza de que havia aprontado alguma, e alarmada, me arrastei para a porta do seu quarto.
Abri sua porta que estava entreaberta com barulho ao reconhecer o objeto que não lhe pertencia.
— Miguel! — eu disse furiosa encarando a pequena peste com meu Netbook na sua cama.
— Oi? — ele sorriu, como se não soubesse o que estava acontecendo.
— O que. O. Senhor. Está. Fazendo. Com. O. Meu. Netbook?!
— Mexendo, oras.
Respirei fundo. Ele tinha apenas alguns anos de diferença de mim, três para ser exata. Num porte mediano, pele azeitona, nariz grande e cabelos castanhos curtos ondulados, comportava seus treze anos de idade, e eu, logicamente, com dezesseis. Senti, portanto, os hormônios furiosos da minha adolescência vibrarem com a provocação.
— Garoto, seus dentes vão se mexer quando meu punho acertar sua boca! - Ameacei.
— Nossa, que violenta. — Ele agitou a mão no ar e continuou mexendo no meu netbook.
Pediu para morrer. Entrei no seu quarto e tirei bruscamente o netbook de suas mãos, contendo-me para não acertá-lo na sua cabeça.
— Menino insuportável, só não jogo isso na sua cabeça porque ele é útil, ao contrário de você. — Vociferei, já me voltando para sair do quarto.
— Há há e você é iludida que acha que vai conseguir chegar perto daquele biba encubado.
Meu irmão sempre usava desse artifício para me incomodar, com o discurso preconceituoso e ardiloso, sabia como me tirar do sério. Era uma estratégia muito eficaz para todos os outros também, recorrer a tentar ofender minha paixão juvenil para me atingir, já que ele era uma das coisas mais importantes para mim, no momento. E eu simplesmente não conseguia ignorar.
— Se está tão preocupado com a minha ilusão, por que não faz algo que preste ao menos uma vez na vida e me leva pra conhecer ele?! Seu.... Preconceituoso! Argh! — Bati a porta do quarto dele, ainda capaz de ouvir suas tentativas de me atingir.
Meu relacionamento com meu irmão não era tão ruim assim. Sempre. Piorou quando nós dois entramos naquela fase sombria da raça humana chamada puberdade. Os hormônios a flor da pele prestes a comprar briga por qualquer motivo aparente, resultando em faíscas desnecessárias pelos motivos mais idiotas. Às vezes eu nem sabia direito a causa de tanta fúria.
Deixei meu netbook no meu quarto e o tranquei, me direcionando para a cozinha a fim de descontar minhas inquietações na comida. Preparei um pão com mortadela e o comia olhando para o horizonte, imaginando respostas e situações em que eu calava o ódio destilado de todos meus provocadores em potencial. Naquele exato segundo, passou um carro na frente de casa, o som aumento ao máximo fazia as janelas vibrarem.
Claro. Tinha que ser. Um funk maldito dos infernos.
— Vou enfiar essa caixa de som no rabo de vocês e fazer explodir, seus malditos! — Murmurei irritada.
Por mais que eu realmente odeie esse tipo de música, sabia que o acúmulo de estresse disparado o dia inteiro tinha uma causa específica. Estávamos exatamente há uma semana antes da Believe Tour no Brasil. O show do meu cantor canadense preferido.
A frustração era sufocante. E eu não conseguia conter a raiva que sentia dos meus pais por isso. Praticamente todos os fãs do Justin que eu conhecia seriam levados pelos pais, que não se importavam nenhum pouco de proporcionar esse momento épico na vida dos filhos.
Eu não estava com inveja. Tá.... só um pouquinho. Mas eu ficava feliz por elas.
Segundo meu pai, eu era doente, tão doente pelo Justin que chegava a ser insanidade. Minha mãe o apoiava, como sempre, e minhas esperanças de três anos foram jogadas ao léu. Meu cofre da Believe Tour foi assaltado, por eles. Ou em seu termo psicótico, "recolhido e guardado para ser usado futuramente em algo útil que você precise."
Puft.
Desde o "não", me tornei tão chata e insuportável que nem eu me aguentava. Mas aí vinha o meu pai, com seu papo sentimental de "nós procuramos sempre fazer o melhor por você, podemos errar na dose, mas nunca é para te prejudicar. E é assim que você retribui. Você acha que assim vai ganhar o quê, a não ser a mágoa dos seus pais?"
Isso me quebrou as pernas. Então passei a ser um pouco mais paciente com eles, usando praticamente toda a minha quota. Portanto, para o resto, não tinha ser vivo que me suportasse. Houve um aumento considerável das minhas críticas sociais também.
Contudo, toda essa irritação, sobrepunha a grande tristeza. Quando você cria esperanças por anos, não é fácil quebrá-las sem um pouco de dor. Meus olhos ficaram úmidos. Claro, sempre que eu pensava nisso, me deprimia ainda mais.
Terminei de comer o pão e voltei para o meu quarto, me deitando na cama. Após suspirar, me recostei nos travesseiros e peguei meu netbook. Liguei-o e comecei a mexer na minha conta de fã. Só posso ser masoquista. Lá não era o lugar adequado para eu entrar no humor que estava. Elas estavam a cada segundo falando do show, e como estavam felizes por irem.
Argh.
Só fechei-o, sem paciência, e coloquei de canto. Peguei embaixo da cama "A última Musica" que é um romance lindo, e decente - novidade nessa sociedade -, embora eu realmente preferisse livros em primeira pessoa.
Acabei perdendo a hora com a leitura.
— Heloísa, vem jantar. — A voz da minha mãe ecoou.
Pisquei despertando e olhei para os lados desorientada. Nem percebi que tinha dormido com o livro em cima de mim, sem notar também que meus pais haviam chegado da reunião.
— Oi mãe. — Cumprimentei-a coçando o olho.
— Oi bebê. Como foi hoje? Achou alguma coisa na livraria? — Ela entrou e me abraçou, beijando minha testa. Eu reconheço que minha mãe me mima demais, me vendo como sua eterna criança, e eu sempre acharia aquilo adorável.
Devo dizer que minha mãe é a mulher mais linda do mundo, em seus 40 e poucos anos, corpo robusto, olhos castanhos pequenos, pele tão clara que só fica vermelha ao ser exposta ao sol, nariz médio, boca um pouco carnuda, linhas de expressão de sorriso e cabelos pretos lisos na altura dos ombros, é a própria branca de neve live action.
Neguei.
— Como sempre nada.
Ela suspirou.
— Chateada?
Dei de ombros. Só de pensar, minha garganta apertava.
Ela afagou minhas costas.
— Vem jantar, vem.
Assenti e me levantei, ela abraçou minha cintura e foi me conduzindo a sala de jantar. Meu pai, o homem mais lindo do mundo, de estatura baixo, cabelos castanhos encaracolados, pele escura, boca e nariz largos, estava sentado com Miguel, só esperando nós duas. Eles nos olharam.
— Vamos lá? — minha mãe perguntou.
Eles assentiram e se levantaram. Demos as mãos.
— Senhor, obrigada por esse alimento, abençoe a minha família e alimente os mais necessitados. Obrigada por todo o amor. Amém. — Minha mãe puxou a oração.
— Amém. — Respondemos juntos.
Durante o jantar eu sentia os olhos dos meus pais em mim, enquanto eu me mantinha em silêncio com minhas parceiras inseparáveis, depressão, mágoa e decepção.
Para mim seria difícil sobreviver àquela semana. Chegava a ser uma dor física inexplicável não poder ir ao show que eu sempre sonhei. Em certo ponto, era idiota. O que havia de tão ruim em não ver uma das razões dos meus melhores sorrisos?
Bem.... A pergunta em si já respondia.
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