Ingressos
"Agora já é depois. — Ele disse sorrindo.
— Sim, agora já é depois. — Refleti seu sorriso.
— Quer dar uma volta?
— Bom, — olhei para os lados. — Não tenho nada melhor pra fazer mesmo. — ele riu.
Ele me levou pra uma sorveteria, depois pra uma praça.
— Me fala de você. — Ele olhou pra mim com aquela carinha de anjo. "
Fechei o caderno com um suspiro. Eu não sabia se escrever fanfic seria a coisa mais adequada a se fazer agora. A escrita sempre foi um refúgio para mim, embora eu nunca fique satisfeita com o resultado dela. Eu postava minhas histórias em um blog, não muito conhecido. Na verdade, quase nada conhecido. Mas não me importava muito, meu prazer sempre esteve em escrever.
Então eu devaneei, imaginando como deveria ser o rosto dele.... A tessitura da sua voz pessoalmente.... a maciez de sua pele... Não do blog, do Justin, digo. Minha linha de raciocínio estava meio bagunçada.
Bem, eu também me contentaria de vê-lo de longe no show. Seria ótimo.
— Heloísa, a pizza chegou! — Ouvi meu pai gritar.
Respirei fundo.
— Não tô com fome. — Gritei de volta.
— Vem cá, Isa, pelo menos um pedaço! — Meu pai insistiu.
— Tá. — Me levantei.
Direcionei-me para a cozinha com a mesma animação de um zumbi. No dia seguinte seria a tão esperada Believe Tour no Brasil e eu não iria. Meu humor não estava dos melhores, assim como meu apetite.
— Tcharam. — Minha mãe abriu a caixa da pizza.
Era pizza de frango, minha preferida. Tentei dar um sorriso. Eles estavam tentando me animar. Claro que não precisariam se simplesmente tivessem me deixado ir ao show...
— Obrigada mãe, mas...
— Não tá com fome? Não precisa estar. — Ela disse sorrindo e me sentou em uma cadeira.
— Mas...
— Um pedaço. — Ela colocou no prato e baixou na minha frente, depois encheu metade de um copo de coca para mim.
Suspirei e peguei um garfo e faca e fui cortando em pedaços. Os três ficaram olhando para o meu rosto, bem quando eu só precisava fica sozinha para fazer meus beicinhos, me lamentar e chorar. Tentei fazer uma cara normal enquanto comia e meu pai falava com minha mãe sobre o amigo do trabalho dele. Não saberia dizer exatamente o quê.
Terminei a pizza finalmente e tomei o resto de coca, tudo forçado.
— Vou pro meu quarto, obrigada. — Dei um meio sorriso e me virei.
— Não, Isa! Comprei chocolate. Sua caixa preferida. — Minha mãe interrompeu.
Chocolate, minha salvação em depressão. Me virei de volta e ela sorriu.
— Está na gaveta da geladeira.
Assenti e fui até a geladeira, peguei a caixa de Lacta e voltei para a mesa. Sentei-me outra vez e abri a caixa com um suspiro, previamente podia sentir o hormônio da satisfação percorrendo meu sangue, provocado pelo açúcar, meu tipo de calmante natural.
Peguei um Ouro Branco e comecei a comê-lo.
— Isa, o que é isso embaixo do plástico? — Meu pai perguntou curioso.
— Isso o quê?
— Ali ó. — Ele apontou para debaixo da caixa, onde eu ainda não tinha terminado de desembrulhar.
Virei a caixa, derramando os bombons na mesa e analisei. Um papel retangular. Tirei completamente o embrulho para estudá-lo melhor. Na verdade, eram dois papéis retangulares. Assimilei as letras para compreender as palavras... Mas eu achava que devia estar muito neurótica com toda a história do show e tudo o que eu conseguia ler era Believe Tour.
Esfreguei os olhos e li de novo.
Sim, realmente estava escrito Believe Tour ou eu estava completamente biruta.
Ofeguei e olhei para os meus pais.
Eles sorriam.
— Meu amigo tinha comprado os ingressos para a filha dele, mas ela não vai poder ir, então eu comprei dele.
Quase entrei em combustão, sem realmente acreditar no que estava ouvindo. Meus olhos pularam das órbitas, prontos para desfilar na mesa. Eles estavam brincando?! Li de novo, temendo que as palavras mudassem, mas permanecia a mesma coisa.
— Não acredito! Não acredito! — Gritei, afobada.
— Você vai com a sua mãe e...
— Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah obrigada! — Pulei no colo dele e a cadeira quase caiu.
Os três começaram a rir de mim.
— Sério, sério? — Perguntei sem acreditar, achando que a qualquer momento eles me revelariam a verdade.
Meu pai assentiu.
— Você é uma ótima filha, merece isso. — Minha mãe completou.
Abençoado seja meu insight para ser paciente com eles. Se depositasse todo meu humor nos causadores dele, incialmente, eu não teria a chance. Com certeza só reforçaria ao meu pai o quanto eu era obcecada.
— Usamos seu dinheiro para comprá-los, e ainda sobrou um pouco. — Meu pai colocou a mão no bolso e me entregou um bolinho de dinheiro. Naquele momento não me importei em checar a quantidade.
— Obrigada, obrigada! — Abracei forte o pescoço dele e depois o da minha mãe.
— De nada, agora vai dormir que temos que acordar cedo para enfrentar fila. — Minha mãe disse sorrindo.
Isso até era estranho, ela sorrindo após dizer as palavras acordar cedo e enfrentar fila. Estranho era também o fato de mudarem de ideia sobre eu ir ao show do Justin assim. Bom, acho que minha depressão era muito visível.
— Pode deixar. — Disse com meus olhos enchendo de lágrimas — Muito obrigada, sério. — Limpei meu rosto quando a emoção transbordou.
Eles riram de mim e me abraçaram de novo. Deixei os ingressos com minha mãe e praticamente saltitei para o banheiro, após me desejarem boa noite.
Nem acredito que eu vou, nem acredito!!! Minha cabeça rodava rapidamente enquanto eu tentava me concentrar nas simples tarefa de me preparar para dormir. Encarei-me no espelho enquanto escovava os dentes, percebendo o sorriso que dificultava um pouco a tarefa. A espuma escorria mais do que o comum para fora da minha boca. Não era uma cena bonita.
Mas estava difícil assimilar o jorro de emoção que partiu literalmente do nada. Eu havia me arrastado para a sala de jantar deprimida o bastante para estar cabisbaixa, e de repente me sentia a pessoa mais feliz do mundo. Aquela era uma das melhores notícias que eu poderia ter na minha vida, e não tivera tempo de me preparar para ela. Não tivera tempo de entender que eu veria com meus próprio olhos, que a terra um dia haveria de comer, o deus grego dominador de grande parte dos meus pensamentos. Eu sentia vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Estava entrando em um colapso, certeza.
Deixei minha mente vagar para a ilusão de que pudesse pegar pegar a sua mão, como devia ser a textura de sua pele? Por foto parecia ser de porcelana, e eu estava sedenta para comprovar o fato. Poderia chegar tão perto do palco a ponto de sentir seu perfume? Os ingressos eram para a Pista Premium, a pista mais próxima ao palco. Claro que várias pessoas acampavam há meses para ter esse feito, mas, a esperança é a última que morre, a grade era bem grande.
Imaginei se poderia encontrá-lo, abraçá-lo e dizer as ensaiadas frases. Quase impossível, sim, mas nunca se sabe os planos do destino. E se nos trombássemos nos encaminhando para o Anhembi, o local do show? E se ele desse mole e acabasse esbarrando comigo no fim do show? E se Scooter visse minha cara de piduncha e resolvesse me levar ao palco de livre e espontânea vontade?
Na verdade, provavelmente Scooter não viria para esse show.
Não interessava, eu poderia gerar compaixão em qualquer outra pessoa. Ter um inglês fluente era um dos meus maiores trunfos, embora no começo eu não estava tão empolgada com as aulas. Aliás, qual criança vai querer estudar inglês duas vezes por semana ao invés de estar brincando?
Eu sabia, contudo que, se acontecesse de eu encontrá-lo, não conseguiria falar muita coisa. Minha timidez tinha o timing perfeito de só aparecer em hora inconveniente. Se é que havia algum momento conveniente para ser tímida.
De qualquer forma, eu não queria chegar feito uma fã louca — o que eu sou — gritando e chorando:
— Justin!!! Eu te amo!!! — Ele sorriria, me abraçaria, mas seria como todas as outras. Isso se não fugisse correndo.
Andava tendo umas ideias mais:
— E aí Jus, meu brother, como vai? — Forçado? Indiferente? Tosco demais?
Passava muito tempo pensando nisso e nunca conseguia chegar a lugar nenhum. E a esperança de falar com ele, eu não conseguia reprimir. Então era isso. Sempre.
Fiquei tentando criar situações em que nos encontrávamos na minha mente, era impossível detê-las. Chegava ao ponto do absurdo. Coisas como, nos esbarrando na rua e ele me levantando e olhando nos meus olhos como acontece nos filmes. Ou no meio do show, ele olhando para a plateia, seus olhos encontram os meus, depois ele não consegue mais desviar os olhos de mim...
O show tinha acabado, eu estava saindo meio decepcionada com tudo, aliás, não consegui realizar um dos sonhos mais almejados, tocar sua mão e olhar em seus olhos enquanto ele olhava nos meus. Tentei me contentar com o fato de vê-lo, pude estar tão perto, tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. Enquanto outras nem ao menos essa oportunidade tiveram. Sim, eu deveria ser grata.
Andando desatenta como sempre, meu corpo trombou com algo sólido e ricocheteou para trás. Logo, como uma maçã podre, eu estava no chão.
— Ai. — Reclamei, colocando a mão na cabeça. Um leve latejar se espalhava por trás dela.
— Filha, você está bem? — Ouvi meu pai perguntar e me estender a mão.
Sentei-me, desorientada.
— Acho que sim. — Aceitei sua mão para me ajudar, e imediatamente estranhei sua textura, estava mais fina e macia do que costumava ser. Meu pai tem calos nas palmas das mãos de quem trabalhou a vida toda.
No intuito de investigar, olhei para cima e vi seus olhos.
Olhos cor de mel.
Era ele.
Levantei-me estabanada na cama, ofegante. E então, ao me situar, comecei a sorrir.
Era ele.
Depois o sorriso foi se desfazendo.
Era um sonho.
Mas comecei a sorrir de novo e meu coração acelerou com a percepção repentina. Aquele era o dia do show! Balancei a cabeça com reprovação. A bipolaridade de estar meio segundo atrás feliz, depois triste, depois feliz, era confusa demais. Mas me perdoei, classificando o comportamento como nervosismo pré-show.
Sem aguentar mais, pulei da cama e olhei a hora no meu celular. 3:30 a.m. Dormi o quê... uma hora? Uma hora e meia? Menos? Não sabia dizer. Só o que me importava era estar diante daqueles olhos doces como mel e a voz macia como algodão...
Apressei-me, abri meu guarda-roupa vasculhando com os olhos.
Ai meu Deus. O que eu poderia vestir? Procurei também com as mãos, fazendo uma imensa bagunça, imediatamente choramingando por não ser rica. Fui jogando algumas combinações em cima da cama, até que fui assaltada por uma lembrança: as surpresas do show!
Merda, merda.
Deixei as roupas como estavam e liguei o computador, balançando as pernas, agitada. Conferi no fã-clube quais seriam as placas e as fiz rapidamente, imprimindo logo em seguida, mordendo o lábio durante o processo.
Mal havia terminado e já saltei para voltar a desordem em cima da minha cama, analisando minhas opções. Coloquei as mãos na cintura.
Qual o Justin gostaria mais?
Eu quase ri da minha idiotice, mas a inspiração ajudou a escolher o conjunto, que não era exatamente um conjunto. Peguei a roupa e entrei no banheiro. Procurei tomar um bom banho e rápido ao mesmo tempo. Não sei se adiantou, mas passei muito sabonete e shampoo, para impregnar em mim, seria um longo dia na fila. Quando o encontrasse, eu estaria fedendo a gamba se não me prevenisse.
Enxuguei-me logo após fechar o chuveiro e passei hidratante, desodorante e perfume, quase tudo ao mesmo tempo — eu estava com muita pressa. Vamos, fiquem em mim aromas agradáveis. Me vesti rapidamente e me olhei no espelho, crítica. Decidi que um gloss não cairia nada mal.... E pronto.
Eu de calça preta e camiseta preta com uma estampa do Justin na fila e no show seria realmente uma coisa linda. Calor que me aguarde. Respirei fundo, a barriga agitada. Eu precisava acordar meus pais com a maior delicadeza que pudesse para que não percebessem meus surtos esporádicos e me internassem antes que eu pudesse realizar meu sonho, que estava tão próximo de ser realizado.
Olhei no relógio, 4:10 a.m. Tudo bem, já havia passado da hora de acordarem.
Saí do quarto e me deparei com minha mãe no corredor.
— Mãe?
— Oi. Bom dia. — Ela beijou minha testa e me olhou — Já pronta?
— Mais do que pronta, vamos, vamos! — Disse agitada.
Ela riu em sua voz rouca de sono.
— Ok, espere, tenho que me arrumar, estava indo te acordar mas...
— É mãe, vaaaaaai. — A interrompi, apressada.
Ela riu e deu meia volta.
Tudo bem. O próximo passo era arrumar minha bolsa e comer alguma coisa para avisar a todo meu sistema para acordar — se houvesse alguma parte de mim que não estava em plena agitação.
Literalmente corri e abri a geladeira. Tinha um pedaço de pizza do dia anterior, e concluí que seria minha melhor opção. Engoli o alimento — o que eu consideraria um crime quando estivesse em sã consciência, e disparei de volta ao meu quarto para pegar uma bolsinha e colocar as plaquinhas dentro.
Minha mãe apareceu na porta quando fechei o zíper, já arrumada.
— Vamos?
— Aham. — Assenti — Mas espera.... Vamos passar o dia na fila, o que vamos comer? — Eu mesma me surpreendi que pudesse pensar em alguma coisa que não fosse chegar logo, mas comida era uma coisa muito importante para mim.
Ela levantou uma bolsa grande em sua mão.
— Algumas coisas.
Sorri.
— Vai falar tchau para o seu pai. — Ela me disse indo para a porta.
Assenti e corri até o quarto deles. Meio adormecido, seu corpo se voltou para a minha direção com a entrada ruidosa. Em um só movimento dei um beijo em sua testa e agradeci aos ingressos mais uma vez, ao passo que ele me desejou "bom show" e me mandou ter cuidado. Não prolonguei o assunto e concordei já a caminho da porta.
Saí correndo de casa e encontrei minha mãe no carro.
— Mãe, tá com os ingressos?
Ela abriu o porta-luvas para que eu checasse. Tudo em ordem.
— Está com os documentos? — Ela perguntou passando a mão nos cabelos para tentar abaixar um pouco mais do volume de seus fios lisos pretos na altura dos ombros.
Mostrei a ela a bolsa que eu estava, com as plaquinhas, minha identidade e meu R.A.
— Eu nem posso acreditar. — Disse, me sentando e fechando a porta — Vamos mãe, pise fundo!
Ela balançou a cabeça com humor e ligou o carro, pacientemente. Para nos preparar dignamente, tirei meus Cd's do porta luvas, em nome da boa lealdade, coloquei o My Words primeiro, cantando todas as músicas a plenos pulmões.
Lembrei-me de como fiquei extremamente triste por dias quando não pude ir na My World Tour, oportunidade em que prometi que daria meu sangue para ir na próxima turnê. Por um acaso do destino ela se chamava "Believe". Foi justamente por acreditar que consegui o dinheiro para os ingressos. O sabor da vitória é indescritível.
Devaneei um pouco mais quando começou a tocar One Less Lonely Girl. A música em que ele costumava chamar uma garota ao palco, entregar um buquê e cantar em volta dela, na melhor serenata que qualquer pessoa poderia sonhar em receber na vida.
Eu queria tanto ser a One Less Lonely Girl desse show. Era uma chance em milhares, mas, se acreditar havia sido a chave até ali, eu poderia fazer um esforcinho.
Por favor Deus, que eu seja a One Less Lonely Girl.
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