Capítulo 7 | A Aquisição

O Monte Everest não chega aos meus pés
Porque eu estou no topo do mundo
Estou no topo do mundo, sim
O Burj Khalifa não chega aos meus pés
Você poderia tocar o céu, mas você não chegaria aos meus pés
Porque eu estou no topo do mundo

Mount Everest | Labrinth

Cheguei na sede da Mitchell Inc., o edifício de 31 andares que ficava localizado na 57th Street, e adentrei no elevador que ia em direção ao último andar, a diretoria. Olhei para o relógio em meu pulso que marcava 9:13h da manhã. Eram treze minutos de atraso para a reunião — cortesia do trânsito irritante e caótico da Fifth Avenue.

    Além da máfia a qual eu comandava com punhos de ferro, também era dono de um aglomerado de empresas e cassinos que, além de me colocarem em meio à nata da sociedade, mascaravam todos meus negócios no submundo do crime. Uma enorme riqueza limpa e outra, mais exorbitante ainda, suja. Tudo era resultado de um trabalho bem orquestrado. Para chegar onde estava hoje, sempre me importei com os mínimos detalhes que pudessem ser problemas futuros. Precauções evitam surpresas. Todos os meus negócios eram bem administrados, camuflados. Meus sócios eram sempre discretos, assim como os homens que trabalhavam para mim, não permitia que algum que tivesse o nome ligado a crimes ou atitudes suspeitas, eram geralmente homens de família normais ou fantasmas.

    Ao sair do elevador e cruzar o corredor silencioso e de decoração moderna, avistei a senhora Lambert que, como sempre bem-disposta e profissional, levantou-se de seu âmbito de trabalho e se deslocou ao meu encontro com sua agenda eletrônica em mãos.

    — Bom dia, senhor Mitchell — disse de maneira formal, alinhando um fio de cabelo loiro invisível em seu penteado impecável com seus dedos finos.

    Depois de grandes problemas e imprevistos com secretárias incompetentes que não perdiam oportunidade para se jogar em cima de mim­ — não que eu não apreciasse tais ações promíscuas, mas prezava por bons funcionários, o profissionalismo era necessário para manter a ordem quando se tratava de meus negócios ­—, busquei procurar uma pessoa realmente profissional para o cargo, papel este que Marylin seguia com maestria. O fato de a senhora de meia idade a minha frente ser casada e mãe de dois filhos facilitou muito a situação.

    — Bom dia, Marylin. Quais meus compromissos hoje? — perguntei.

    — Os representantes da empresa em Londres já o aguardam na sala de reuniões. Às 11:30h, o senhor terá uma reunião com a agência de publicidade para discutir sobre o lançamento da nova coleção de carros. Para tarde, o senhor Matteo Dumont está solicitando uma conversa informal com o senhor aqui na empresa. Ele entrou em contato ontem após o horário comercial, deduzi que seja algo que merecesse sua atenção, uma vez que o mesmo foi bastante insistente para conseguir sua presença.

    — Ele informou o teor dessa conversa?

    — Comentou sobre uma encomenda ou algo assim, senhor. — Bom.

    — Certo, confirme sua vinda e o horário — instruí. — Poderia me informar se Muller já está na empresa?

    — Não chegou ainda.

    — Certo. Deixe um lembrete para sua secretária para que, assim que tiver ciência de sua chegada, avise-o que o quero em minha sala.

    — Sim, senhor.

    Entrei na sala de reuniões com rosto impassível como de costume, fitei indiretamente cada integrante da reunião, vendo que automaticamente todos cessaram a conversa que seguiam após minha chegada. Ocupei a cadeira destinada a mim na parte superior da mesa oval e aderi a postura de negócios.

    — Bom dia, senhores. Desculpem-me por fazê-los esperar, o trânsito de NY não estava favorável — disse, usando uma máscara cordial. Era algo que precisava manter nos negócios lícitos, apesar do meu desejo constante de mandar todos à merda.

    — Bom dia, senhor Mitchell — respondeu, de forma enjoativa, a diretora de finanças britânica, enquanto me fitava com uma malícia retida em seus olhos verdes esmeralda. — Não foi incomodo algum.

    Percebi que aquela longa reunião não seria nada atrativa, mas, sim, irritante.

    — O que vocês têm para mim hoje?

    Após duas horas de conversa, prestação de contas, esclarecimentos e uma demissão, a reunião foi produtiva, acabou com bons resultados.

    — Senhor, talvez a demissão do senhor Frédéric seja pouco precipitada — falou um dos membros do conselho administrativo, seu rosto pálido estava tomado por hesitação.

    Não o respondi a princípio, apenas sustentei o olhar inquisidor sobre ele, observando sua feição já marcada por marcas do tempo. Ao receber minha atenção, assisti seu mínimo movimento enquanto ele se retraia em seu acento, aparentemente arrependido de suas palavras.

    — Imagino que, por ainda ser o CEO daqui, possuo o direito de tirar um sujeito irresponsável do meu quadro de funcionários. Não vejo motivos para sustentar um peso morto, ele tinha apenas um propósito, e não vi êxito em seu feito. — As palavras fluíam em um tom sereno, mas imponente. — Então, senhor Davies, se não quiser seguir o mesmo caminho que ele para o RH, é aconselhável que fique com a boca calada e não questione meu alvedrio — disse, com uma calma invejável enquanto via o medo pregado em seu rosto.

­    — De-desculpe-me, senhor — gaguejou, tirando o olhar do meu.

    Despedi-me de todos e fui para minha sala. Adentrei no espaço amplo e perfeitamente organizado onde eu residia por grande parte do dia. Sentei-me na cadeira confortável e a girei em 180º, ficando frente a frente com visão das ruas e a aglomeração abaixo proporcionada pela camada de vidro que substituía a parede.

    Hoje, como em vários outros dias, aquela estranha preencheu meus pensamentos. Porra, já havia se passado um mês inteiro desde o dia em que a vi e ela ainda teimava em circundar minha mente. Isso era novo para mim, já estive tantas mulheres que nem ao menos conseguiria contar e mal lembrava os nomes delas no final de uma foda, mas ela era diferente. Eu só a vi por poucos minutos, apenas uma fodida vez, mal cheguei a tocá-la, e garota não me deixava em paz, como uma feiticeira. Em meio a esses pensamentos tortuosos, me indagava se ela era casada, solteira, de onde era. E permanecer na porra do escuro me frustrava. Aquilo não estava certo, eu precisava esquecê-la, e iria conseguir.

    Perdi a linha de pensamento com mínimo ruído da porta sendo aberta.

    — Sua mão não vai cair se bater na porta antes de entrar — falei, voltando-me para Dante, meu amigo que possuía um mal humor crônico.

    Dante Muller era um homem reservado, esquivo a brincadeiras e dono de um semblante observador e calmo, totalmente o contrário de Jacob, que era um bastardo insuportável. Éramos amigos desde a infância, mesmo após seu afastamento quando ele se tornou um Navy SEAL e saiu em missões pelo Oriente. Muller atuava como meu braço direito na empresa e também participava dos negócios da máfia, além de outros serviços sujos.

    — O que quer comigo? — falou, de forma direta, sem rodeios. Esse era seu jeito.

    — Preciso que negocie a nova carga de drogas com os italianos, Henrico lhe espera à tarde.

    — Por que não poderá ir? — rebateu, ainda sustentando a maneira impassível.

    — Vou me encontrar com Dumont.

    Vi suas sobrancelhas grossas se unirem milímetros e seu maxilar definido se contrair ao citar Matteo.

    — Esse bastardo é um doente. — Ele cruzou os grandes e fortes braços envoltos por seu terno negro e continuou: — Não fazemos negócios como os dele, nunca fizemos.

    — Não me importo com seu negócio, me importa apenas se ele tem o que eu quero.

    Balançando a cabeça levemente, ele acabou tomando conhecimentos de meu real propósito.

    — Você é mesmo um fodido de merda — cuspiu. — Ainda sustenta essa ideia ridícula de comprar uma esposa?

    Ele e Jacob não absorveram bem a forma que eu havia encontrado para conseguir meu filho. A princípio, nem mesmo eu aceitei, mas acabei percebendo que era solução mais acessível no momento — mesmo que fosse realmente fodida.

    — Sim, e a ideia é ótima. Me trará êxito. — Suspirei compassadamente. — Também quero mande sua equipe investigar Frédéric Walker. Cave à fundo, principalmente suas movimentações mais recentes. E se ele estiver envolvido com alguém que quer nossa cabeça a prêmio, providencie sua saída do mapa.

    — O britânico? — a voz baixa e controlada pediu.

    — Sim, o rato descobriu sobre a máfia ou algo relacionado, percebi sinais disso na reunião, ele estava usando isso para tirar proveito, também deixou no ar menções comprometedoras e suspeitas.

    Eu não tolerava aquilo, ameaças insignificantes vindas de vermes ambiciosos que se metiam a espertos.

    — Está feito. — Levantou-se e foi embora como veio.

    Ri de sua arrogância e irritação. Idiota.

    Enquanto estava mergulhado em linhas de contratos, elevei a cabeça ao ouvir o bip do interfone.

­    — O quê? — perguntei, enquanto ainda tinha a atenção a uma clausula do documento em minha mão.

    — O senhor Dumont está aqui para ir ao seu encontro, senhor.

    — Mande-o entrar — avisei. — E, Marylin, não quero nenhuma interrupção. — Não para o que estava prestes negociar nesta conversa.

    — Okay, senhor.

    Dumont entrou na sala com seu sorriso arrogante, porte alto e magro, cabelo grisalho e um visual extravagante, com direito a um camisa social vermelha lisa e vários anéis de ouro nos dedos — peças essas que foram adquiridas com a venda de vidas.

    Eu repudiava seu negócio de traficar pessoas, mas estava engolindo minha repulsa por seus feitos, sendo hipócrita à níveis fodidos, e querendo ter uma das mulheres que ele tinha em suas mãos nojentas como mercadoria. O ditado "situações desesperadas pedem medidas desesperadas" não tirava o peso que aquilo projetava em minhas costas.

­    — Imagine minha surpresa ao saber que o Diabo queria meus serviços. — Seu tom de animação só me deixava mais irritado por sua presença irritante.

    — Sente-se — cortei seu papo furado. — Vamos direto ao ponto em que eu consigo o que quero e você some da minha frente — falei, recostando-me mais na cadeira confortável.

    — Você é bem mais metido do que me disseram, Mitchell.

    — Tenho certeza de que também sou mais cruel do que falaram. — A ameaça saiu velada, ele ficou em silêncio ao notar a verdade em minhas palavras.

    Eu odiava lidar com merdinhas inconvenientes como ele. Não me sentia superior em relação aos mesmos — não seria idiota ao ponto de pensar que tinha as mãos mais limpas —, mas ainda assim não conseguia evitar o descontentamento diante de suas presenças.

    — Tenho o perfil que você quer, há uma grande variedade para escolha.

    Meus pais provavelmente estavam se revirado no túmulo por saberem o que o filho deles havia se tornado, ao ver a merda que estava prestes a fazer.

    — Ótimo, quero vê-las ainda hoje.

­    — Não vai questionar sobre o preço? — Matteo disse, levemente surpreso.

    — Deveria saber que isso é irrelevante para mim, Dumont.

    — Se prefere assim — a sombra de um sorriso dançava em seus lábios —, irei passar o endereço para lhe mostrar tudo hoje à noite.

    — Não me decepcione, Dumont. — Encarei o homem a minha frente, que já tinha um sorriso amarelo em seu rosto.

    — Eu não seria idiota em o fazer.

    Seguia no carro que estava sendo conduzido por Marco, um dos homens que trabalhavam para mim, já estávamos perto do endereço. Enquanto isso, Jacob teimava em cantarolar em meus ouvidos sobre o quão era errado o que eu iria fazer.

    — Porra, isso é fodido em muitos níveis. Essa merda não condiz com você, Derek — resmungou novamente, enquanto passava a mão no cabelo castanho bagunçado pelo repetido movimento.

    — O que você queria, caralho? Eu sou um merda fodido, um demônio, o Diabo. Já tirei incontáveis vidas, por minhas mãos ou ordens, e ter o destino de outra em mãos não tem muita diferença — ralhei, encarando o horizonte escuro através das janelas do SUV. — Eu já sei de tudo isso de certo e errado, não é necessário mais um sermão — explodi, já tendo peso na consciência o suficiente. Olhei-o de relance e concluí: — Não é como se você fosse diferente, também.

    Ele riu amargo e ressentido por minhas palavras — palavras erradas, percebi. Merda. Jacob já tinha problemas suficientes com sua mente por ser o que era, abominando o monstro — como ele sempre se titulava — que se tornou. Era um caminho complexo e eu havia entrado em território perigoso com o que tinha acabado de dizer.

    — Você está certo — olhou com seriedade para mim e continuou —, mas, dessa vez, apenas aproveite essa chance e tente fazer diferente.

    Fiquei confuso ao ouvir tal coisa sem sentido, mas decidi deixar o assunto por encerrado. Logo estávamos no galpão abandonado, ficava em uma localização estrategicamente afastada da cidade. Avistei os carros conhecidos à nossa frente.

    — Não me responsabilizo de minhas ações caso eu mate aquele merda — Jacob disse enquanto ajustava sua desert eagle no coldre.

    — Idem.

    Observei meus homens que estrategicamente chegaram com antecedência. Eles que já estavam a postos para me dar segurança, prontos para qualquer contratempo após terem conferido o perímetro. Também tinha a certeza de que havia um sniper em algum ponto alto, cobrindo minhas costas, nada nem ninguém sobreviveria se ousasse me atacar. Nesse mundo de crimes e poder, toda precaução era pouca.

    — É bem pontual, Mitchell. — Matteo veio nos receptar.

    — Meu tempo é curto — disse em um tom frio, ao me aproximar da estrutura abandonada, essa que se encontrava em ruínas.

    Olhei de relance para Jacob e notei a máscara de impassível e imponente a qual ele havia aderido.

    — Acompanhem-me —pediu, assim o fizemos. — Como eu havia falado antes, tenho aqui uma vasta diversidade.

    No centro de um cómodo espaçoso e pútrido, dez mulheres com vendas sobre olhos entraram em nosso campo de visão. Fui bastante exigente ao solicitar apenas mulheres adultas, nada de crianças. Mas o que chamou minha atenção em demasiado foi o pequeno corpo com rosto de traços angelicais que estava em meio às outras mulheres e que ocupou minha mente durante um mês. Eu a reconheceria em qualquer lugar, mesmo com a maldita venda nos olhos.

    Puta. Que. Pariu.

    Era ela.

    A pirralha feiticeira.

    Cacete.

NOTAS

57th Street: ampla via pública no bairro de Manhattan em Nova York, uma das principais ruas de mão dupla, leste-oeste do bairro.

Fifth Avenue (ou Quinta Avenida): é uma avenida extremamente movimentada de Manhattan e é considerada uma das mais importantes e conhecidas em Nova York, e, devido às propriedades caras de particulares e mansões históricas que possui em toda a sua extensão, é um símbolo de riqueza de NY.

Navy SEAL: soldado da força de operações especiais da Marinha Americana. SEAL é a sigla derivada das capacidades de atuação desta unidade militar, que pode atuar no mar, em terra e no ar (SEA, AIR and LAND).

Desert Eagle: pistola semi-automática.

Olha eu aqui de novo, trazendo mais Derek pra vocês!

Já estava escrito na estrelas que esses dois iriam se encontrar novamente, mas o que vocês acharam em relação a essa peça que o "destino" pregou? Será isso apenas um negócio? O mafioso vai ser a salvação da morena ou o mais um problema? E nossa Mag, como está com tudo isso? 

Nos vemos no próximo capítulo!

Bye kk

 ©K. Lacerda

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