Capítulo 36 | A Face do Ódio

Tão longe de casa
Estou enviado um corvo
Com sangue nas asas
Esperando que chegue até você a tempo
E você sabe o que isso significa
[...]
Se você chegar até mim tarde demais...
Só sei que tentei

Far From Home (The Raven) | Sam Tinnesz

H O R A S   A N T E S . . .

Minha cabeça pesava, o sono chegava a ser tão profundo que eu simplesmente não conseguia lutar contra a escuridão densa daquele abismo. Restava-me ceder, embora quisesse fugir de onde quer que estivesse sendo conduzida.

    Senti, no entanto, o peso sair de mim — talvez um bom tempo depois. Minhas faculdades retornaram, pude novamente voltar à lucidez quando meus olhos se abriram e foram bombardeados pela claridade não tão intensa.

    Eu já tinha visto essa cena antes. Jurei para mim mesma que nunca mais estaria diante de tal situação, mas não podíamos fazer promessas tão estúpidas quando não sabíamos o que o futuro reservaria.

    O meu sempre me levava a precipícios. Talvez estivesse escrito que minha sina seria o sofrimento perpétuo.

    Pousei meus olhos ainda nublados naquela sala aterrorizante para alguns, mas não mais para mim. E como poderia? Já havia, meses atrás, passado uma temporada em uma pior. Dentro desta, todavia, haviam um colchão — o qual eu estava sobre —, duas cadeiras perante uma mesa velha e metálica de frente para mim.

    Ainda estudando aquela cela, desloquei minha visão até a porta. Mas algo me deixou alerta.

    Algo, não. Alguém.

    Estava, então, um homem enorme com os braços cruzados sobre o peito. Suas vestes eram escuras. Usava coturnos negros, tal como a cor de sua calça militar. Seu físico enorme não me intimidava, apesar de tudo. O que faria muitos congelarem era, entretanto, sua expressão. Os olhos claros eram a representação do gelo, o mesmo que poderia estilhaçar sentidos.

    — Por que estou aqui? — questionei, recuperando minha voz que estava morta desde o momento em que tudo ocorrera. E, como em uma avalanche, minhas memórias se firmaram, me infligindo agonia. Jacob. — Foi você quem atirou nele?! — Fechei minhas mãos, sentido as mesmas tremerem, um reflexo da dor e raiva. Eu não vou chorar, não vou. Por favor, Sullivan, esteja vivo. — Que lugar é esse?

    O sujeito não me respondeu de imediato. Não. Ele me mediu antes, inexpressivo.

    — Sabe que estive por muito tempo te observando? — o tom da voz era estável, centrado. Letal.

    — Então você é um stalker de merda? — Tirei os olhos da tatuagem enorme que tomava todo o seu pescoço. Não consegui segurar o sarcasmo, apesar de ter ficado alerta.

    — Essa é uma característica sua, eu sei. Sempre na defensiva, ardilosa, apesar de parecer impulsiva. Mascara as fobias com palavras duras. Você não é de ferro, Mitchell. Eu sei que está apavorada agora, tal como sei que teme pela vida de seu coleguinha — ele dizia aquelas palavras como se apresentasse um formulário decorado. Estava sendo a única pessoa além de Derek a conseguir me ler. Porra. – Nesses poucos meses eu pude absorver muito sobre minha missão, que era você.

    Meses?

    Missão?

    Por que iriam...

    Derek. Era isso que ele estava buscando evitar com toda aquela segurança? E eu estava nas mãos de novos criminosos, mas agora como uma peça em um jogo? Parecia a única explicação plausível, assim como, também, me deixava em choque.

    Não sabia se seria de valia para eles — uma parte de mim pensou que eu não significava nada para Derek. E a outra... A outra gritou pra ele me tirar daqui. Porque parecia tão impossível...

    — Por que estou aqui? — pedi, já sem paciência e um tanto desconfortável por estar sendo analisada de forma tão transparente.

   — Isso não é assunto meu, cadela, então não espere respostas vindas de mim. — Afastou-se da porta a qual estava encostado e deu dois passos até mim, parando próximo ao colchão onde eu estava e se agachando até ficar sobre os calcanhares. — Sabe o que também observei? — Virei meu rosto para o lado oposto ao seu, nervosa com a proximidade, mas ele firmou seus dedos sobre meu queixo e segurou com rigidez, levando-o novamente em direção a si. — Sua beleza. Não me admira que aquele merdinha tenha tanta estima por você, coisinha gostosa. — Fitou meu colo marcado pela blusa azul e folgada que eu usava. Eu só queria que ele parasse, seu olhar era diferente, dava-me calafrios. A sensação que tomava meu corpo era como a de um gatilho sendo o pivô de diversos medos que eu havia lutado tanto para enterrar. — Eu queria ser ele naquela hora que saiu para te foder na Outsider. Você me deixou duro enquanto dançava naquela pista. — Como ele poderia estar em tantos lugares? Quem era esse homem? O sujeito liberou o aperto em meu queixo, dando-me liberdade poucos segundos antes de selar suas mãos grandes e frias em meu pescoço, prendendo-me contra a parede com força. — Será uma pena ver seu corpo gostoso desfalecido em uma vala qualquer daqui pouco tempo. — Ele me largou, então, e pude novamente voltar a respirar, faminta por oxigênio.

    — Irão me matar? — consegui perguntar, alarmada.

    Ele se levantou, voltando ao seu silêncio. Mas um toque agudo chamou sua atenção. Visualizei ele tirar um telefone estranho do bolso e levá-lo até o ouvido.

    — Estou com o ônix. — Ônix? — Não. Tudo ocorreu conforme previsto. Apesar daquele idiota ter entrando onde não devia, assegurei que não seria necessário a escolta extra, não quando já tinha controle sobre tudo, nunca trabalho em conjunto. — Ouve um breve momento de silêncio, deduzi que a outra pessoa do outro lado da linha tomou a voz. — Se você o diz. Estou aguardando, não se atrase ou irei deixá-la à deriva nesse lugar. Nossos negócios estão se encerrando aqui. — E desligou.

    Pelo pouco que captei, eu seria um objeto a ser entregue daqui há algum tempo. E, também, estava sozinha aqui com ele?

    Antes de me dar as costas e sair pela porta metálica, o homem me disse, com nada além de desprezo na voz:

    — Desfrute de suas últimas horas de vida, vadia. — O baque da porta ecoou pela câmara.

    Merda, por quê?

    Uma lágrima teimava em descer por meu olho, mas reprimi o ímpeto. O motivo para essa angústia era tão primitivo. A dor da separação. Nunca mais iria ver meu irmão na vida, sentir o calor de seu sorriso inebriante? E meus amigos? A sensação de pertencimento que me tomava na presença de ambos.

    E ele. Nosso último momento foi uma conversa crua. Mesmo eu tentando acreditar que não, pensar que seria o fim doeu.

    Se eu fechasse os olhos, conseguiria imaginar perfeitamente a imagem de todos os que ocupavam meu coração.

    Até mesmo o intruso.

Três horas e vinte e três minutos se passaram — eu mesma havia contado.

    Foi uma escolha após sentir as paredes daquele recinto sufocante se fecharem sobre mim em uma avalanche. Então comecei.

    De 1 a 60, em um compasso — então era mais um minuto ali. E, quando percebi, aproximadamente 203 minutos haviam se passado. E ainda estaria seguindo com a contagem caso não tivesse ouvido vozes abafadas do outro lado que tiraram minha concentração.

    — Tudo acaba aqui. — Foi a voz do homem que vi horas atrás que foi ouvida mesmo por trás da parede.

    — Você deveria ouvir a proposta. — Essa voz não tive a capacidade de discernir.

    — Não respondo a você, não vim até aqui por seu comando. Talvez eu não esteja interessado em negociar com você. — Todas as palavras eram ditas duras.

    — Não é uma ordem. Quero contratar seus serviços. — O outro homem desconhecido falava de forma persuasiva, fazendo uso de um timbre que deixava explícito suas más intenções. — Eu não sei quem você é, mas acredito que ele te mandou até aqui porque você é bom no que faz. Então eu quero que mate uma pessoa, aqui, usando suas habilidades do sniper que eu suponho que é. Um tiro. Mais dinheiro em suas mãos. Você já está no território, por que iria recusar esse negócio?

    Um silêncio momentâneo de instalou.

    Mas minha mente não estava plena. Não, ela iniciou um emaranhado de suposições após ouvir àquilo.

    Mas eu deduzi.

    Iriam me usar para atrair Derek? E depois...

    Não.

    Saber daquilo, além de me desesperar, deixou-me aflita. O ceticismo pela compreensão me engoliu.

    — O dinheiro é vivo, estará em suas mãos segundos após seu êxito. Apenas o mate no momento certo e suma. — Eu não queria estar certa. Não queria.

    — Quero a quantia agora, minha garantia. Ou nada feito.

    Com um aperto no peito, eu ouvi uma risada forte e maléfica.

    — Terá. Tudo o que exijo é que encomende seu fim.

    O ruído da maçaneta da porta girando me fez abrir os olhos em um rompante.

    Antes que me preparasse, a porta se abriu novamente e eu não estava mais sozinha. Dois olhos tão azuis quanto o oceano me encararam em apreciação.

    — Enfim tenho você em minhas mãos, querida Magan.

    Eu estava em pé, tinha o feito há alguns minutos atrás. Estar frente a frente àquele homem não fez com que eu me sentisse menos nervosa.

    Vestido em um sobretudo negro, o sujeito alto e robusto se fez presente a poucos passos de mim. Sua expressão denunciava que estava contente em me ver — algo que não compartilhávamos. Tive a sensação de ser devorada por seu olhar venenoso, o mesmo que era incessante.

    — Quem é você? — Minha voz não falhou, lutei para que não o fizesse.

    Antes que me respondesse, porém, pude notar um sorriso cheio de dentes brotar no rosto bem cuidado, emoldurado por um cavanhaque perfeitamente desenhado.

    — Vamos pular as apresentações por ora. — Colocou suas mãos nos bolsos da peça que usava. Deu dois passos, um pequeno ato que deixou meu corpo tenso. — Está gostando das acomodações? — Olhou ao redor, para as paredes mofadas e úmidas.

    — Quem. É. Você? — repeti compassadamente, os movimentos ritmados em minha mão se repetindo novamente. Meu punho se fechava e abria.

    Contida — por um fio.

    — Sabe o porquê de estar aqui? — Não esperou por minha resposta, no entanto. — Você agora é valiosa. Ele fez questão de cuidar disso, te valorizando tanto. — Balançou a cabeça, como se recriminasse a ação. — Me deu munição de bandeja, foi tão fácil.

    Sim, eu estava certa. Porra. Como iria sair dessa?

    — O seu plano é esse? — cuspi. — Não vai funcionar. Você nunca vai chegar nele.

    — Teme por seu amor?

    Dessa vez foi eu quem ri. Precisava.

    — Amor?

    Mais um passo.

    — Sim. Assim como você é o dele.

    Então eu gargalhei. Sim, ri com vontade, transparecendo minha diversão mediante o que acabara de ouvir.

    — Você é um idiota — decretei ao cruzar os braços. — Pegou a pessoa errada.

    Ele balançou a cabeça — o movimento fez seus cabelos escuros rente ao queixo balançarem. Aquele homem, não restavam dúvidas, era o responsável por eu estar naquele cativeiro.

    Verme.

    — Oh, não. Eu não estou errado. Tenho certeza do quanto você significava para ele.

    — Você e o resto do mundo — rebati, já sem a diversão passada. — Por que é isso o que ele quer, afinal, sempre tem o controle de tudo.

    — Está falando isso pelo fato de ter sido comprada por ele? — pediu, o sarcasmo gotejando. — É notícia velha, não vamos nos atentar a esse detalhe.

    Fiquei surpresa por ele saber disso, entretanto não transpareci nenhuma reação.

    — Não quando o ódio que me domina ainda está presente. — Sorri, apenas um pouco.

    — Quer mesmo que eu acredite que você o odeia?

    Permanecendo na defensiva, embora demonstrasse estar calma e despreocupada, não deixei de encará-lo.

    — Você não sabe de nada, como já disse, as informações que tem são infundadas. Eu e Mitchell não temos nada, eu sou apenas seu brinquedo e o resto que você e todos os outros sabem é apenas um teatro.

    — Isso é contraditório, uma vez que parece tão real quando você está fodendo com ele.

    — Eu tenho raiva do Derek, mas não sou cega. — Dei de ombros. — Por que não aproveitar, uma vez que já estava na merda? — Ele semicerrou os olhos, analisando minha fala de modo sorrateiro. — Mitchell não vai vir atrás de mim, sou apenas uma boceta a qual ele usa quando está entediando, você não vai obter êxito me usando como moeda de troca, chega a ser patético.

    — Seria patético se eu acreditasse nas palavras que saem de sua boca — ele disse.

    — Na minha opinião você seria patético se negasse minha oferta.

    — Do que está falando? — Senti sua respiração perto de mim, perto demais. Mesmo desejando estar a milhares de quilômetros de distância. — Qual é sua cartada, Thompson?

    — Eu quero te ajudar a destruir Derek Mitchell. Eu quero destruir o homem que acabou com a minha vida. — Cada palavra, cada afirmação, foram totalmente sólidas. E ele percebeu isso.

    — Olha, o que temos aqui, hum? — Riu abertamente, como um fodido psicopata. — Por que eu acreditaria nisso? Por que você iria fazer isso com seu marido?

    — Por que eu não o faria? — Fitei seus olhos nublados. — Ele me jogou em um inferno. Derek destruiu tudo ao meu redor, é uma ameaça aos que eu amo, então eu quero sua ruína, quero me ver livre dele.

    — De que outra forma você poderia ser de valia para mim? — Pegou meu cabelo entre os dedos, reprimi a vontade de me afastar.

    Sôfrego tempo.

    — Passei meses naquela casa. Observei muito, sei muito. Eu pude conhecer mais aquele homem, e, adivinhe? Foi fácil perceber seu ponto fraco.

    — Que é....? — Ergueu a sobrancelha escura. Apesar de confiante, uma faísca de curiosidade e hesitação tomou seu rosto por uma fração de segundo.

    — O poder. Destrua seu império e você vai estar o destruindo no processo. E é aí onde eu entro. Tenho informações que só quem dorme sob o mesmo teto que Mitchell pode ter. Você possuiria, de fato, a chance de destruí-lo por onde mais dói.

    Em uma daquelas tardes enfadonhas onde eu buscava abrigo na biblioteca, acabei por encontrando um pequeno livro sobre a poltrona de leitura, onde, por entre as páginas, estava uma marcada, sobre destaque, e o que li foi tão verídico e incrustado que não pude esquecer. A guerra se baseia no engano, se faz pelo ganho e se adapta pela divisão e combinação, era o que dizia um trecho dos quais li.

    Ele levou uma mão até meu queixo, mas cessou o movimento quando pus a minha sobre seu braço, barrando seu contato nojento.

    Riu para mim. Algo nele, uma mínima fração, era familiar, mas não conseguia discernir o quê. Talvez a insanidade.

    — Essa proposta é tentadora, mas, independentemente do seu ódio incubado — contradisse —, já tenho meu plano formado, o poder pode ser seu ponto fraco, mas você também é um. — E foi então que senti uma picada repentina no meu pescoço, mal tive tempo de impedir que ele apertasse a seringa antes que eu o afastasse de mim. — E vital.

    Grunhi no momento em que ele arrancou a agulha de minha pele, então me afastei dele, com a mãe sobre o local violado.

    — O que diabos injetou em mim, filho da puta?!

    — Deveria me agradecer, estou facilitando sua morte. Talvez ela seja menos dolorida, ou até mesmo indolor para você.

    Uma mentira, eu sabia. Sentia meu sangue latejando mais a cada segundo. Talvez pelo que havia sido jogado nele, ou pela raiva que me dominou novamente.

    Ele, então, foi até a cadeira vaga e a puxou, sentando-se despreocupadamente em seguida.

    — Quer ouvir uma história?

    — Eu quero matar você. — Não era um blefe.

    Um desequilíbrio de emoções manchou seus olhos. Foram apenas segundos em sua presença, no entanto era possível captar que algo muito escuro tomava aquele homem. Não duvidava que seria o ódio — mácula carregada de tamanho nível corrosivo que era causa de erguimento e declínio. Sabia que podia ser bela, tal como a rosa onipresente que desabrochou e tomou Hiroshima, mas era, também, tão implacavelmente destrutiva quanto a carnificina nuclear. Não queria mais sentir aquilo, era autodestrutivo, não era vida.

    — Vou deduzir que isso seja um sim. — Riu como se lembrasse de uma piada. Ele era louco? Minhas dúvidas não eram infundadas, afinal. — Sabe, há alguns anos, dois garotos eram tão ligados pela vida, mas, ao mesmo tempo, tão estupidamente cegos — começou, centrado em meus olhos, embora não demonstrasse estar me vendo, de fato. Era como estivesse assistindo uma cena passada diante de si. — Havia uma família, ela era perfeita. A merda que as tradicionais famílias americanas mostram na tv. Mas por trás da porta haviam mazelas; a mãe era uma drogada em segredo, o pai devia até o traseiro em apostas, e, ah, tinha o filhinho prodígio. Ele era perfeito no colégio; boas notas, comportamento impecável, um lorde mirim, apesar de nunca demonstrar que sofria agressões da babá que agia sob os olhos negligentes dos pais. — Toda a sua fala era revestida por sarcasmo. — Mas sua boa ficha durou pouco. Ou pelo menos se estendeu até o assassinato dos pais. Há relatos de que o garotinho assistiu a chuva de tiros que eles levaram certa noite, afinal, quem deve sempre precisa temer.

    Em meu interior eu estava horrorizada com aquilo. Com todas as atrocidades revelas como um relato sórdido e prazeroso, com a imagem dessa suposta criança. Seria ele? E porque estava me contando tudo isso?

    Escorei-me se volta na parede, já não mais tão firme.

    "Órfão, ele só tinha uma pessoa a quem recorrer. — Pôs a mão sob o queixo, tocando em sua barba. — O irmão do seu pai, que se disponibilizou para cuidar do seu querido sobrinho abandonado. Mas, alguns anos depois, mesmo recebendo todo o cuidado do adulto, o monstrinho ingrato derramou o próprio sangue. — Engoli em seco. Que merda era essa? Eu só queria que ele parasse. — E é aí que a existência dos garotos se cruzam.

    — Pare. — Minha visão começa a ficar turva.

    Ele se deliciou com minha negativa, tomando como incentivo para continuar.

    — Não muito longe dali, jazia um bastardo. Foi concebido em uma fatídica noite regada a álcool. A mãe, não muito mais que uma prostituta, não teve crédito ao dizer que carregava um filho do homem. Não julgo ele, e como poderia? Talvez ele até tenha sido apenas parte de um número dos que visitaram sua boceta naquela noite. — Pare. Pare. Pare., minha mente gritava. — Mas ele acabou acreditando quando, exatos nove meses após aquela noite, pôs os olhos em uma criança com orbes de tom safira, cabelos tão escuros quanto o presságio da noite. Seu retrato, possuía todos seus traços. E, embora não vivesse com o bastardo, ele o visitava por vezes, até o levava para passeios nas ruas de Portland. E, em certo ano, as visitas diminuíram, e o moleque, que apegado a figura que lhe acompanhou pela vida, passou a receber apenas migalhas. Seu pai passou a estar sempre irritado com algo, sem tempo para ir visitá-lo, o mal humor constante quando o fazia. Aos quinze anos, o adolescente estava pronto para dizer ao homem que não queria mais apenas receber restos, queria seu pai de volta, mas não pôde. — Sorriu novamente, de modo sujo. — Ele recebeu a notícia de que havia perdido seu progenitor, em uma briga de bar, disseram-lhe. — Seu olhar se escureceu. — Mas depois ele descobriu que a história não foi contada da forma certa. Ninguém sabia que o filho da puta que monopolizou a vida que ele deveria ter tinha sido o causador da morte que recaiu sobre seu pai.

    — Isso é mentira. Você é louco! — consegui exclamar.

    — Os dois garotos cresceram. Ambos seguiram pelo lado podre da vida, não é lindo? — continuou. — Mas, mesmo após conseguir toda plenitude que poderia conquistar em sua vida, um ainda sentia algo. Ainda precisava fazer algo. Ele devia aquilo a alguém.

    Não sabia nem ao certo o que pensar mais.

    Tudo se tratava de uma vingança. Oriunda de tantas atrocidades...

    Senti uma pontada em meu pescoço, a mesma que foi tomando todo meu corpo. Fechei os olhos, lutando para conter os surtos.

    — E, sabe a moral da história, querida? — questionou-me. Não olhei em sua direção, meus olhos estavam lacrados. — Mesmo após o tempo, a ira de um homem nunca esquece seus devedores. Ela grita por retaliação. Ela quer dor e sangue derramado. Ela fica faminta.

    — Doente — sussurrei enquanto meus joelhos cediam e eu arrastava minhas costas na parede suja, até que chegasse ao chão. — Você é um doente.

    — Diga-me, quem não é? — Mesmo com os olhos fechados, comecei a ver vultos e ouvir sussurros, meus sentidos foram roubados e começavam a entrar em colapso. — Todas as pessoas são doentes, o que difere cada uma é sua mazela. Qual é a sua, Magan? O ódio pelo homem que você ama, talvez? Viver em inferno? A dor da perda recente? Me fale, o que lhe aflige?!

    — PARE! — O desespero me dominava ao compasso em que eu sentia formigamentos em minha pele, algo semelhante a toques. Gritava para mim mesma que era ilusão, mas parecia real demais para que eu ignorasse.

    "Vadia fraca.", sussurravam.

    "Você é tão fraca."

    "Vê no que se tornou? Sua mãe iria ter nojo de você agora."

    Pare. Pare. Pare!, gritava, clamando para que minha própria voz parasse de me destruir.

    Risadas preencheram minha mente, várias, todas direcionadas ao meu declínio.

    "Patética."

    — Te apresento o meu inferno, Magan Thompson — ouvi a voz sob meus gritos desesperados. Uma risada se reverberou. — Aproveite enquanto pode.

oi!

antes de tudo, devo um pedido de desculpas pela falta dessa semana. não foi proposital, infelizmente não pude atualizar a fic como de praxe :(

mas aqui estou eu de novo, sempre trazendo surtos e afins. o que acharam do capítulo? foi bastante complicado escrevê-lo, não só pelas cenas tensas, mas também por me envolver pra caralho nas entrelinhas do mesmo — coisa que raramente ocorre em minha escrita. assim como vocês, eu também estou sentindo com a mag (sem onda), mas, como muitas histórias que vocês já devem ter lido, tudo é um composto, várias frações são necessárias para se chegar ao resultado final.

agradeço por sua leitura e por não desistir da obra ;) não esqueça de deixar o voto, honey.

©K. Lacerda

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