Capítulo 21 | Estilhaços
Porque está muito frio
Para você aqui e agora
Então me deixe segurar
Suas duas mãos nos bolsos do meu suéter
Sweater Weather | The Neighbourhood
Fiquei na academia por horas, talvez já fosse madrugada. Parei quando estourei o saco de pancadas com um golpe bem calculado carregado em fúria. Estava exausto, meu corpo pingando em suor. Naquela altura as bandagens em minhas mãos não serviam mais para barrar a dor absorvida pelos golpes. Entretanto, naquele momento a dor era algo bem-vindo. Suspirei com força, tentando recuperar o fôlego. Saí da academia enquanto desenrolava as bandagens dos punhos. Quando cheguei perto de uma janela com a visão para a piscina algo me chamou atenção. Vi o pequeno corpo na beirada da mesma. Não demorou muito para que eu percebesse que era a Magan, mas, no segundo seguinte, prendi a respiração quando a vi se jogar na água, principalmente após não ter visto mais movimentos. Seria um mergulho, ou...? Não podia ser...
— Puta merda! Pirralha tola! — xinguei assim que tomei ciência da situação.
Já com as mãos livres, corri o mais rápido que pude para a área externa, torcendo internamente para que não fosse tarde demais. Enquanto desviava de móveis e abria portas — maldita casa grande —, pensava no porquê de ter feito aquilo. Aquela mulher exalava resiliência, transparecia ser forte. Perder a mãe provavelmente devia ter sido o limite. Não pode ser tarde demais, eu pensava. Quando cheguei na área da piscina, me joguei dentro da extensão azul. Nadei pela água, tentando encontrá-la, mesmo com a visão precária. Até que vi o vislumbre de seu corpo no fundo. Nadei ao seu encontro, como se cada segundo que eu perdesse para chegar até ela fosse decisivo para sua vida. E era. Agarrei seu corpo frágil, para depois nadar para cima novamente, rápido. Não pode ser tarde demais.
Soltei a respiração assim que cheguei na superfície. Estava sentindo os efeitos da falta de ar, mas ainda tinha que agir. Segurando-a em meus braços, sentindo sua pele macia e gelada contra a minha, saí da piscina e a depositei na borda. Não vi movimento em seu peito, e, após aproximar meu rosto de sua boca, também não senti sua respiração sair. Porra.
Comecei a fazer o processo de respiração boca a boca, tentando reanimá-la, também com o auxílio das massagens cardíacas. Repeti o processo algumas vezes, até que seu corpo respondeu com espasmos de tosse. Não foi tarde demais.
Voltei a consciência abruptamente. O sufocamento contínuo tinha acabado, a sensação da água em minhas vias respiratórias era angustiante. Eu tossi, colocando o líquido invasor para fora, enquanto sentia mãos fortes em minha pele, segurando minha cintura, e outra abaixo da minha nuca.
Quando abri os olhos, Derek entrou em meu campo de visão. Seu cenho estava franzido, evidenciando um semblante preocupado. Observei também que o cabelo estava molhado, o peitoral se encontrava totalmente exposto e encharcado.
Ele tinha me... salvado?
Ainda abalada, sentei-me no chão, enquanto sentia um frio descomunal. Meus lábios tremiam, eu abraçava ainda mais o meu corpo, buscando me aquecer.
Por que deu errado?
— Onde você estava com a cabeça, porra?! — esbravejou, em repreensão, a voz transbordando dureza. — Perdeu a merda do juízo? — Quebrei nosso contado imediatamente, me esquivando de seu toque.
— Você não deveria estar aqui! — exclamei, ainda perdida. — Eu estava perto...
— De morrer, suponho — me interrompeu, sarcástico.
— De ser livre — concluí, já irritada.
Ele se inclinou para falar mais alguma coisa, mas decidiu não o fazer.
Apertei mais meu corpo, meu queixo tremia descontroladamente. Quando ficou tão frio? Subi meus olhos novamente para encarar Derek, mas seu olhar estava centrado em minhas vestes molhadas — que provavelmente estavam expondo meu corpo por causa do tecido fino da camisola. Envergonhada por ter seu olhar sobre mim e por notar alguns homens, aos quais eu imaginava serem seguranças, ao nosso redor, tentei cobrir meu corpo exposto. Ao perceber a situação, Derek pigarreou e ordenou rudemente para que pegassem uma toalha para que eu me aquecesse. Logo eu estava envolta por um enorme e felpudo tecido, que me ajudava a sanar o frio.
Tentei me levantar, em vão, pois Derek me tomou nos braços antes que eu conseguisse o fazer.
— O que cacete...? Coloque-me no chão — ordenei com a mínima força que ainda podia extrair de minha voz, mas fui ignorada.
— Cale-se. — Ouvi sua voz rouca perto de meu ouvido e meu corpo se arrepiou, mas, dessa vez, não por causa do frio. — Você está com frio e provavelmente fraca por não ter se alimentado hoje. Será mais rápido se eu a levar para seu quarto. Não argumente, será em vão.
Nada falei, apenas soltei um suspiro frustrado. Quando me dei por conta, percebi que meu braço estava em volta de seu ombro musculoso e meu rosto depositado na curva de seu pescoço. Paralisada com meu ato, eu mordi o lábio em nervosismo. O cheiro intenso e delicioso me deixava embriagada. Por que tudo tem que ser tão difícil para mim?
Após ter subido todas as escadas rapidamente, como se meu corpo não pesasse nada, chegamos ao meu quarto — aquele lugar nunca iria ser realmente meu. Fui colocada delicadamente na cama, permaneci sentada. A essa altura a toalha já tinha absorvido toda a água envolta ao meu corpo, evitando que eu molhasse tudo.
Passaram-se segundos, talvez minutos, e o cômodo se manteve em total silêncio. Eu não olhava na direção de Derek. Não conseguia. Eu me mostrei mais fraca diante dele, isso não era algo bom.
— Por quê? — Essa foi sua única indagação, a única sentença que saiu por seus lábios.
Sinceramente, eu não tinha resposta para isso. Nesse momento eu realmente não sabia o porquê de tal ato.
— Me pareceu o certo — murmurei, mais para mim do que para ele.
— O certo? — questionou e, quando ergui a cabeça em sua direção, nossos olhares se chocaram. — Fugir parece o certo para você, Thompson?
— Os desastres que aconteceram em minha vida parecem certos para você? — rebati, já exausta de tudo. — Minha vida se transformou em um loop infernal em um piscar de olhos. Eu me tornei uma prisioneira do destino. O que ainda importa agora, afinal?
Ainda mantendo a sua postura centrada, indiferente às suas vestes, ou a falta delas, Derek me respondeu:
— Sempre existe algo a se apegar. Um foco.
Ri de sua fala, amargurada. Que porra era aquela? Eu nunca mais iria poder viver como um ser normal, não tinha direito a escolhas, então, como diabos iria me apegar a algo para ser meu incentivo de vida?
— Minha vida é vaga, Mitchell. Simples. — Levantei-me, ficando cara a cara com ele. Parecia até que estávamos dando continuidade à nossa conversa de horas atrás. — Quais motivos para viver eu teria? Quem sabe acabar com você? Ou ir embora desse lugar? — Neguei com um manear de cabeça. — Não percebe que tudo isso é fodido? Coisas impossíveis? Eu. Cansei. De. Me. Iludir. — Demonstrei todo meu rancor, toda a raiva em palavras sussurradas.
— Aquela mulher que me xingou no trânsito não desistiria tão fácil — afirmou com propriedade, as palavras transbordando confiança. — Eu não te escolhi apenas por ser bela, Thompson, te escolhi, entre todas as outras, por sua força. Aquela Magan ainda está aí dentro. Encontre-a.
Voltei a balançar a cabeça em negação.
— Ela morreu, junto com minhas esperanças — garanti.
— Não acredito nisso.
— Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, disse Heráclito. Na segunda vez, o rio não será o mesmo, pois suas águas não são as mesmas, assim como nós também não seremos os mesmos. É isso, a mudança contínua. Naquele dia a vida ainda não tinha me mostrado sua face pútrida, eu não havia passado por tudo... isso. Então, hoje essa mulher que está aqui à sua frente é outra. Uma que foi reconstruída por estilhaços e moldada pela dor — despejei, comprimindo os lábios. — Você não me reconhece agora, pois tampouco já conheceu antes.
Ele me encarou, um olhar quase sufocante. Havia um magnetismo nesse olhar que me prendia veemente.
— Parmênides também disse que "O ser é o ser e o não ser não é". Apesar de não concordar com sua teoria imobilista — ele dizia —, acredito que nem tudo pode se mudar por completo, sempre resta algo. Mesmo que apenas fragmentos. Ainda há mais do seu "eu" antigo em você do que imagina, Thompson.
Entrar em um debate filosófico não era algo que eu estava afim de fazer, então apenas digeri tudo aquilo. Poderiam ser apenas palavras bonitas e supérfluas, assim como também poderiam ser verdades, chaves.
— Por que está fazendo isso? Por que está me "ajudando"? — retruquei, em sussurro.
— Eu não sei. — Isso me surpreendeu. O poderoso Derek também ficava no escuro às vezes.
— Não faz sentido. — Mordi o lábio inferior, ainda confusa.
Seu intuito podia ser apenas evitar outra tentativa de suicídio. De que sua posse serviria morta, afinal?
Realmente deve ser isso.
— Espero que aquilo não se repita — advertiu-me. — Preciso de você.
Eu não precisava que ele explicasse o porquê. Era exatamente o que eu imaginava.
— Eu não vou te dar um filho, Derek —reafirmei, enquanto apertava o tecido que cobria meu corpo. Fitei-o com atenção. Aquele Derek era tão diferente do que eu via todos os dias, do que sempre vivia acompanhado de uma impecável postura. Sua face apresentava cansaço, a fisionomia desgrenhada. Mas os olhos... Os olhos cintilavam um tormento, tempestades internas.
— O tempo é a chave — falou, apenas, ao passar por mim, já em retirada.
— Por que, Mitchell? — repeti a indagação de tempos atrás. Por que preciso tanto saber disso? Também me questionei.
Seus passos cessaram, para logo depois um suspiro pesado ser ouvido.
— Apenas achei que era o certo — respondeu e se foi, me deixando com meus tormentos e indagações.
Na quase penumbra do cômodo, encarei a noite estrelada através da janela de vidro, o cenário onde protagonizei uma burrice.
Por que você fez isso, Thompson? Desistir do jogo? Balancei a cabeça quando tomei ciência de minha atitude insana.
Forte
Eu precisava ser forte.
Mamãe não iria querer me ver assim. Não iria.
Era hora de ser uma mulher de fibra. Foda-se o resto.
©K. Lacerda
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