Capítulo 11 | Sobre Ordens
Estamos tentando pertencer
Recolher os pedaços restantes de nós
[...]
Estamos queimando
Nós somos as cinzas no chão
Experience | Ludovico Einaudi
Decidida a acabar com a fome exorbitante que me atormentava mais a cada segundo, decidi tomar um banho antes de descer e comer algo.
Tirei o cobertor que ainda jazia sobre mim e movi as pernas para o chão. Senti um desconforto em um ponto do meu braço enquanto apoiava o mesmo no colchão confortável para equilibrar meu corpo. Inclinei-me para frente, tentando me erguer, e consegui, a princípio, no entanto, quando minhas pernas ameaçaram ceder, precisei me inclinar para frente e apoiar meu ombro esquerdo na parede próxima. Ainda estava fraca, isso era nítido.
Depois longos segundos usando o plano fixo atrás de mim como apoio, eu consegui me acostumar com a situação e ousei dar passos em direção à poltrona do outro lado do cômodo. Ao chegar lá, encontrei roupas dentro da sacola a qual o Diabo havia trazido. Eram peças caras, notei, os tecidos finos denunciavam a origem. Suspirei. Ainda estava perdida sem saber o que faria de agora em diante.
Procurando o banheiro do quarto, fui em direção a uma porta branca que ficava próxima a mim, e estava certa, era o banheiro — e agradeci internamente por isso, estava cansada de mais para caminhar mais do que o necessário. Adentrei no espaço e me assustei com o luxo. Havia uma banheira de tamanho considerável na lateral do ambiente composto em tons pastel, e, sem analisar muito o resto do espaço, eu fixei o olhar no box moderno a poucos metros de mim. Era só daquilo que eu precisava.
Suspirando, comecei a retirar a roupa que cobria meu corpo. E foi quando eu me dirigia a fonte de água próxima a mim que eu notei. Notei a imagem da mulher que estava refletida em um enorme espelho próximo à pia branca. Aquilo me assustou muito, assim como doeu.
Meu corpo estava esquelético, os ossos de minhas costelas estavam evidentes sob a pele de cor marfim. Apoiando-me na pia com as duas mãos, encarei a figura destruída diante do espelho. Eu estava fodidamente pálida, meu rosto magro estava marcado pela evidente falta de peso. As madeixas longas jaziam um embraço entre os fios negro, o cabelo estava ressecado e horrível.
Quem era aquela mulher refletida ali?
Eu só enxergava dor em seus olhos opacos, apenas.
Torci o registro prateado e o fluxo de água caiu sobre mim como um bálsamo em meio à dores. Junto com a água que descia de forma incessante e sincronizada, minhas lágrimas também escorriam sobre meu rosto e também eram engolidas pelo ralo aos meus pés. Sem forças, eu me escorei na parede de vidro atrás de mim e escorreguei até o chão, ficando sentada em posição fetal. O chuveiro extenso ainda estava sobre mim, a água ainda lavava cascas externas, mas não levava a sujeira dentro de mim.
Então foi ali, naquele piso frio e impessoal, que eu chorei como uma garotinha. Permiti-me chorar por todos os meses que se passaram após aquele dia em que meu pai chegou na cozinha e anunciou que eu estava noiva. Tudo doía, eu sabia, mas me encontrava entorpecida pela avalanche de pensamentos tortuosos e torturantes.
Soltando um soluço grave, já de pé, eu esfregava toda minha pele, tentava limpar a imundice que ficou impregnada nela após as mãos dele a tocarem. Grunhindo, eu tentava tirar de cima de mim aquele sangue nojento. O sangue que eu derramei.
E, naquele momento de agonia, desespero e dor, a morte nunca tinha sido tão convidativa aos meus olhos.
Talvez eu tivesse passado uma hora inteira naquele lugar, realmente não sabia.
Com um roupão branco que encontrei no banheiro e envolvi sobre meu corpo, eu marchei em direção ao quarto com uma sensação de renovação, apesar de ainda sentir um peso ali, em minha mente.
Pude notar o quarto com maior precisão. Era tão luxuoso e bonito, mas tão... vago, apesar de toda mobília cara e impecavelmente elegante. Um ambiente impessoal e frio. A cama grande já havia sido arrumada. As paredes eram revestidas por uma cor marfim, o que ficava evidentemente conciliado com os móveis que seguiam um padrão de cor mais escuro. À minha frente estava uma cortina que ia de pouco abaixo do teto ao chão, e, me aproximando mais e separando os tecidos gêmeos de cor cinza, deparei-me com a porta de vidro que dava acesso a uma varanda com vista deslumbrante, mas estava trancada. Claro que está.
Voltei para trás e peguei, entre as peças trazidas mais cedo, um vestido vermelho. Era folgado e confortável, tinha alças finas e era justo apenas até minha fina cintura. A única coisa que tinha para calçar era um scarpin preto.
— Merda — disse enquanto calçava o objeto de salto agulha.
Coube perfeitamente em meu pé. Como ele soube qual tamanho eu calçava?
Acho que o certo seria questionar-me sobre o que aquele homem não sabia.
Suspirando, peguei o papel em cima da cômoda que tinha letras cursivas, mas quase ilegíveis, e vi as indicações das vitaminas e uma dieta. Caralho, legumes.
Abrindo a porta do quarto, cheguei a um corredor composto por várias outras portas. Receosa, segui na direção esquerda e logo à frente vi uma escada. Apesar de todo luxo e modernidade, o lugar não dava indício de pessoalidade alguma. Todas as cores eram de tons neutros e frios, a decoração era estranha demais para minha visão de caipira pobre.
Qual o intuito de comprar um quadro com um risco de lápis?
Desci as deslumbrantes e negras escadas e cheguei a uma grande sala, um hall, que seguia todo esquema de decoração que eu havia visto nos corredores, mas o que a tornavam magnifica eram as paredes frontais totalmente de vidro. Elas davam uma visão linda da extensão externa da propriedade, principalmente de uma piscina magnifica e um jardim.
Céus, quanto dinheiro esse homem tinha?
Fui tirada de meus pensamentos ao ouvir um pigarreio atrás de mim. Virei-me e fitei uma mulher ruiva. Ela vestia um uniforme apertadíssimo — que deixava seus seios praticamente pulando para fora — e tinha uma expressão nada amigável no rosto corado e com sardas.
— O seu café está servido, senhorita — disse, com um desdém explícito.
Talvez eu não tenha gostado dela.
Leve-me até lá, por favor — pedi, no mesmo tom.
Também sabia ser uma cadela quando necessário. Ela me olhou demostrando irritação, mas seguiu fazendo seu trabalho.
Que mulher estranha.
— Claro, senhorita. Acompanhe-me. — Deu-me as costas e caminhou em direção ao cômodo vizinho.
Fui levada até outra sala, onde vi uma mesa de vidro enorme repleta de comida. Mal conseguia prestar atenção no resto do cômodo, todo meu foco estava em um prato repleto de panquecas que jazia sobre mesa. Minha barriga vazia protestou em aceitação diante daquela imagem. Rapidamente me sentei e comecei a colocar coisas em meu prato.
Para minha total confusão e raiva, a ruiva azeda tirou o prato de meu alcance, para logo em seguida colocar um com frutas e coisas coloridas.
— Que merda é essa? — indaguei, controlando minha raiva que só aumentava a cada segundo.
— O senhor Mitchell disse que a senhorita precisa seguir uma dieta rígida. Apenas cumpro ordens. — Eu consegui enxergar diversão cintilando em seus olhos verdes.
Busquei me controlar ao máximo para não pegar esse prato colorido e jogar em seu rosto bonito, para tirar seu sorriso idiota.
— Senhorita... — deixei em aberto, para que prosseguisse com seu nome.
— Lindsay Davis — concluiu.
— Senhorita Davis, por mim aquele diabo, o seu querido chefe, pode ir se foder junto com todas suas ordens. Pouco me importa o que ele espera que eu coma. — Desferi as palavras lentamente. — Agora você irá sair da minha frente e me deixar comer toda e qualquer comida que eu quiser, em paz, se não quiser que eu perca a paciência que me resta e te mande à merda junto com essa dieta idiota.
Ela abriu a boca, surpresa, e apenas levantei a sobrancelha em desafio.
— Como preferir, senhorita. — Ouvi suas desculpas, antes de assistir a ruiva se retirar fulminando em raiva.
Voltei a encarar a comida a minha frente e meu apetite triplicou.
Que aquela dieta médica fosse para o inferno assim como aquele idiota.
E então eu comi. Depois de um mês sôfrego, finalmente tive uma refeição digna e saciei minha fome. Logo após isso, decidi conhecer algumas partes daquele lugar. Apesar de apreensiva, também estava curiosa. Vaguei pelos corredores, até que achei uma biblioteca de tirar o folego, onde também jazia uma enorme adega que ia do chão ao teto com vários vinhos, que, com toda certeza, valiam muito mais que minha alma. Analisei as enormes estantes repletas de livros, onde clássicos a empresariais tinham seu lugar.
Vinhos e livros. Sim, era uma combinação perfeita.
Já entediada de todo o silêncio e quietude da fortaleza, decidi voltar para o quarto no andar de cima e acabei dormindo ao me jogar na enorme cama.
Eu estava com a cara sobre a privada colocando as tripas para fora, quando batidas na porta chamaram minha atenção.
Eu havia acordado com uma demasiada ânsia de vômito e logo corri para o banheiro. Imaginei que meu sistema ainda precisaria de tempo para se acostumar com a nova rotina de alimentação após passar tanto tempo sem refeições dignas.
Depois de lavar a boca e me limpar, fui em direção à porta e, ao abrir, encontrei uma senhora com sorriso simpático. Aquele sorriso doce era semelhante ao da mamãe, notei. Meu coração apertou. Ela vestia roupas recatadas, mas elegantes, no entanto, ainda parecia um uniforme. Em seu rosto marcado por marcas do tempo era preenchido por uma expressão terna, mas ainda profissional.
— Boa tarde, senhorita. Sou a governanta da casa — anunciou-se. — Peço perdão por incomodá-la, mas o senhor Sullivan a aguarda na sala. — Sua voz era serena.
Franzi a testa. Senhor Sullivan? Quem diabos... As compras.
— Irei encontrá-lo, obrigada por vir me informar. — Sorri, em agradecimento.
— É apenas meu trabalho, senhorita. Se me permite, irei voltar aos meus afazeres.
— Ah... Claro — disse ao vê-la se despedindo com um aceno respeitoso e saindo em retirada pelos corredores.
Voltei para o quarto e calcei novamente aquele objeto de tortura que parecia ter mais de dez centímetros de altura. Como eu odiava saltos.
Quando cheguei a sala, meu corpo ficou tenso quando me deparei com o mesmo homem que ontem acompanhava o... Porra, eu nem sei o nome dele. O sujeito estava encostado na parede com os braços cruzados.
Ele era enorme, assim como pouco eu lembrava. Seus cabelos curtos eram preenchidos por um castanho escuro, os fios estavam levemente desgrenhados. Seu rosto era lindo, preenchido por traços marcantes que moldavam sua bela fisionomia. Notei que os olhos sob os cílios cheios eram azuis acinzentados, a boca com lábios carnudos possuía um sorriso malicioso e divertido de lado. Era forte e em forma, seus músculos eram notáveis. Estava usando uma calça jeans escura, blusa cinza e uma jaqueta preta por cima, tudo isso contrastando com sua pele clara. Um bad boy autêntico.
— Enfim a gatinha desceu — resmunou com a voz grossa e baixa, já se desencostando da parede.
— Não me chame de gatinha, imbecil. — Minha voz saiu ríspida.
Primeiro seus olhos cintilaram em surpresa, depois ele abriu um sorriso com seus dentes perfeitamente brancos e alinhados. Como e por que esses homens tinham tanta beleza assim?
— Olha só o que temos aqui: uma primeira dama irritadinha à altura do Diabo. — Sua expressão tomou uma forma brincalhona, que eu acharia linda e fofa se ele também não fosse alguém a quem eu deveria me manter afastada e tomar cuidado.
— Vamos logo acabar com isso, não tenho paciência para jogar conversa fora com um idiota como você.
— Derek está fodido. — Gargalhou enquanto passava em minha frente, em retirada.
— Quem é Derek? — perguntei, confusa.
Seu rosto se voltou para mim, o cenho franzido, também em confusão.
— O bastardo não te falou o nome dele? — Neguei com a cabeça. — Puta merda. — Riu. — Se bem que isso é bem a cara dele.
— Então o Diabo também atente por Derek Mitchell? — Testei seu nome.
— Como descobriu o Mitchell? — indagou, erguendo uma de suas sobrancelhas bem desenhadas.
— A empregada peituda recitou suas ordens e acabou entregando — resmunguei.
— Peituda, hum? — disse, em um tom presunçoso. — Preciso urgentemente conhecê-la.
— Sua boca só serve para falar merda? — Cerrei um pouco os olhos.
Ele me olhou de forma maliciosa, mas eu ainda podia ver a diversão dançando em sua face.
— Ela serve para muitas coisas, gatinha. — Piscou. — Inclusive, até te mostraria se seu noivinho não cortasse precioso meu pau com uma de suas adagas.
— Não precisaria dele para isso — dei de ombros —, eu mesmo o faria.
Ele leva uma mão no meio das pernas e outra no peito, fingindo estar ofendido.
— Poxa, amor. Eu pensei que seriamos ótimos amantes — dramatizou, era uma péssima atuação.
— Droga, um Aust 2.0 em minha vida. Será um karma? — resmunguei, marchando em direção a porta de três metros, enquanto ouvia a risada arrastada e descontraída atrás de mim.
— Me espere aqui. — Indiquei o lugar no corredor do andar do prédio, já em frente à porta do safado que eu tanto sentia falta.
— Derek me mata se souber que te deixei sozinha, caralho — negou, em contradição.
— Eu só vou conversar com ele e voltaremos em poucos minutos. — Tentei persuadi-lo usando meu melhor olhar de coitada.
Podia ter aprendido algumas coisas convivendo com a Anne.
— Certo. — Suspirou enquanto se encostava na parede. — Mas apenas 20 minutos, nada mais.
Toquei na maçaneta da porta e, suspirando profundamente, a destranquei. Ao entrar no apartamento, avistei um Aust abatido sobre o sofá, submerso em pensamentos e alheio ao que que passava à sua frente. Percebi que ele assistia Lúcifer. Uma lágrima desceu por meu rosto.
— Você deveria superar esse seu amor pelo Tom Ellis de vez — brinquei com um fio de voz, estava tomada pela emoção.
Ele se virou para minha direção e me olhou desacreditado, abriu a boca em surpresa e depois levantou-se correndo em minha direção.
— Mag! — Abraçou-me apertado, logo retribuí seu gesto.
Eu sentia suas lágrimas em meu pescoço e me afastei em declive para encará-lo.
— Ei, eu estou aqui, estou bem. — Tentei o confortar, colocando as mãos em seu rosto bonito banhado em lágrimas.
— O que aconteceu com você, Mag? Que roupas são essas? Por que você está tão magra? O que te fizeram? Onde você estava? A gente quase morreu de preocupação sem ter notícias suas, cadela. — disparava tudo de maneira rápida e descontrolada. Já tinha percebido que essa era uma característica sua quando o mesmo se encontrava nervoso.
— Eu... — Minha explicação foi interrompida com o barulho da porta sendo aberta.
— Aust, quem é esse cara gigante aqui fora? Ele ficou encarando minha bunda quand... — Anne entrava com uma sacola de lanche na mão e também cessou a fala ao nos ver. Seus olhos se arregalaram. — Mag!
A loira correu em minha direção e se jogou em meus braços.
Depois de toda surpresa e emoção, os abraços carregados de amor e saudade, eu os fitei e vi que era a hora da verdade. Olhando nos olhos chorosos, mesmo que tentasse, eu não conseguiria mentir. Eu sabia que eles queriam isso — a verdade.
— Sugiro que se sentem, a história será longa...
E eu esperava conseguir relembrar tudo aquilo sem desabar.
Olá, leitores!
Acho que o Jacob já está conquistando meu pobre coração Kk
Alguém também estava com saudades do safadinho, vulgo Aust?
Até a próxima postagem!
©K. Lacerda
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