Capítulo único: Desde que seja portuguesa!
Sempre que vamos a um supermercado o que vemos não é nem metade do que ele realmente é, tem toda uma hierarquia por trás de cada setor, desde o dono da rede até os faxineiros, os sacoleiros e é claro, os operadores de caixas. A vida em um supermercado pode ser bem mais interessante quanto parece, pelo menos, no começo. Após um certo tempo a rotina nos pega de jeito e, bom, não é mais aquela coisa gigantesca de fazer os olhos brilharem ao verem a coisa toda funcionando por detrás de todas aquelas prateleiras repletas de alimentos e bebidas. E isso Arthur sabia muito bem.
Trabalhava a pouco mais de dois anos em uma grande rede de supermercados do estado de São Paulo. Nos primeiros meses em que passou a fazer parte da equipe, tinha como trabalho repor a mercadoria em suas devidas prateleiras. A primeira vez em que foi ao depósito para encher o carrinho pela manhã, ficou parado se sentindo um bicho minúsculo no meio de tantas caixas e pacotes que iam até a metade do teto extremamente alto do lugar. Imaginava que dentro de um supermercado as coisas eram grandes mas não que era quase uma mini cidade com mini carros passando a todo momento carregando reposição.
Sim!
Mini carros!
Apenas quatro dias depois trabalhando ali dentro ele aprendeu que o nome daquilo era empilhadeira. Fazer o que, ele tinha dezessete anos e era novo no ramo. Foi em uma conversa com seu gerente, que ele descobriu e foi algo como:
— Rafa, os caras estão lá atrás com os mini carros para trazer as reposições que estão no caminhão e dois deles não querem funcionar — ele fala com o rapaz que estava tomando café na cozinha do estabelecimento.
— Mini... O que? — Rafa o olhava confuso, até porque, como teria mini carros em um mercado?
— Carros! Que carregam as reposições. — ele diz de uma forma totalmente natural, como se fosse algo óbvio.
— Tá de brincadeira que você chama as empilhadeiras de mini carros, né?
Os dois seguiram para onde estavam as empilhadeiras e lá Rafael contou como Arthur às estava chamando, foi constrangedor pois todos riram e zombaram dele. Alguns bons meses depois ele foi promovido para operador de caixa e pensou que todos já haviam esquecido o ocorrido, mas no seu primeiro dia no novo setor, Rafael lhe disse:
— Bom, Arthur. Esse é seu novo posto, não tem muito mistério, você só precisa apertar esse botão para abrir a gaveta, esse para quando for passar as compras e esse para encerrar. A Amanda ensinará tudo o que você precisa, mas nunca se esqueça de perguntar primeiro se a pessoa quer nota fiscal paulista, mesmo sabendo que na maioria das vezes a resposta é não. — ele estava saindo de perto do caixa quando finalizou. — Antes que eu esqueça, o nome disso é computador e não tv com números, calculadora tamanho família ou laptop da xuxa. Só para não confundir igual aos "mini carros".
Isso também foi constrangedor pois assim como a história dos mini carros, todos que estavam por perto riram dele e passaram um bom tempo o caçoando.
O começo foi assustador já que ele foi promovido bem no mês das festas de fim de ano, o mercado estava lotado e a todo momento saía briga, algumas bastante inusitadas como a de duas mulheres que saíram no tapa porque uma delas queria um pacote de macarrão que havia acabado e não tinha mais no depósito, então achou uma solução: pegou a de um carrinho alheio. A dona viu e fez o maior escândalo e no final nenhuma das duas ficou com a massa pois no meio das bofetadas o pacote se rasgou. A única coisa que conseguiram foi um pedaço rasgado da blusa de uma e um tufo de cabelo da outra.
Tirando esses eventos de tempos de festa tudo era muito calmo, tão calmo que nem mosca passava mais por lá. Eram sempre os mesmos clientes em busca de quase sempre as mesmas coisas. Mas ele gostava bastante, por exemplo, da senhora Margarete que ia lá pelo menos duas vezes no mês e lhe presenteava com um pacote de bolacha ou chocolate. Uma vez lhe deu algo que, segundo ela, eram balas de menta, em seu carrinho haviam três pacotes coloridos, sendo um de menta e dois de morango, mas não eram balas. A coitada estava sem seus óculos nesse dia e foi uma situação um tanto embaraçosa. As até então balas eram camisinhas! Mas tudo foi resolvido e Arthur fez questão de depois comprar um pacote realmente de balas e dar para ela.
É, talvez nem tudo fosse tão calmo a ponto de ser um completo tédio, mas esses episódios eram raros de se acontecer.
Todo dia tinha a mesma rotina: acordar, enrolar na cama, se arrumar atrasado, tomar café dentro do ônibus, chegar no trabalho e fazer o de sempre.
Mas hoje Arthur estava a espera de uma nova briga! Era páscoa e ele havia ouvido um dos repositores dizer a Rafael que os ovos infantis estavam acabando e que a última caixa seria esvaziada naquele momento. Ele já podia ouvir os gritos e os choros das crianças jogadas no chão, fazendo birra porque os ovos do homem aranha tinham acabado, até que uma voz feminina lhe despertou de seu transe.
— O caixa está aberto? — A jovem em sua frente lhe sorria a espera de uma resposta com três ovos na mão.
— Anh, est... Está sim. — ele diz desconcertado por ter sido pego em outros pensamentos e pela jovem bonita que estava em sua frente.
— Então pode passar esses ovos para mim? — ela os coloca sobre a esteira do caixa.
— É claro. — Ele já ia passar o primeiro item quando se lembrou. — Nota fiscal paulista?
— Não, mas eu quero uma recarga da Oi de dez reais, por favor! — ela abre a carteira em busca do dinheiro.
Arthur coloca as informações da recarga no computador e pede para ela digitar seu número, enquanto ela o faz, ele a analisa. Ela devia ter no máximo vinte anos, tinha olhos castanhos, era baixa e corpulenta, seus cabelos ruivos eram cheios e ondulados, iam até a metade de suas costas. Mais uma vez, ela o despertou de seus devaneios.
— Acho que os papéis já saíram. — Ela diz apontando em direção a máquina ao lado de Arthur que estava com os papéis pendurados. Ele os retira, ficando com o que devia ser do caixa e entrega o dela.
— Obrigada, tenha um bom dia! — Ela sai e ele a segue com o olhar e só depois de perdê-la totalmente de vista volta a realidade e percebe o que havia feito: os papéis tinham sido trocados. Ele estava com o que devia ser do cliente, que estava com o número do celular e ela com o que devia ter permanecido no caixa. Sem saber ao certo o que fazer, ele olha para os lados e ao perceber que ninguém o estava observando, o guarda em seu bolso.
— Arthur! — Rafael grita atrás dele, ele sobressalta e automaticamente começa a pensar em milhares de desculpas para o que havia acabado de fazer. — O que é isso? Tá devendo para ficar tão assustado? — antes dele poder responder, o gerente continuou. — Já pode ir almoçar, o Murillo ficará em seu lugar. Hoje fizeram uma gororoba lá na cozinha, até que dá para matar a fome.
— Ah, não. Prefiro comer fora, não deu para trazer marmita hoje. — Era mentira. A comida do mercado era feita pelos próprios funcionários e realmente não era grande coisa, uma vez, fizeram uma sopa de feijão que era só uma água marrom. Era melhor nem dizer o que realmente parecia e ele estava com uma marmita sim dentro de sua mochila mas precisava sair para respirar e pensar sobre sua atitude.
Pegou sua carteira e foi em direção á uma loja que vendia coxinhas no copo, no caminho, pegou o papel que estava guardado no seu bolso e analisou o número que estava nele. Queria ligar, queria muito, mas ficou pensando o quão louco e errado aquilo iria parecer, e se ligasse, o que iria dizer?
A moça lhe entrega o copo, ele paga e se senta em uma das mesas ainda pensando sobre o que fazer. Perto da hora de voltar para o seu trabalho ele decide arriscar. Por que não? Diria o que realmente tinha acontecido e que precisava do papel pois no final do dia tinha de os contar junto ao dinheiro do caixa e saber se as contas batiam.
Estava tudo certo. Ele discou o número em seu celular e após cinco toques, quando estava prestes a desligar, o celular foi atendido.
Por um homem.
— Com quem deseja falar? — O rapaz do outro lado da linha estava perdendo a paciência, pois Arthur ficara mudo por alguns segundos, não sabia o que dizer e por fim balbuciou.
— É... Gostaria de saber, você é o dono dessa linha? — Ele batia o dedo na mesa, nervoso.
— Não, é a minha noiva. O que você quer com ela?
— Me desculpe, eu acho que liguei errado. — Ele desliga antes de ouvir a resposta do outro lado da linha, ele sabia que aquilo tinha sido loucura.
Praticamente corre de volta para o mercado, passa o dia se martirizando, seu trabalho não rende e é chamado atenção diversas vezes pela gerência, pois passava duas vezes o mesmo produto. Isso aconteceu tantas vezes que Rafael acabou deixando o cartão de cancelamento com ele.
Ainda não tinha compreendido todo o ocorrido. Onde que alguém iria achar sensato ligar para uma cliente? poderia ser demitido e em sua atual situação isso não poderia acontecer em hipótese alguma. Ela podia achá-lo louco e ainda o denunciá-lo, o mercado nunca aceitaria permanecer com um funcionário assim. O expediente estava chegando ao fim, quando estava a poucos minutos de começar a contagem do caixa, alguém o interrompe.
— Ainda está aberto?
— Eu já vou começar a cont... — Ele olha para sua frente e a vê. A moça ruiva que foi ao seu caixa pela manhã e que ele tinha tentado se comunicar algumas horas atrás estava novamente em sua frente.
— É que eu passei mais cedo aqui e fiz uma recarga e até agora ela não caiu. Fui conferir o número no papel mas não tinha, acho que você me deu o que deveria ter ficado com você. — Ela estica o pedaço de folha em sua direção. Ele fica sem reação por alguns instantes, digerindo tudo aquilo. Ele se atrapalha e lembra que guardou o papel de volta em seu bolso, se abaixa e fingi pegar algo em um pacote cheio de outros papéis em branco que eram usados para notas fiscais e o pega dentro de seu bolso.
— Talvez seja esse, você foi a única a fazer uma recarga aqui, hoje. — ele o entrega e ela verifica o número.
— Como eu pensei, nunca que iria cair a recarga, coloquei o número errado! — ela ri de seu próprio erro e isso alivia a tensão que Arthur estava sentido. — Troquei de número à pouco tempo e ainda não o decorei, o jeito é fazer outra, não é? Mas antes, você pode passar esse pote de sorvete?
Arthur sorria por fora enquanto por dentro, ao mesmo tempo que xingava o destino por ter brincado com a sua cara, também o agradecia pela nova oportunidade e dessa vez ele não a desperdiçaria. Mas receoso, pensou antes de dizer.
— Claro que passo, mas antes posso lhe fazer uma pergunta? — Ele diz enquanto apoia a mão sobre o teclado do computador. — Sem parecer invasivo, mas já sendo. Você tem namorado?
Ela sorri com a pergunta e parece pensar por alguns segundos antes de responder e por fim diz:
— Não, eu não tenho namorado! Estou solteira. — Ela o olha à espera de mais alguma pergunta.
— Então, passo seu pote e sua recarga com o número certo e, já estou fechando o caixa. Que tal uma pizza? Eu sei, é louco, eu juro que não sou nenhum maluco. Mas, eu gostaria de te conhecer, essa situação é tão inusitada! — Ele diz suando frio, esperançoso por um sim, sentia necessidade em conhecer aquela moça tão radiante e alegre que sorria sem parar.
— Arthur, não é? — Ela aponta para o seu crachá — Mesmo sabendo que você seria obrigado a passar minhas coisas, por que não? Desde que seja de portuguesa! E a propósito, me chamo Eliza. — Diz estendendo a mão para cumprimenta-lo. Ela coloca seu pote na esteira e antes de passá-lo Arthur se dirige a ela.
— Então está feito! Nota fiscal paulista?
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