CAPÍTULO 28
NORA
O cheiro estéril do hospital me envolve assim que entro no corredor. Meu coração acelera, não só pela preocupação com minha mãe, mas por saber que ele também está aqui. José Luiz. Meu Zé. O homem que não posso ter... pelo menos não à luz do dia. Caminho apressada, tentando não pensar em como meu mundo virou de cabeça em tão pouco tempo.
O quarto onde minha mãe descansa está silencioso. Ela dorme, respirando calmamente, e isso me alivia. Meus dedos percorrem sua mão, fria, mas estável. Sempre fui mimada, protegida, mas nunca desfiz do seu esforço, mesmo quando ela me deixou sozinha e partiu para outro país. Eu entendi na época e entendo agora, até porque isso nos levou até Zé. Sempre considerei nossa relação boa, mas não sei como lidar com ela agora. Deixo um beijo em sua testa, prometendo que logo estarei de volta. Mas meus pensamentos não ficam muito tempo com ela.
A Dra. Evelyn se aproxima, e eu posso sentir o nervosismo crescer.
—Ele acordou. —ela diz suavemente, e meu coração salta uma batida, agarro a alça da bolsa e pisco três vezes, lentamente, quase como se eu acabasse de acordar. Ele acordou. Mas... devo vê-lo? Minha mente oscila entre o desejo de correr até ele e o medo do que isso significa. Não sou apenas sua enteada agora , sou a outra. E ninguém sabe.
Caminho lentamente pelo corredor, hesitando à porta do quarto de Zé. Minha mão está prestes a tocar a madeira fria quando uma voz familiar me interrompe.
—Cecília.— sussurro, reconhecendo sua figura antes mesmo de me virar. Ela sempre foi uma presença incômoda, sempre perto demais de Zé. Sempre esperando.
Ela me encara com aquele olhar crítico.
—Achei que você não viria.— diz ela, a voz carregada de desdém. —Mas é claro que você hesitaria. Você sempre hesita, Nora.
Minhas mãos tremem, mas mantenho a calma.
—O que está querendo dizer, Cecília?
Ela cruza os braços, um sorriso amargo surgindo.
—Você acha que ninguém percebeu? Os olhares, os toques disfarçados, o ciúme que você tenta esconder? Eu sei sobre vocês dois.
Sinto o chão desabar debaixo dos meus pés. O ar parece mais pesado. Como ela sabe?
—Você é tão previsível, queridinha . —ela continua, sua voz cortante. —Mas o que te falta é coragem, Nora. Coragem para lutar por ele. Enquanto você se esconde, eu estou sempre aqui, esperando, pronta para ficar ao lado dele.
Minhas palavras travam na garganta. Ela sabe. E está certa. Sempre evitei assumir o que sentia. Nunca lutei por ele. Mas agora... agora não posso recuar. Não quando ele está tão perto. Olho para Cecília, buscando uma resposta, mas tudo o que encontro é uma onda de insegurança.
Antes que eu possa reagir, ela se afasta com um olhar de superioridade. Sinto a pressão do momento me sufocar, mas algo dentro de mim se quebra ou se fortalece. Respiro fundo e, sem pensar duas vezes, abro a porta.
Zé está deitado, a luz suave do quarto destacando seu rosto cansado, mas, ao me ver, ele sorri. Aquele sorriso que faz meu coração acelerar, que diz tudo sem precisar de palavras. Eu me aproximo, meus olhos marejados, e me inclino, depositando um beijo suave em seus lábios.
—Estava começando a perder a paciência.— ele diz, com uma risada rouca. —Você é a única que eu queria ver.
Meu coração se aquece, as dúvidas de antes se dissipando.
—Eu não sabia se devia vir.— confesso, minha voz frágil.
Zé acaricia meu rosto com a ponta dos dedos, seus olhos firmes nos meus.
—Você devia ter vindo mais cedo. Em dois dias, vou receber alta. E então estaremos juntos em casa. Longe de tudo isso.
Sorrio, emocionada e aliviada. Eu sei que ainda temos muito para enfrentar, mas por enquanto, tudo o que importa é que estamos aqui. Juntos.
Enquanto estou ali, com o rosto aninhado em sua mão, meu coração dá uma volta estranha. A sensação de segurança que sempre tive com Zé começa a se misturar com algo mais sombrio. Um peso desconhecido. Ele sempre foi uma presença constante, firme, o homem que me protege do mundo. Mas e se ele estiver escondendo algo de mim? Eu não sei tudo sobre ele, e agora, com Cecília e seus comentários invadindo meus pensamentos, me pergunto... até que ponto eu realmente o conheço?
Será que ele também carrega segredos, como eu? Os mesmos segredos que me atormentam quando estamos juntos, mas que nunca consigo compartilhar. Nossas conversas sempre são superficiais, sempre sobre nós dois, mas nunca mais profundo que isso. Eu o amo... mas será que ele confia em mim o suficiente para ser completamente honesto? Será que algum dia poderei confiar nele da mesma forma?
Olhando para ele, com seus olhos cansados, mas ainda encantadores, sinto a necessidade de perguntar, de entender. Eu preciso saber mais, mesmo que ele não me conte tudo. Tomo coragem e pergunto, minha voz hesitante:
—Zé... o que aconteceu? O acidente... como foi?
Ele faz uma pausa, seus dedos parando de acariciar meu rosto por um momento. Seus olhos desviam dos meus, e ele dá de ombros como se não fosse nada demais.
—O motorista perdeu o controle. Um idiota bêbado bateu no nosso carro. Não tinha muito o que fazer.
Ele diz isso com uma naturalidade que me incomoda. É como se estivesse ensaiado, como se não fosse a história completa. Zé sempre foi cuidadoso, meticuloso com detalhes. Algo nessa versão parece incompleto.
—Só isso?— pergunto, sentindo meu peito apertar. —Você está escondendo algo de mim?
Seus olhos voltam para mim, mais sérios agora, mas ele mantém aquele sorriso charmoso que sempre usa para me distrair.
Eu estava quase em casa quando o telefone vibrou no bolso. Era Talia. Respirei fundo antes de atender. Aquele tipo de ligação nunca era bom.
— Oi, Tal? — Minha voz saiu mais controlada do que eu esperava.
— Nora, precisamos conversar. — Talia parecia apressada, mais do que de costume. — Eu e Nikolai estamos investigando seu pai.
Meu coração pulou uma batida. Investigando meu pai? Por quê? Ele sempre foi reservado, até demais, mas perigoso?
— O que vocês descobriram? — perguntei, lutando para manter a calma. O ar dentro do carro parecia mais pesado, sufocante.
— Não agora. — ela hesitou. — Quanto menos você souber, melhor. É mais seguro para todas nós.
— Mais seguro? Talia, do que você está falando? — Meu tom ficou mais firme. Eu conhecia Talia o suficiente para saber quando ela estava escondendo algo.
— Nora, a família Krauss, minha família... eles são perigosos. Eu não quero que você, nem a Isadora, estejam no meio disso.
Suspirei, pressionando a ponte do nariz. Isadora nunca aceitaria uma desculpa vaga, e eu também não. — Isadora não vai engolir uma desculpa qualquer. Você sabe disso.
— Eu cuido dela, confia em mim. — Talia estava firme, mas ainda assim, parecia protegida por um muro de segredos que eu não conseguia atravessar. — Você precisa focar em Tilly e investigar o que puder sobre seu pai.
Meus dedos apertaram o volante com força. O que meu pai estava escondendo? Por que Nikolai e Talia estavam envolvidos? Eu não tinha escolha a não ser confiar nela. Pelo menos por agora.
— Está bem — murmurei, sentindo o peso da responsabilidade cair sobre mim. — Mas isso não vai ficar assim por muito tempo, Tal.
Ela se despediu rapidamente, e o silêncio voltou ao carro. Eu sabia que o problema era maior do que ela queria admitir.
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