13 - freedom
Eiji
- Você conhecia o meu filho?- a voz embargada e madura me cumprimentou às costas.
- Senhora Hannes?- indaguei trêmulo, deixando as flores em sua lápide e me pondo de frente para ela.
- Não me diga que é você, Eiji!- os olhos caramelos que Cole herdara, me fitaram com ternura ao limpar as lágrimas e confirmar sua hipótese- É uma pena que não tenhamos tido a oportunidade de sermos formalmente apresentados.
Martha Hannes também tinha o mesmo tom de ruivo que meu namorado, diferenciados somente por alguns fios que foram esbranquiçados pela idade e se vestia digna da alta sociedade, adornada por joias refinadas. A sua estatura delicada confirmava, entretanto, que ele puxara o resto do pai.
- Eu faria de tudo para ter tido mais momentos com ele, senhora.- murmurei, com nada menos do que honestidade para oferecer e ela se aproximou.
- Imagino, querido.- apalpou meus ombros cobertos pelo pesado sobretudo e eu me encolhi diante do gesto- Você está bem mais magro do que nas fotos.
- Os últimos meses não tem sido dos melhores.- ri sem graça e ela assentiu, como se conhecesse bem cada sentimento por trás da frase.
É claro que conhecia...uma mãe enterrar um filho não é a ordem natural das coisas. Pelo que vi em retratos antigos, ele era a mistura perfeita do casal e nem consigo imaginar os danos que a morte de Cole causara, sendo filho único.
Eles tinham problemas, como qualquer outra família, mas por conta da relação meio calejada, Cole nunca chegou a organizar um encontro nosso com a sua família. Ele eventualmente comentava sobre os seus pais e apesar de serem informações triviais, eu percebia que sempre vinham acompanhadas de um ressentimento pela ausência dos dois.
Os Hannes comandavam uma renomada rede de resorts pelo país e por isso, raramente paravam em casa. Martha e Stephan fizeram questão de que o filho tivesse acesso privilegiado ao que lhe pedissem, porém, o que uma criança precisa vai muito além de bens materiais. Talvez esse seja o porquê ele tanto amava os holofotes...Cole achou a aprovação que procurava nos elogios do público.
O arrependimento deve estar tornando o luto deles cem vezes pior. Fizemos as nossas orações em silêncio depois disso e eu decidi adiar a minha conversa com Cole, ela parecia precisar mais do que eu.
- Foi um prazer conhecer a senhora. Eu vou indo, ok?- tentei me despedir e Martha ajustou sua echarpe vinho ao encurtar o espaço entre nós novamente.
- Eiji, obrigada.- seu agradecimento me pegou de surpresa e eu paralisei ali para escutar- Posso não ter conhecido você na época em que estavam juntos, mas era impossível não sentir a felicidade dele quando nós víamos. Então eu fico um pouco mais aliviada que ele teve você nos momentos finais.
- Eu...nem sei o que dizer.- meu coração batia acelerado com o turbilhão de emoções que tomavam conta e ela me abraçou forte- Não tem um dia sequer que eu não pense nele.
As palavras me escaparam num sussurro, como se eu quisesse ganhar o direito de merecer sua gratidão, era difícil de aceitar ao lembrar que não pude fazer nada para impedir sua morte e arrumado outro modelo para ficar em seu lugar com a investigação em andamento.
- Saber que você conseguiu retomar a sua vida na fotografia já basta, Cole com certeza ficaria feliz.- mencionou Lynx e pisquei estonteado com a coincidência.
Foi como se ela tivesse lido a minha mente.
- É um projeto temporário, Ash precisava do dinheiro e eu acabei apresentando ele para a empresa.- justifiquei com uma pontada de culpa, ainda que nenhum julgamento contaminasse as intenções dela.
- Seja qual for a maneira que você encontre conforto, te peço que o deixe ir embora depois disso e viva, Eiji.- enfatizou o pedido com seriedade e eu senti meu corpo vacilar perante a possibilidade de esquecê-lo- Cole jamais seria egoísta ao ponto de querer te manter preso a memória do que um dia vocês tiveram.
A ideia de me livrar de tamanha tristeza parecia tão improvável quanto visitar a praia nesse severo inverno. Eu não me surpreenderia se o guardasse até o meu último suspiro...em cinco anos de convivência e um ano e meio de namoro, ele conseguiu virar o meu mundo do avesso. Cole virou minha prioridade desde aquele aperto de mãos no coquetel com Valerie e perdê-lo me desestruturou por inteiro.
Como eu poderia me libertar disso?
- Vou tentar.- prometi em meio às lágrimas que escorriam desenfreadas em ambos os nossos rostos.
☾☼
Jessica me ligou para parabenizar o contrato que conseguimos no táxi e chegando no apartamento, Lynx me esperava com uma sacola de hot-dogs na mesa. Eu pretendia protestar contra a quebra da dieta, mas ele parecia tão feliz ao abrir duas latas de Coca Cola e me entregar uma delas, que decidi fazer uma exceção. Ele detalhou a entrevista que teve que dar e depois de limparmos a cozinha, assistimos anime até às duas e meia da manhã.
Mentalizando o pedido de Martha todas as vezes em que a culpa por não estar no meu estado usual de luto aparecia, a noite foi suportável.
Ash e eu seguimos a rotina que criamos normalmente durante a semana que antecedeu o ensaio da Armani. Queimamos todo o hot dog que comemos nos treinos matinais e com o aumento da demanda na agência, estivemos ocupados o suficiente para valorizar as escassas horas de descanso.
Lynx estava crescendo numa proporção assustadora e por incrível que pareça, ele aparentava estar confortável com a súbita fama. Na hora que o questionei sobre, ele apenas disse que era bom ser famoso pelas coisas certas e não ligava muito para essa parte. Eu confesso que o julguei como um terrível mentiroso.
Afinal, ser perseguido por paparazzis e ter que abandonar o conceito de privacidade por completo do dia para a noite deveria ser, no mínimo, perturbador.
Eu quis ter perguntado mais para oferecer apoio decentemente, mas pela drástica mudança no semblante despreocupado, percebi que ele não queria elaborar a sua resposta. Ligando os fatos, o motivo talvez estivesse relacionado ao seu passado. Então, preferi não insistir...eu sabia bem o quão ruim era ter que reviver seus traumas para satisfazer a curiosidade alheia.
Cuidar da casa realmente não era tão cansativo em duas pessoas e assim, Lauren, que era responsável por esta função, teve que ser dispensada de seus serviços na terça-feira. Uma atividade que ficou por conta de Ash, já que ele quem insistiu na demissão e...bom, pela minha dificuldade em desagradar os outros.
Minhas crises continuaram a me atormentar na parte da noite e Ash apareceu para me acalmar como se elas também fossem parte de seu cronograma. Seu método consistia basicamente em me pedir para seguir as técnicas de respiração e conversar sobre os mais diversos tópicos até que eu pegasse no sono. Era extremamente efetivo e eu me perguntava de onde ele tirava a paciência para persistir mesmo que eu tentasse dispensá-lo todas as vezes.
Lynx era mesmo uma boa pessoa.
Gostaria de poder retribuir o que ele têm feito por mim algum dia...quando eu puder ser o amigo que ele merece ter.
☾☼
O dia 14 de fevereiro finalmente havia chegado e quando a minha ansiedade ameaçou me sufocar ao erguer a máquina fotográfica, Ash parecia ter cronometrado seus movimentos exatamente para a situação.
Seus lábios se repuxaram num sorriso discreto e a sensação de segurança se espalhou pelos meus ossos ao encontrar o esmeralda de seus olhos, recarregando a energia que eu jurei ter sumido.
Simples assim, o medo que me invadiu evaporou e tudo o que eu conseguia pensar era naquele momento. Fotografar Ash era como tomar uma cartela inteira de entorpecentes de uma vez, o mundo barulhento se calava e a câmera se ajustava sem comando algum. Nenhum dos sentimentos ruins eram capazes de afetar enquanto os flashes iluminavam o cenário e Lynx modelava.
Ah, como eu queria poder congelar o tempo.
A sessão pareceu ter durado meros segundos no instante em que os aplausos ecoaram pelo estúdio e fomos liberados. Cole teria adorado o tema vintage, o pensamento fez com que eu me encolhesse dentro das camadas de roupas que me cobriam. Por fim, guardei minha tristeza no bolso e me esforcei para vestir uma expressão de felicidade ao apertar a mão de cada participante da equipe.
☾☼
- Esqueci totalmente que hoje era dia dos namorados- lamentei, girando os ombros para aliviar um pouco da fadiga e fiz careta ao ver a quantidade de casais ao redor- Podemos ir direto para casa?
- Não, senhor.- Ash negou, pegando a case da minha câmera para si e eu o agradeci- Vamos comemorar, o diretor deles disse que nunca viu alguém terminar um ensaio tão rápido. Eiji, eles não tiveram que corrigir nada.
- Tá bom.- cedi e o metrô anunciou a parada na última estação- Vai chamar o Shorter?
Wong e Lynx estavam inseparáveis recentemente.
- Ele tá com uma ficante dele, não vai rolar. Você quer chamar alguém?- indagou ao checar se Arthur nos seguia e me lançou um olhar de decepção ao confirmar que sim.
- Não, pode ser só eu e você mesmo...e o Arthur?- me esforcei para não rir alto e Ash deu ombros, como se soubesse que era o único jeito.
Faz tempo que não trocam de turno com ele, coitado.
Onde será que está o Max?
O bar do hotel que escolheu estava razoavelmente lotado, a maioria parecia afogar as suas mágoas na bebida na data comemorativa. Sentamos no balcão e convencemos Arthur a esperar na mesa de trás, para que Ash conseguisse fingir que ele não estava conosco e aproveitasse como queria.
- Ei, eu sei que insisti para virmos, mas se você não estiver bem...nós vamos embora, tá?- ele avisou assim que Arthur saiu de nossa vista.
- Obrigado, estou tranquilo.- confirmei, queria pelo menos dar uma chance.
As luzes eram de um tom meio azulado e o atendente careca, de aparência exausta nos serviu dois shots de vodka. Fazia um bom tempo que eu não bebia e motivado pelo leve ânimo que me subiu conforme o álcool fazia efeito, continuei pedindo que o barman enchesse meu copo. A conversa fluía como se nós nos conhecêssemos há anos, mesmo que Ash remanescesse tão sóbrio quanto no começo.
Eu agora comentava sobre a minha família, minha irmã mais nova e ele escutava atentamente, como se pudesse perder um detalhe crucial se ousasse piscar. Devia ser a primeira vez que eu liderava a conversação e ver que Lynx estava entretido era o suficiente para que eu prosseguisse sem interrupções. Estávamos especulando se ela sairia com alguém hoje, sendo mais específico, ele apostava que sim enquanto eu o contornava, dizendo que ela ainda era muito nova.
- Ash, você ganharia muitos chocolates no Japão!- elogiei, trocando o foco da conversa e ele me encarou confuso.
- Chocolates?
- Sim, é uma tradição que as meninas entregam chocolates para quem gostam no dia dos namorados.
- Que machista.- reclamou, agarrando seu copo- E se eu quisesse entregar um chocolate?
- Bom, tem outro feriado em março em que os homens devem presentear as garotas de quem receberam o chocolate.- expliquei descontraído e ele levantou as sobrancelhas, curioso- É chamado White Day e como o nome diz, você tem que comprar algo branco para elas, tem umas que recebem até jóias.
Ele assentiu em compreensão e de repente, pulamos para experiências constrangedoras em encontros ao escutar uma mulher anunciar que terminaria com seu namorado em um alto volume. Quando menos esperei, estava compartilhando uma memória minha e de Cole.
-
fevereiro, 2021
Escorados na borda da Brooklyn Bridge, o céu anoitecido cativava minha atenção. O nervosismo ainda se fazia presente mesmo com 7 meses juntos, Cole era bom demais para ser verdade e eu apenas um fotógrafo de beleza mediana. Era inacreditável que tivesse me escolhido.
O ruivo estava disfarçado com roupas comuns e um gorro escuro por estarmos em público...mas continuava bonito ao ponto de me tirar o fôlego. Então, deixei que ele me abraçasse por trás enquanto eu tentava disfarçar meus batimentos acelerados.
Admirei os pequenos sinais de luz que acompanhavam a lua cheia e resistiam em meio a industrialização da cidade mais populosa dos Estados Unidos. Pensando alto, mal notei que ele estaria próximo demais para que a frase passasse despercebida.
- Cole, eu acho que vou te amar até que todas as estrelas se apaguem.- ele enlaçou nossas mãos e eu quase suspirei com o calor trocado em meio a brisa congelante.
- A possibilidade da escuridão completa jamais me assustou tanto quanto agora, vida.- respondeu, me virando para que ficássemos cara a cara e eu abri o maior dos meus sorrisos.
-
- Você acredita que eu falei algo tão meloso no nosso primeiro dia dos namorados?- virei o drink ao finalizar, envergonhado ao fitar meus pés com a lembrança.
- Não foi tão ruim assim.- tentou me tranquilizar, soltando um fraco riso- Deve ser legal, se apaixonar...nunca gostei de alguém dessa maneira.
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nota da autora:
- não esqueça de votar e comentar, isso ajuda bastante a promover a história -
- Gostaram do capítulo? Deu para descobrir um pouco mais do Cole hoje, né? Eu queria ter colocado muito mais coisa, mas não coube tudo...vai ter que ficar para ao 14.
- Ah, e o Eiji elogiou o Ash, o que acham de ver o ponto de vista do Lynx nisso?
- Enfim, obrigada por lerem!!
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