Portões de Alabastro

           "Não importa" pensei, "a sociedade já deu a sentença".

        Não parecia-lhes "certo" fazer negócio até terem certeza que tinha lugar de fala sobre os negócios da família. Mas não era sua família. Não era mais. Nem mesmo seu lar. Talvez nunca tenha sido.

       Quando fomos prometidos, eram apenas negócios. Negócios dos nossos pais. "Aerg. Minhas duas vidas não cabem no mesmo obituário". Parecia tão distante quanto um sonho os livros embaixo da macieira onde comia as frutas do pé e eventualmente jogava nas freiras que passavam para testar uma teoria científica. Engraçado, na época tudo o que queria era deixar o convento; agora só queria saber que tinha para onde voltar.

         Que meu pai arrancasse as calças de raiva e se estrangulasse com elas — não devia nada a ele —, na época, não teria aceitado o casamento se fosse as palavras de William. Não promessas, identidade. Nas palavras víamos um ao outro sem as faixadas de alabastro polido. Pessoas vivas de carne, sangue e vontade.

        Então as mesmas palavras que me faziam odiá-lo agora, também eram o motivo de seu perdão. Eloise era bem, Eloise, parecia uma dama de porcelana criada entre a nobreza londrina. Mas havia Loras.

      Se meu dedicado barão tivesse suportado a verdade de sua morada, sem faixada, as coisas poderiam ser diferentes. E talvez Eloise não tivesse saído com muita finesse para bem longe quando exclamei que seria sua guardiã.

— Tenho mãe viva, lady Irlina. E rezo para que se recupere. — Foi tudo o que disse antes de, provavelmente, ir se valer de Killian.

       Ele inclusive era a causa de estarem ali.

       "A escarlatina, é claro". Não podiam ficar na mesma casa que a mãe e imagino poucos parentes dispostos a acolhê-los sem antes ser mencionada a fortuna de lorde Will — nem sei se têm parentes —. Então a mãe relutante os enviou para Applehall por ser não apenas sua herança, mas onde havia "o amigo de confiança" dela. Se descobrisse que Killian era padrinho de pelo uma das crianças, ficaria muito, mas muito, irritada.

       Odiava surpresa. Sempre odiei surpresas. E não gostava que de ter sido a última a saber desta.

— Agora que estão aqui. Que todos sabem quem são... — Minha cabeça afundou nas pilhas de papéis. — Vou perder tudo. Tudo. Vão me tirar tudo.

       E as crianças e sua mãe doente, seriam mais fáceis de manobrar para eleger um guardião sanguessuga.

      Posso lutar. Não estou segura e ainda posso lutar.

       Mas...Estou cansada, Will. Cansada de lutar com pedras por brumas. Cansada de defender os outros. Só uma vez, queria a segurança de comer embaixo de uma árvore, uma maçã.

      Sou forte!

       E não queria precisar ser forte. Queria ser confortada. Só uma vez. A segurança de um abraço...

       Mas todos sabem que tenho espinhos. 

         Eloise tinha uma vela e alguns retalhos então não reclamei quando ela começou a montar um brinquedo para entreter o irmão.

— Sua mãe vai melhorar logo, mas até se restabelecer, devem ficar aqui. O que a baronesa quis reafirmar a você e ao "amigo" do seu pai, é que estão sob os cuidados dela e são bem-vindos — falei por cima do ombro, ainda lustrando a prataria. "Irlina gosta de coisas vivas", tinha quase certeza, "Só é muito focada, ou talvez distraída...". — Isso é um balão?

         Os olhos do garoto brilhavam quando a vela fez o balão de retalhos inchar. Eloise lhe explicava o processo com muita propriedade. Mas minha lividez era outra:

— Dentro de casa não! — Pulei para apagar a vela. As crianças bufaram. — Fogo; madeira; ar; e tenho quase certeza que o pai de vocês escondia álcool em algum lugar aqui. Imagina o resultado.

— Inferno — resmungou o garoto. Apertei os olhos para ele, e Will entendeu a ameaça.

     Eloise riu.

— Para uma casa tão grande, tem opções limitadas de diversão — comentou a pequena lady, recolhendo sua invenção.

       "Crianças não deviam carregar a dor e a responsabilidade pelos adultos", já estava para ser apresentada a sociedade, mas ainda era criança. "Numa casa estranha com uma mãe longe e muito doente".

— Balões, céus, como fez isso? Não são a única utilidade de uma vela. Will, por gentileza, no baú do sótão, ao pé da cama, vai encontrar um tipo de caneca cheia de furos, pode pegar para mim?

        O garoto correu em passos largos.

— Escarlatina é contagioso, Eloise — falei quando o menor estava longe. — especialmente para crianças. Seria perigoso ficarem com ela.

— Loras já teve. Ela pegou dele — Eloise tinha o olhar bem longe de mim. Os lábios apertados.

— Mas em adultos, ou crianças mais velhas, os sintomas são piores. Ter ficado não ajudaria em nada, Eloise. — Will voltou com o pedido e uma cara de quem tinha aprontado, bem quando a irmã estava segurando as lágrimas e lhe fui grato por isso. — Quando não conseguimos lidar com algo, ou a realidade machuca, sempre me ajuda escrever. Ou contar uma história.

          Era uma ideia simples — pobre — de criar atmosfera fantástica. Um tipo de cilindro de metal vazado. Coloquei a vela acesa em seu interior e luz e sombras projetaram personagens e cenários na cozinha cavernosa. Contei histórias da gata borralheira e a bela e fera, e outras francesas que me lembrava. Quase foi embaraçoso lembrar de tantas, e enquanto Will se entretia com as histórias, Eloise parecia tentar entender o que estava por trás delas.

— Onde aprendeu a contar histórias, senhor Florentine? — indagou ela.

— E agora me senti velho. — Passei a mão no queixo e dei de ombros. — Roubei algumas ao longo da vida. Mas as melhores me foram roubadas. — Ela não se satisfazia com pouco. — Lia para minha mãe, quando ela ficou doente — Eloise levou a mão ao peito, culpada. E o irmão a abraçou. "Será um bom lorde". — As pessoas ficam doentes, e isso também é natural. Mas as palavras, foram usadas por Deus para criar o mundo, mesmo quando usadas nós, ainda aguardam um pouco de magia.

      Foi Will quem primeiro revirou os olhos.

— Papai — iniciou ele, antes que Eloise o belicasse. — Sai, chata. Disse que somos escravos do que está dito.

         Suspirei.

— Se assim, jovem mestre, garanto que o silêncio é um reinado solitário. Água parada está fadada a ficar suja.   

       Muita magoa guardada. Má água

       Ri para as crianças. Mas tinha um sabor amargo na boca. 

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