Noite de Mudança - Capítulo Único

     E ela estava finalmente a caminho.

     As dúvidas sobre como agir nos primeiros dias eram sufocantes de um jeito quase agradável. Helena mal podia esperar pela chegada da mais nova integrante da família.

     Diana, sua prima, morava com os pais em um bairro distante. No auge dos seus dezessete anos, Helena não tinha irmãos, por isso a ideia de que viveria com sua prima agora era uma novidade e tanto.

     Diana, dias atrás, havia perdido os pais em um trágico acidente de carro. A garota estava na escola quando tudo aconteceu, apresentando um empolgante trabalho de literatura. Diana foi abordada na saída pela diretora e um policial, que havia identificado as vítimas do acidente.

     A estudante do ensino médio se viu sem chão, não acreditou no que escutara. Ela havia visto seus pais quatro horas antes, não era possível que agora nunca mais poderia realizar tal proeza novamente.

     Diana recebeu todo o apoio de que precisava, mas queria mesmo era os pais vivos e bem. Ela não entendia por que uma coisa como aquela poderia ter acontecido justo com ela, justo com aquela garota tão normal e singela.

     Diana não tinha irmãos, assim como Helena, e os parentes mais próximos eram os tios. Diana gostou da ideia de morar com a prima, de fazer novos amigos, de tentar alegrar um pouco mais a sua vida. Ela e sua melhor amiga, Sofia, não estudariam mais na mesma escola e nem seriam mais vizinhas, justamente por causa da mudança. A falta de alguém em quem se apoiar deixou Diana nervosa, assim como Helena, que sentiu o peso dessa responsabilidade.

     — Tá, mas e se eu não for uma boa referência pra ela? Ah, Pablo, eu mal sei qual o rumo que a minha vida vai tomar, imagina ser irmã mais velha da minha prima!

     — Relaxa, Rapunzel — riu Pablo, seu melhor amigo, do outro lado da linha. O cabelo de Helena era ondulado e muito longo, alcançava a cintura. Por isso Pablo adorava o apelido. — Eu já vi a sua prima algumas vezes quando estive na sua casa. Você a trata bem, ela te trata bem. Vai dar tudo certo.

     Helena balançava a perna freneticamente na esperança de amenizar a ansiedade. O fato de estar sentada na sua cama não ajudava, então a cada cinco segundos a garota se levantava e caminhava, para depois voltar a sentar.

     — Pablo, faz só uma semana que os meus tios morreram no acidente. A Diana deve estar um caco. Eu superei rápido porque... mal os conhecia, realmente — soltou Helena, um tanto arrependida. Poderia ter conhecido melhor os tios que tinha. — Eu... nem sei como ela vai reagir ao me ver. E nem como eu vou reagir.

     — Quer que eu... dê uma passada aí? Pra te ajudar — ofereceu Pablo. — Às ordens, madame. Temos meia hora até ela chegar, não? É tempo de sobra.

     Pablo era vizinho de Helena, os dois sempre faziam trabalhos da escola juntos. Pouco mais de trinta metros separavam suas casas.

     Não adiantava, Helena ainda calcorreava incessantemente pelo seu quarto, agora com duas camas. Seus pais não poderiam se mudar para uma casa maior, tampouco tentar construir um quarto para Diana. Uma segunda cama e alguns ajustes eram o suficiente.

     — Não precisa, Pablo — respondeu ela, apressadamente. Helena queria se convencer de que conseguiria lidar com a prima sem a ajuda do seu melhor amigo. — Já está tarde. E eu dou conta. Vou te atualizando.

     — Qualquer coisa eu vou voando. Não vai ser tão ruim quanto você está pensando, Lena. Você e ela já se conhecem, já sabem mais ou menos como a outra age. E ela deve estar com esse mesmo nervosismo que você.

     — Não, Pablo... Ela deve ter amigos, diferente de mim. Eu não quero me envolver, não queria fazer uma amiga logo agora que falta tão pouco pra entrar na faculdade...

     — Primeiramente, obrigado. Tem que deixar bem claro que não sou um amigo, sou "o" melhor amigo. E, segundamente... é como você disse. Falta pouco pra faculdade. E tenho certeza de que a sua prima vai trazer... muita alegria pra você. Tenta se abrir, assim como foi comigo. Vai dar certo.

     — Como se fosse fácil — destacou Helena, ao se jogar de costas no seu colchão. — Eu sou mais antissocial do que uma planta, todo mundo pensa que eu sou o Einstein de tranças e eu sinceramente também odeio conhecer pessoas.

     — Mas você não já conhece a sua prima?

     — Pra alguém que vai morar comigo agora... conheço pouquíssimo.

     — Você tem um ponto — disse Pablo, reconsiderando. Ele sabia mais do que ninguém que aquela sua melhor amiga era um livro lacrado que ele mesmo só teve a chance de dar uma espiada, com sorte, umas duas vezes. — Mas... deixa rolar, Lena. Veja pelo menos esse início como uma ajuda que você vai dar pra Diana. Afinal, ela acabou de perder a família dela de um jeito tão horrível... E você vai ser literalmente o único pilar em que ela pode se sustentar agora. Que tal focar nisso?

     Helena parou um pouco para refletir nas palavras de Pablo, que costumava ser muito engraçado. Mas, por conta da sua experiência de vida, também sabia aconselhar.

     — Certo — afirmou Helena, voltando a caminhar em volta de si. Sua prima estava prestes a chegar. — Vou focar nela.

     Helena nunca havia se sentido tão insegura assim para nada, o que gerou certa surpresa em Pablo. Sua melhor amiga sempre foi inteligente, a garota mais estudiosa que ele já conheceu. Seus hobbies eram estudar, estudar, estudar. Ela nunca teve tempo ou vontade de lidar com pessoas que não fossem Pablo.

     A garota era vista por muitos como brilhante ou autossuficiente, o que dava a ela certo estereótipo de arrogância. Pablo sabia que não era verdade, mas o fato de Helena também ser sincera demais acabava ajudando a garota a não ter amigos.

     Agora que teria que — oh, céus — morar com alguém novo, sua zona de conforto não existia mais, apesar de ser com a sua própria prima.

     Mas agora Helena precisava tentar ver o mundo pelos olhos dela, apenas dois anos mais nova. Diana acabara de perder os pais e nem sabia tanto assim sobre a repugnância que a prima sentia ao introduzir novas pessoas na sua vida. Helena sabia que deveria dar um desconto.

     — Isso — sorriu Pablo. — Eu estou na janela e tem um carro se aproximando daí, Lena... Acho que é ela.

     Helena suspirou e espiou pela janela do seu quarto, por onde ela poderia ver a rua, além do pequeno jardim que ligava a calçada à porta de entrada.

     — Deve ser. — Helena aproximou o celular do ouvido. — Bom, Pablo... Te vejo amanhã na escola. Depois te conto como foi.

     — Beleza, vou querer saber de tudo.

     Do seu quarto, no segundo andar da casa, Pablo deu um breve aceno a Helena, apesar de ela não o ver.

     Uma garota pouquíssimo mais baixa que Helena, com curtas madeixas ruivas e levemente onduladas, deixou o carro devagar. Dentro de um agasalho, ela contornou o veículo e falou com a motorista, que, pelo cabelo volumoso, deveria ser a mãe de Helena.

     — Certo... — sussurrou a tal Rapunzel, ainda no seu, por tempo limitado, quarto. — É só apoiar a prima, só apoiar. Não deve ser tão difícil.

     Helena sabia que deveria colocar as necessidades da prima acima das suas, que se limitavam em somente voltar para a sua zona de conforto. As de Diana, porém, eram um tanto mais urgentes.

     Então, como primeira ação de uma prima simpática e empática, Helena deixou o celular na cama, vestiu o casaco e saiu do quarto, para encontrar Diana sob a luz do luar.

     Assim que tomou coragem para abrir a porta da frente, respirou fundo e desceu os quatro degraus que a encaminhavam para o caminho de pedras no jardim, que por sua vez a levava para o pequeno portão de ferro, que ligava as pontas do muro de um metro de altura. O vento frio era um inimigo em comum.

     Diana, debaixo do porta-malas aberto, não via Helena, mas esta conseguia escutar a conversa casual entre a prima e a mãe.

     — Oi, Diana — Helena tentou cumprimentar. Ela involuntariamente olhou para a janela do seu melhor amigo, e ele estava lá. Os dois sorriam levemente. — Você... quer ajuda?

     — Bom... Pode ser? — Diana também não sabia direito o que responder, sua cabeça estava ainda muito afetada pela recente morte dos pais. Quanto menos pensasse, melhor seria.

     — Tudo bem, Lena, ajuda aqui — a mãe de Helena tomou a vez. Ela entregou duas malas com rodinhas à garota, depois de colocá-las na calçada. — Leva pro seu quarto, por favor?

     Helena acenou com a cabeça, mas não antes de olhar o rosto da prima. Ela definitivamente estava em outro mundo.

     Depois de entrar no quarto com certa dificuldade pelas malas pesadas, Helena acendeu a luz com o cotovelo e deixou com cuidado as bagagens ao lado da cama onde a prima, a partir de então, passaria as noites.

     Helena arregalou os olhos e soltou um jato de ar pela boca por tamanha estranheza que as duas demonstraram à primeira vista. Ela não sabia como lidar com uma pessoa que havia acabado de perder os pais e isso era péssimo.

     Helena voltou aonde deixara a prima e a mãe, do lado de fora da casa. As duas já haviam fechado o porta-malas e estavam a caminho da porta, então Helena deu meia-volta.

     Querendo ou não, era tudo muito estranho. Ela nunca teve que lidar com ninguém, mas agora teria uma garota nova morando na sua casa, compartilhando o quarto, o guarda-roupa e até, quem sabe, algumas conversas.

     Sua mãe e Diana entraram e fecharam a porta, estava um gelo lá fora. As três tiraram os casacos e a tia de Diana quebrou o silêncio.

     — Bom... Venham cá. — Ela puxou as meninas pelas mãos de um modo suave e se sentou no sofá. Helena tinha dificuldade de olhar nos olhos da prima, o que era recíproco. — Vocês... precisam se conhecer melhor, tudo bem? Diana, sei que é um momento difícil, mas aqui é um lugar onde você pode recomeçar... no seu tempo.

     — E eu te ajudo... no que precisar. — Sorriu Helena. Ela tinha certeza de que era algo que Pablo a aconselharia a falar.

     Diana olhou para a prima e sorriu de leve, em uma manifestação de surpresa pelo gesto e de agradecimento.

     A mãe de Helena abraçou Diana com ternura, para logo olhar a filha. Ela tinha certeza de que as garotas poderiam se dar bem, apesar da dificuldade de Helena e do luto de Diana.

     — Vocês... podem ir arrumando as coisas no quarto, se quiserem. Seu pai só vai chegar do trabalho mais tarde, Lena, então... vão ter tempo de sobra pra conversarem, não?

     Helena sorriu para soar simpática e esperou Diana pegar uma última mochila no sofá para entrar no quarto com a mais nova integrante da família.

     Uma ponta de arrependimento surgiu por ela não ter aceitado a ajuda de Pablo. Talvez Helena se sentisse mais à vontade com ele presente.

     Ela fechou a porta atrás de si e olhou para Diana, na sua frente. Ela estava de costas, fitando a mochila que havia deixado na cama.

     — Diana... eu só quero dizer que eu posso ajudar no que precisar — Helena não conseguia pensar em algo melhor para dizer. Ao pensar em Pablo, ela se lembrava apenas de frases assim. — Podemos começar... com as malas?

     Sua prima apenas girou a cabeça para concordar. Quando se virou de costas de novo, para pegar uma mala e deixá-la deitada em cima da cama, Helena escancarou os olhos e as sobrancelhas foram no embalo. Como conversar com a própria prima podia ser tão difícil?

     E isso era tão complicado para Helena quanto era para Diana. Esta não tinha ideia de como iniciar uma conversa, tampouco a primeira. Então, apenas começaram a desfazer as malas.

     Minutos depois, grande parte das roupas e objetos estavam acomodados nos seus respectivos lugares no guarda-roupa, outrora apenas de Helena. As garotas ouviram um ruído de carro, vindo do lado de fora. Helena sabia que era seu pai, o irmão da mãe de Diana.

     — Só um minuto, Diana. Eu vou ali fora e já volto.

     Helena nunca se sentiu tão aliviada ao fechar uma porta como naquele momento. Ela deixou uma rajada de vento escapar pela sua boca antes de disparar até o quarto dos pais, onde a sua mãe estava.

     — Mãe, tem certeza de que isso vai dar certo? — Helena fez uma careta. Ela prendeu seus longos cachos em um coque em segundos, tamanho era o calor provocado pelo momento de tenso silêncio que teve com a prima. — A Diana... Eu não a conheço, é muito esquisito. É como se ela fosse uma desconhecida muda.

     Sua mãe, Estela, sentou-se na cama e fez um sinal para que Helena se acomodasse também.

     — No início é realmente complicado. O que aconteceu com os pais dela foi muito pesado pra Diana assimilar e uma semana depois agir normal com você. Mas se ela souber de verdade que você é alguém com quem ela pode contar, vai se soltar aos poucos. E você também.

     — O Pablo falou algo parecido... Pra eu focar nela, deixar rolar... Só que eu não faço ideia de como fazer isso. Eu nunca tive um amigo além dele e quando a gente se conheceu ele fez tudo. O Pablo sabe lidar com pessoas mil vezes melhor que eu.

     — É uma boa hora de pegar dicas com ele — o pai de Helena entrou no quarto com uma piscadela. Seu cabelo castanho e rebelde ainda fazia menção de tapar a sua vista. — Acabei de falar com ela... Ou tentei. A Diana está em um momento complicado e uma irmã mais velha seria uma boa ajuda. O que pode dar errado?

     O pai de Helena sorriu fraco, deixou a sua mochila de trabalho ao lado da cama e foi para o banheiro. A mínima menção à sua irmã morta já mexia com ele.

     Imagina com Diana, pensou Helena.

     — Certo... Eu vou continuar tentando. É a minha prima, né? — Helena ergueu os ombros. — O que pode dar errado?

     — Exatamente. Dá um abraço nela, Lena. Nem precisa falar nada. Só um abraço já vai ajudar muito. E você pode perguntar se ela precisa de alguma coisa, se quer conversar, ou até do que ela gosta. Quem sabe vocês possam bater um bom papo antes de dormir.

     Helena concordou com a cabeça e saiu do quarto. Ela não queria ter que encontrar com a prima de novo, ou instalar de novo aquele clima pesado, mas era mais do que necessário.

     — Diana...? Ah, você terminou. — Helena sorriu ao ver a cama da prima sem mais trecos espalhados. — Você... precisa de alguma coisa?

     Aquela pergunta era estranha. Pelo menos para Helena era muito estranha. Ela nunca havia perguntado isso a ninguém. No máximo, quem sabe, a Pablo.

     — Não, Helena. — Diana sorriu, sentada na sua cama. Suas mechas ruivas pendiam de acordo com a inclinação da sua cabeça. — Estou bem.

     Não dá pra abraçar você se estiver sentada..., refletiu Helena, que queria muito fazer uma expressão confusa. Não vou pedir que você levante só pra te abraçar, vai ficar estranho...

     — Melhor a gente dormir, não...? — foi o que saiu da boca de Helena. Para ela, foi plausível, porque sempre dormia pelo menos uma hora antes. Já se passava das dez. — Amanhã... é o seu primeiro dia de aula na escola nova... Descansar é bom.

     Adiar um pouco uma conversa normal não tinha problema, na cabeça de Helena. Diana simpatizou com a ideia da prima, já que queria mesmo descansar de tanta tristeza.

     Mas não passou pela cabeça de Helena que ela poderia simplesmente sentar ao lado de Diana e passar um braço pelos seus ombros, que fique bem claro. A garota realmente não fazia ideia de como consolar ou oferecer apoio a alguém.

     — Desculpa, Diana — Helena nunca tinha tido tanto trabalho para reunir tanta coragem não se sabe de onde para proferir uma frase. — Eu... não sei. Simplesmente não sei o que dizer pra você. Vamos morar na mesma casa, dividir várias coisas... Vamos ser praticamente irmãs. Mas eu não faço ideia de como começar. E sobre os seus pais... eu sinto muito de verdade. Eram meus tios... mas eu não faço a menor ideia do furacão que deve estar dentro de você. Então, o que eu posso dizer é que eu estou... aqui. Pra te ajudar.

     Helena sorriu ao final, mais leve. Aquele clima tenso e pesado não mais pairava sobre as garotas, o que era um alívio para ambas.

     — Bom... Obrigada, Helena. — Diana pôs a mão na nuca. — Isso... significa muito. Talvez... a gente se conheça melhor. Com o tempo.

     — É... com o tempo.

     Helena olhou pela primeira vez diretamente aos olhos da prima, que constatou serem castanhos como os seus, que escondiam tanto quanto.

     — Boa noite... Diana.

     — Boa noite, Helena.

     A melhor amiga de Pablo, ainda nervosa, apagou a luz e se aconchegou rápido às cobertas. A temperatura não ultrapassava dezesseis graus nunca e, mesmo que todas as portas e janelas estivessem fechadas, o vento gelado dava o seu jeito de se insinuar pelas brechas.

     Helena não conseguia dormir, mas decerto não era por conta do frio. Todo esse agito na sua vida em apenas uma noite foi muito pesado para ela assimilar tão logo. Diana parecia legal, só um pouco abalada pela morte recente e repentina dos pais. Quem sabe, se o tempo se estendesse, as duas poderiam se entender.

     Já se passava das duas da manhã, mas Helena ainda estava longe de pegar no sono. Isso deixou sua consciência pesada, já que estaria absurdamente cansada nas aulas do dia seguinte, o que era inaceitável.

     Diana não enxergava nada no quarto, por causa da opaca janela fechada e das luzes apagadas, então estava convicta de que Helena havia dormido há muito. A verdade era que Diana estava com tanta energia quanto estava estranhando tudo aquilo.

     Ela, então, fechou as pálpebras, na esperança de que o sono de repente a nocauteasse.

     — Diana!!

     A garota esbugalhou os olhos com tamanha pressa que suas pupilas quase saltaram. A voz que vinha de longe era tão real e familiar a Diana que ela sequer cogitou ser delírio da sua cabeça.

     Ela continuou com os olhos escancarados, não queria fazer barulho a fim de não acordar a prima, que julgava estar dormindo.

     — Diana, venha!

     Dessa vez a garota deu um pulo silencioso para fora da cama e se pôs de pé, desnorteada. Era exatamente a voz da sua mãe... mas como era possível?

     — Diana!!

     Ela então tateou as paredes em busca da janela, que abriu com cuidado, e espiou a escuridão do lado de fora. Apenas postes de luz iluminavam a singela estrada na sua frente.

     — Venha, querida! Eu estou aqui!

     — Mãe... — a garota sussurrou, enquanto girava em volta de si mesma. Ela estava decidida, àquela altura.

     Diana pescou uma calça de moletom e um casaco denso de dentro do guarda-roupa, para logo vesti-los por cima do pijama que já usava, sem se importar. Ela colocou tênis, pegou coisas úteis, enfiou na mochila e prendeu o cabelo. Tudo isso em velocidade recorde.

     Ela sequer olhou para trás ao pular a janela.

     Como era apenas um metro que a separava do chão, foi fácil atravessar. Diana fechou a janela com a mesma cautela que usou para abri-la e caminhou pelo jardim até o pequeno muro que o separava da calçada. Sem problemas, ela o pulou também, à procura do lugar de onde vinha aquela voz tão conhecida.

     — Diana, por aqui!

     A garota girou em volta de si mesma e descobriu de onde o som estava vindo. Ela virou para a esquerda e disparou pela rua deserta, convicta de que sua prima estava sonhando naquele momento.

     — Mãe... Mãe! — ela gritava, para que o chamado não cessasse e ela pudesse continuar a segui-lo.

     Depois de pouco mais de trinta segundos de corrida intensa, ela foi parada por um muro enorme que separava a cidade de uma densa floresta, cheia de neblina.

     — Mãe! Você está aí?

     — Estou! Venha!

     A voz nunca tinha sido tão nítida. Tão alcançável. Diana tinha certeza de que sua mãe estava do outro lado daquele muro velho de três metros de altura e ninguém poderia convencê-la do contrário.

     Ela tocou os tijolos rachados e olhou ao redor. Aquele muro não parecia ter fim para os lados! Ela arregalou os olhos e o socou, por fim. Teria que haver um jeito de conseguir passar.

     Diana ajeitou a mochila nas suas costas, olhou para cima e firmou suas mãos nos tijolos saltados. Ela estava decidida a encontrar a sua mãe e não era uma droga de muro que a impediria.

     A adolescente se agarrou ao que podia e começou a escalar. Seus pés procuravam em que se apoiar e com pouco esforço conseguiam encontrar. E assim eles chegaram a dois metros do chão, seguros apenas pela convicção de que aquilo era a única coisa que separava Diana da mãe.

     Mas sua mão se apoiou em falso e Diana perdeu o equilíbrio já escasso, quando a mão direita despencou no ar. Seus pés não conseguiram compensar a falta de apoio de uma das mãos e, com o peso da mochila, a garota se desprendeu e caiu, com um berro.

     Por sorte, ou nem tanto, algo amorteceu a sua queda. E não era só a sua mochila.

     — O que... deu em você? — ofegou Helena, debaixo da prima. — Por que saiu no meio da noite pela janela?

     — Você me seguiu?

     Surpresa, Diana se desvencilhou e ajudou Helena a se recuperar da queda.

     — Você está bem?

     — Só quebrei a costela, mas de resto... — Helena sorriu, também com uma mochila nas costas, mas sua prima olhava o muro muito séria.

     — Ela está ali.

     — Ela quem?

     — Você não entenderia.

     Helena inclinou a cabeça, atrás de Diana. Ela olhou do muro para a prima, da prima para o muro.

     — Quer arriscar?

     — Eu ouvi a voz dela, Helena, não foi da minha cabeça. Me ajuda a subir, vai. Você disse que queria me ajudar.

     — Não era desse jeito... Temos que voltar, aqui está muito... muito frio. Se a minha mãe vir que não estamos no quarto...

     — Você pode voltar pra sua, Helena, mas a minha está do outro lado desse muro e eu não vou sair daqui enquanto não passar.

     — A sua...? — Helena piscou os olhos e olhou em volta. — A sua mãe?

     — Olha, eu escutei, tá legal? Veio da floresta atrás desse muro.

     — Diana, me desculpa... Mas a sua mãe...

     — Para! Eu ouvi. — Diana se virou abruptamente para a prima, irritada. — Se você não acredita em mim, volta pra sua casa. Eu não vou sair daqui.

     Helena não podia abandonar sua prima assim, no meio da noite, na frente do muro mais famoso — negativamente — da cidade. Mas ela também estava sentindo muito, muito frio.

     Dessa vez, houve um ruído que as duas puderam escutar, mas não vinha da floresta.

     — Helena! O que você faz aqui? É perigoso! — Pablo surgiu de uma das esquinas, já muito próximo das meninas. — Diana! O que deu em vocês?

     — Eu me pergunto a mesma coisa. — Helena agarrou o quadril. — Ela saiu de casa, eu a segui.

     — Ela está ali, Pablo — insistiu Diana. — Atrás do muro.

     — Atrás do muro Pots? Não, não, não, não. Você só pode estar sonhando. Ninguém passa pro outro lado e volta pra contar a história. Essa floresta é a mais densa e mais aterrorizante que você nunca vai ter a chance de ver, tá legal? Agora vamos dar meia-volta e fazer o caminho de casa.

     Helena concordava plenamente com a sensatez incrível do seu melhor amigo e olhou para a prima em busca dessa concordância. Diana estava à beira das lágrimas, não podia deixar a chance de ver a sua mãe de novo passar.

     — Eu fico. Vão vocês. A minha mãe está do outro lado desse maldito muro e ninguém vai me tirar daqui enquanto eu não a vir!

     Helena e Pablo, também munido com um agasalho cujo capuz mal cobria os seus cachos escuros, se entreolharam. Diana tinha acabado de perder a mãe, era compreensível que achasse ouvir sua voz às vezes.

     — Olha, Diana...

     O barulho intenso e grave de uma explosão de vibrações interrompeu Pablo. Aquilo com certeza tinha vindo de dentro da floresta. Era como se alguém tivesse acabado de tocar uma única vez um tambor gigante e tudo ficasse em câmera lenta por cinco segundos.

     E então, um tremor desequilibrou os adolescentes. Os três caíram no chão e observaram o muro à sua frente simplesmente ruir, como se dois metros dele fossem feitos de areia.

     Agora infelizmente havia uma passagem.

     — Diana!

     A garota sentiu um aperto no coração, tinha certeza de que agora nada a impediria de encontrar a sua mãe.

     A fumaça causada pela destruição de uma fração do muro, suficiente apenas para pessoas passarem, não impediu Diana. A garota correu floresta adentro, convicta de que ela e a sua mãe, morta uma semana atrás, se reencontrariam.

     — Mas o que...

     — Diana, espera! — gritou Helena, que também pulou os tijolos caídos e correu para dentro, à procura da prima. Diana já havia desaparecido no meio de toda aquela névoa.

     Pablo, sem alternativa, disparou e seguiu as meninas. Ele não sabia explicar como somente aquele pedaço do muro Pots havia cedido e nem como. Nenhuma bola de chumbo gigante havia encostado ali e aquilo tinha cinquenta centímetros de espessura.

     Algo muito estranho estava acontecendo naquele momento, mas estava longe de parar. Assim que Pablo ultrapassou o muro, para dentro da Floresta Proibida, aquela parede de tijolos se reconstruiu instantaneamente e toda a fumaça evaporou em um estalo.

     O garoto olhou para trás quando constatou que já era tarde: a saída havia se fechado.

     Eles estavam presos.

     Agora só restava a ele seguir as meninas, para que talvez houvesse alguma mínima chance... de escaparem das mãos de DigueWigguie.

     ***

     [4438 palavras]

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