Falta de Prevenção - Capítulo Único

     — Pra onde você os mandou?!

     DiggueWigguie fez que não escutou — hilária — e fingiu ignorar Diana, que segurava as barras de metal com força, olhando a parede por onde eles pareciam ter passado, lá embaixo.

     — Helena e Pablo, pra onde eles foram?!

     — Desculpa, não escuto você, querida... — A bruxa ria do desespero de Diana, que, apenas com a sua mochila nas costas, esmurrava a grade de ferro como se ela fosse ceder.

     Pablo, melhor amigo da sua prima, que também estava preso naquela cilada, tentou manter a calma e chegou perto de Diana.

     — Parece que eles vão ter que fazer o que a DigueWigguie mandou... se quiserem nos ver de novo. Helena e Félix se odeiam, era só o que faltava... — lamentou Pablo, que conhecia aqueles dois como a palma da sua mão. Ele sabia que aquela poção seria difícil de conseguir se Helena e Félix tivessem que procurar os ingredientes sozinhos naquela floresta louca.

     — Acha que eles conseguem se suportar?

     — Não estou tão otimista.

     — Ah, droga... — Diana deu um último soco na grade espessa dentro daquela caverna bem iluminada.

     DigueWigguie sabia que Helena, prima de Diana, e Félix não se dariam bem ali fora, naquela floresta escura, densa, traiçoeira e com névoa, por isso já tinha planejado tudo. Absolutamente tudo.

     — Eu juro que ouvi a voz da minha mãe, Pablo, eu juro... Você não escutou também? — Diana, ainda com a mão na barra, perguntou de costas para o amigo, quase três anos mais velho.

     — Não ouvi nada, Diana, eu sinto muito...

     Helena escutou, no fim das contas..., pensou Diana. Ela não fazia ideia de onde a prima poderia estar agora e a culpa era toda sua.

     — Mas como eu sou idiota... — lamentou Diana. — Eu devia ter me prevenido, como ela disse. Não importa se foi obra do segundo mundo ou não. Devia ter me prevenido... contra deixar todos em perigo.

     Pablo achava aquilo muito esquisito. Diana, antes de estarem presos ali, escutara a voz da sua mãe vindo dessa floresta, que era separada da cidade por um muro espesso, de três metros de altura, chamado Pots.

     Pablo seguiu Helena nas ruas da cidade de Portago, que por sua vez seguia Diana, que saíra correndo em plena madrugada. Quando os três chegaram ao muro, de onde a garota tinha certeza de que a voz da sua mãe vinha, ele veio abaixo, o que infelizmente abriu uma passagem para dentro da Floresta Proibida. Quando os três passaram, o muro se reconstruiu instantaneamente, o que os deixou presos ali.

     Diana adentrou muito aquelas árvores altas, de raízes saltadas e caules ásperos. Ela correu, percebendo que a cada passo que dava estava cada vez mais perto da voz da sua mãe. Pablo e Helena vinham atrás, mas logo os três escutaram um barulho dentre as folhas secas.

     — Quem está aí? — havia perguntado Helena, aos espasmos. Pablo estava ao seu lado, mas Diana continuava seu caminho para mais longe deles, sem perceber nada.

     — Eu que pergunto! — uma voz irritante surgiu dali, dentro daquela escuridão quase total. Helena se lembrou de que havia levado uma lanterna e se apressou para sacá-la do bolso.

     — Félix? — a voz de Pablo estava com uma mistura de alívio e frustração, já que o garoto loiro os havia assustado. E, afinal, o que ele estava fazendo na Floresta Proibida, do outro lado do muro Pots, àquela hora da madrugada?

     — O que você faz aqui, seu louco? — Helena também se perguntou, com a lanterna na cara de Félix, que se esquivava com as mãos, os olhos apertados. Diana já estava fora de vista.

     Félix explicou rapidamente que havia sido desafiado pelos amigos a passar uma noite do outro lado do muro mais famoso, negativamente, da cidade, de onde — ouvia-se — ninguém saía vivo para contar a história. Félix seria recompensado se conseguisse, claro.

     — Que amigos incríveis — comentou Pablo, que detestava admitir que também era próximo daquele maluco.

     Helena tentou seguir o rastro que Diana talvez tivesse deixado na floresta, que delatasse aonde ela tinha ido. Com dificuldade, os três conseguiram avistar uma silhueta escura, parada em frente a uma fonte de luz amarela, que Helena não conseguia distinguir de onde vinha.

     Ela correu na frente dos meninos para alcançar a prima, a menos de cinquenta passos. Helena desligou a lanterna quando chegou à frente da caverna que Diana fitava, paralisada.

     — Por que correu assim, garota? Eu não sou de perseguição, ainda mais dentro de uma floresta que tem tecnológicos mecanismos de fazer cair no lugar de simples raízes saltadas. — Helena ajeitou os óculos, indignada, que quase caíram do seu rosto incontáveis vezes. Ela não enxergava um palmo à sua frente sem eles.

     — Ela está aí, Helena. — Diana continuava a olhar fixamente a entrada da caverna gigante, aparentemente vazia. — A minha mãe.

     Helena suspirou. Não queria ter que dizer aquilo em voz alta e nem precisou, porque os meninos as haviam alcançado.

     — Vocês correm, hein? — ofegou Félix. — Pra uma nerd antissocial que só pensa em estudar, até que você daria uma boa atleta, Lena.

     Pablo se enfiou no meio dos dois para que a garota não desse uma lanternada na cabeça inconsequente de Félix, que adorava provocá-la. Ela odiava que ele a chamasse assim, só Pablo e a sua família tinham essa honrosa permissão.

     Diana olhou a prima e começou a entrar na caverna, subindo em colossais três pedras deitadas, que serviam de degraus de um metro de altura cada.

     Pablo e Helena se entreolharam antes de correr atrás de Diana, que já estava quase dentro da caverna ainda-não-se-sabia-de-quem. Félix tratou de segui-los, já que não havia nada melhor para fazer ali fora.

     — Diana... — era a voz da sua mãe. Diana tinha certeza. E agora parecia que ela estava ali, do seu lado.

     A garota olhou em volta, confusa, sem encontrar a dona da voz tão familiar. Diana ajeitou a mochila nas costas para procurar melhor a mãe dentro daquela caverna perigosa.

     Félix, Pablo e Helena entraram mais também, para tentar entender o que Diana estava procurando. Os três não haviam escutado a suposta voz da mãe da ruiva, mas escutariam o que estava por vir.

     Como se só tivesse esperado o momento certo, várias pedras gigantescas despencaram do alto da caverna e caíram aos montes, justamente na entrada. Helena ainda tentou voltar, mas Pablo a segurou para que não fosse esmagada. A passagem agora havia se transformado em uma vaga lembrança esfumaçada na mente dos adolescentes.

     Diana entrou em choque por estarem, aparentemente, presos ali, já que a única saída visível havia se tornado invisível, mas logo ignorou.

     — Ora, ora, Diana...

     A garota se virou para flagrar aquela que sabia ser sua mãe, a dona da voz, vinda de mais além da caverna, de um único beco escuro à esquerda, lá ao fundo.

     Diana ignorava totalmente o fato de a sua mãe ter morrido uma semana antes.

     — Tá bom, agora eu escutei... — Helena correu para sussurrar atrás da prima. As duas procuravam reconhecer aquela figura escura ali à frente... que definitivamente não era a mãe de Diana.

     A silhueta baixinha e redonda ao fundo se aproximava devagar, com as mãos para trás. Por causa de seu avantajado diâmetro, seus dedos mal se encontravam.

     — Você... Você não é a minha mãe.

     A mulher, com o cabelo mais alto e emaranhado que Diana já havia visto na vida, desceu poucos degraus de pedra para ficar frente a frente com os quatro adolescentes. Seu olho esquerdo era azul e o direito, dourado como o cabelo.

     — Quem é v...

     — Antes que digam qualquer coisa inútil... meu nome é DigueWigguie.

     Félix tentou, mas não segurou a gargalhada atrás da mão.

     — Digue o quê? Foi bem você que inventou esse n...

     — Sou o seu pior pesadelo.

     — Mas que frase batid...

     — Preciso apenas de dois — DigueWigguie interrompeu Félix pela terceira vez, já sem a voz da mãe de Diana. A garota estava em choque, enquanto Helena se deliciava com o fato de a mulher estar passando por cima de Félix tantas vezes.

     A bruxa, então, levantou dois dedos juntos, revelando a falta de unhas, e levantou Helena e Félix no ar. Isso sim os desconcentrou e os trouxe para a realidade.

     — O quê? Mulher maluca, me põe no ch...

     — Mago Ácido, encontrem-no. Levem os ingredientes para que ele faça a poção, até o nascer do sol de antes de ontem. Só assim vocês verão Diana e Pablo novamente.

     — O quê...?

     Antes que alguém tivesse a chance de protestar, DigueWigguie lançou Félix e Helena contra a parede, mas, antes de atingi-la, os dois adolescentes desapareceram em uma nuvem de fumaça.

     — Helena! — Diana e Pablo gritaram em uníssono, com o olhar petrificado em direção à parede de pedra. Claro, porque ninguém ligava para o Félix.

     — Eu até mandaria o Pablo no lugar dele, mas eu não aguentaria um tagarela aqui. — DigueWigguie sorriu. — Mas a minha conversa é com você, Diana.

     — Como roubou a voz da minha mãe, sua bruxa velha?! — Diana foi para cima da mulher redonda. — Por que quer nos manter aqui?! Sua ridícula, pra onde você os mandou?!

     A centímetros de estrangular a bruxa, Diana foi parada por algo invisível, como um campo de força. A feição tranquila de DigueWigguie espantava até Pablo.

     — Não adianta, querida, não escuto o que você diz... — Ela olhou para Diana, que ainda gritava, indignada. — Sou surda.

     Pablo arqueou as sobrancelhas, o que fez com que seus cachos caíssem na sua testa.

     — É mentira!! — Diana continuou a gritar. — Não estaria falando se fosse surda!

     — Pense o que quiser — disse a bruxa, depois de olhar o movimento dos lábios da garota, ainda contida pela sua magia. — Na gaiola.

     E foi então que Pablo arqueou as sobrancelhas mesmo, mas sempre calado. Quando piscou, estava dentro de um cubículo de metal, com grades, sustentado por uma corrente que saía das pedras, acima da sua cabeça. Ele e Diana, claro. Havia uma pedra abaixo que equilibrava tudo e não os deixava suspensos no ar.

     — O quê...? Como a gente veio parar aqui?

     — Mas que ridícula! Já viu uma criatura tão ridícula quanto alguém que tem o corpo, o nome, o cabelo e a personalidade ridículos? — gritou Diana, que, se a surdez fosse verdade, sabia que a mulher não a escutaria, nem se estivesse ao seu lado.

     — Acho melhor não gritar assim... Vai que ela tem outros ouvidos, olhos, nariz, tudo?

     Diana suspirou, não acreditava que a sua falta de noção havia resultado em uma tragédia tão grande quanto a que ela e Pablo estavam metidos.

     Afinal, ela sabia que a sua mãe estava morta. Aquela voz na floresta não era ela, Diana sabia. Mas quis ignorar a realidade de propósito, porque não havia nada a perder, realmente. Ela só não contava com o fato de uma bruxa que nem tem cara de bruxa ser a voz da sua mãe.

     Diana era sempre precavida, seu dom era esse. Tanto que, mesmo com pressa, conseguiu enfiar tudo que precisava — e que não precisava — na mochila para seguir a suposta voz da sua mãe, morta sete dias antes.

     — Confortáveis?

     — Na verdade...

     — Claro, foi uma pergunta retórica, afinal eu não escuto, né? — disse a bruxa, flutuando no ar, em volta da altíssima pedra que, junto à corrente, não deixava a tal gaiola despencar. DigueWigguie estava de lado para as grades, com os olhos propositalmente longe dos lábios dos dois, para que não entendesse realmente nada do que dissessem. — Em que mês estamos mesmo?

     — Sério que ela perguntou isso? — Diana se dirigiu a Pablo, pondo-se a sentar. Ela já estava cansada de tanta agitação e o sol já deveria estar nascendo. Os tios de Helena, com quem Diana estava morando agora, ficariam muitíssimo preocupados se não as vissem no quarto.

     — Claro que estamos em fevereiro, e isso tem uma razão muito especial.

     — Uma razão pra estarmos em fevereiro? Maluca...

     — Primeiramente, sim. Segundamente, maluca é a sua amiga aí. — DigueWigguie havia se virado discretamente para ler o que Pablo dissera. — Estamos em fevereiro porque no mundo externo temos uma escritora que está homenageando esse mês. No mundo onde não existe muro Pots, chamado segundo mundo, há uma realidade onde milhares de pessoas estão indo para um terceiro mundo. Então, quem mora no segundo mundo precisa ficar em casa, e essa nossa escritora não tem nada melhor pra fazer do que deixar vocês dois dentro de uma gaiola como se fossem ratos.

     — Quê? — era o que Diana conseguia dizer, diante de toda aquela maluquice. — Que mentira doida, é uma desculpa sua porque você quer nos manter aqui, bruxa ridícula. Imagina só, um segundo, terceiro mundo... Já basta a Helena e o Félix terem voado bem na minha frente, sua maluca. Isso pra mim já é coisa de outro mundo.

     — Preste atenção, querida.

     A bruxa estalou os dedos, contando com a suposta ajuda da tal autora. Todo o teto da caverna ameaçou vir abaixo, com alguns fios de fumaça surgindo e pequenas pedras caindo no rosto de Diana, virado para cima.

     E assim foi. Várias pedras descomunais despencaram ao longo da caverna gigante e, a qualquer momento, alguma cairia em cima da gaiola e esmagaria todos. DigueWigguie estava calma, porém. O exato contrário de Diana e Pablo.

     Uma rocha gigante estava solta, prestes a cair bem em cima dos adolescentes. Ela se desprendeu e assim foi chamada pelo irresistível "vem cá" da gravidade.

     Mas não os esmagou, porque a autora, claro, não quis. Tudo voltou ao normal em um piscar de olhos.

     — O que ia dizendo? — desafiou DigueWigguie, com os braços cruzados.

     — Tá, enfim — ainda de olhos fechados, Diana reclamou, indignada. — Beleza, existe o primeiro, segundo, décimo sexto mundo, o que você quiser. Tem uma pessoa chamada autora que fez esse monte de pedra quase cair em cima da gente, é de família?

     — O quê?

     — A ridiculice.

     — Olha o jeito, hein? Não ouço, mas escuto. E a culpa de você estar aqui com o Pablo, presos, não é minha. A autora precisava colocar a sua falta de prevenção na história, mesmo que o pedido tenha sido a prevenção. Nem sei se isso vai contar no mundo dela. Você foi ótima, querida, além de perder a prima e ficar presa aqui do outro lado do muro Pots a gente nem sabe se valeu a pena ou não.

     — Ah, que ótimo. — Diana balançou a cabeça. Pablo nunca tinha ficado tão calado na vida. — Agora a culpa é minha.

     — Mas claro — DigueWigguie disse com convicção. — Se fosse prevenida tudo faria mais sentido no segundo mundo.

     — É por isso que estamos no segundo mês? Porque lá é o segundo mundo? — Pablo chegou a essa estranha conclusão, depois de passar tanto tempo sem falar. Diana achou que ele pensaria em algo mais útil se fosse abrir a boca.

     — Na verdade a gente não entende o que acontece lá. Eu só sei porque eu sou eu.

     DigueWigguie ameaçava voar para longe da gaiola dos adolescentes, encerrando aquele assunto maluco ali. Mas, de repente, Diana voltou à plena realidade e gritou, quando a bruxa já estava quase de costas:

     — Pra onde você os mandou?!

     ***

     [2608 palavras]

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