Capítulo 21- A Fênix Negra ( PARTE 1 )
"Não espere que as oportunidades venham até você. Crie-as"
Terras do Fogo- Capital
12 ANOS ANTES DO MASSACRE DE UGAR VALCOR IV
O Palácio Imperial das Terras do Fogo, um monumento ao poder e à grandiosidade dos Valcor, erguia-se imponente contra o céu escaldante. Suas paredes eram feitas de magma enrijecido, uma obra-prima de Urixis Valcor, o Primeiro. A luz do sol refletia em suas superfícies negras e lustrosas, criando um brilho sinistro, como se o próprio fogo vivo pulsasse nas veias da construção. No coração do palácio, a biblioteca era um santuário de conhecimento e história, suas prateleiras se estendiam até o teto abobadado, repletas de livros com lombadas de couro e inscrições douradas.
Naquele espaço sagrado, Talindra Valcor V, com apenas 13 anos, andava devagar entre as prateleiras. Vestia um vestido preto de seda fina, com detalhes em bordado carmesim que realçavam a pele pálida e os cabelos negros como a noite. Seu semblante carregava uma seriedade incomum para alguém de sua idade. Os olhos escuros brilhavam com curiosidade, mas também com uma intensidade que parecia antiga, muito além de seus anos.
No centro da biblioteca, entre duas imensas prateleiras, erguia-se a estátua de Urixis Valcor, o fundador do império. A figura imponente segurava uma chama esculpida em obsidiana negra em uma mão e uma espada flamejante na outra. A postura altiva da estátua parecia vigiar silenciosamente o espaço, como um lembrete constante do poder e da responsabilidade da linhagem Valcor.
Talindra aproximou-se de uma mesa próxima à estátua, pousando um livro pesado com capa de couro diante de si. A inscrição na capa dizia: "A Terceira Era da Revolução Valcoriana". Era o terceiro volume de uma coleção de seis livros que detalhavam o conflito que permitiu a Urixis tomar o poder e consolidar o Império Valcor. Sentando-se com delicadeza, ela apoiou os braços na mesa e começou a folhear as páginas com cuidado.
Enquanto lia, sua mente fervilhava com pensamentos sobre o legado de sua família. O que é ser um Valcor? — ela se perguntava, olhando de relance para a estátua de Urixis. Somos abençoados ou amaldiçoados pela chama negra que corre em nossas veias?
De repente, o som de passos apressados interrompeu seus devaneios. Arya Valcor, sua irmã mais nova por apenas um ano, irrompeu pela porta da biblioteca, movimentando-se com uma energia desengonçada e desinibida que era o oposto de Talindra. Arya vestia uma túnica vermelha curta, simples e funcional, que mal combinava com a formalidade do ambiente. Seus cabelos negros estavam soltos e bagunçados, em contraste direto com a elegância meticulosa de Talindra.
— Tali! — Arya chamou, apressando-se até a mesa e jogando-se na cadeira ao lado. — A vovó está te procurando por todo lado. Disse que é urgente.
Talindra levantou os olhos do livro, um tanto irritada.
— Não está vendo que estou ocupada? — respondeu, apontando para o livro diante dela.
— Calma aí! — Arya ergueu as mãos em um gesto de rendição. — Só tô repassando a mensagem, dona sabichona.
Talindra, sem dar atenção, voltou a ler. Mas Arya não era do tipo que aceitava ser ignorada. Curiosa, inclinou-se para olhar o livro nas mãos da irmã.
— Você consegue ficar lendo isso o dia todo? — perguntou, pegando o livro abruptamente.
Talindra ergueu-se da mesa com raiva, estendendo a mão.
— Me devolva isso! — ordenou, com sua voz mais firme do que Arya esperava.
Arya riu, levantando-se da cadeira e segurando o livro acima da cabeça, fora do alcance de Talindra.
— Relaxa, só quero ver o que é tão interessante. — Ela folheou algumas páginas rapidamente antes de bufar. — História da revolução? Ugh, como você aguenta?
— Eu estava aprendendo sobre a nossa família, algo que você deveria fazer também, — Talindra retrucou, tomando o livro de volta com um puxão brusco.
Arya riu alto, divertida com a seriedade da irmã.
— Você é tão chata! — provocou. — Mas, falando em família, sabe quem seria um ótimo par pra você? Darian!
Talindra revirou os olhos dramaticamente e fez um gesto exagerado de vômito.
— Darian? Não, obrigada. Prefiro Jaeris.
A expressão brincalhona de Arya mudou instantaneamente. Ela cruzou os braços e olhou para a irmã com olhos semicerrados.
— Jaeris é meu, sempre foi. — Sua voz carregava um tom de desafio. — Já me vejo como imperatriz ao lado dele quando ele tomar o trono.
— Talvez você esteja esquecendo da batalha, — Talindra retrucou com frieza. — Jaeris não tem chances contra Urixis e Darian.
Arya estreitou os olhos, ainda mais irritada.
— Engraçado como você diz que gosta dele, mas já o imagina morto!
Antes que Talindra pudesse responder, Arya tomou o livro novamente. Mas, desta vez, ela fez algo que a irmã não esperava. Com um movimento rápido e surpreendentemente forte, Arya rasgou o livro ao meio, soltando folhas pelo chão.
Talindra ficou boquiaberta, agachando-se para recolher os restos do livro.
— Qual é o seu problema? — ela exclamou, incrédula, com os olhos cheios de raiva e incredulidade.
Arya, já a caminho da porta, virou-se com um sorriso travesso.
— Relaxa, tem milhões desses aqui. E, quem sabe, você acabe casando com o Darian mesmo! Uma chata e um imbecil se combinam, não acha?
Com isso, ela saiu saltitando da biblioteca, deixando Talindra sozinha, segurando as páginas rasgadas e com o rosto fervendo de raiva e humilhação. A estátua de Urixis parecia observá-la, como se julgasse o que acabara de acontecer. Talindra respirou fundo, tentando conter a fúria que ameaçava transbordar.
Mais tarde naquele mesmo dia, Talindra se dirigiu à sala de preparação para o treinamento diário. As chamas tremeluzentes dos canais de magma que percorriam os corredores do Palácio Imperial projetavam sombras dançantes nas paredes de obsidiana. O calor característico das Terras do Fogo impregnava o ar, mas Talindra parecia alheia ao desconforto. Seus passos eram firmes, ecoando suavemente pelo chão de mármore negro enquanto ela atravessava os corredores.
A cada passo, sentia-se mais focada; o treinamento era uma rotina que, apesar da exaustão, oferecia um estranho alívio. Era o único momento em que podia provar seu valor com ações, não palavras.
Ao virar o último corredor, ela ouviu vozes. Criados iam e vinham carregando equipamentos e ajustando detalhes para a sessão. Talindra parou por um instante diante da porta entreaberta da sala de preparação. Inspirou profundamente, passando os dedos pelos cabelos longos e escuros para ajeitá-los. Sua expressão endureceu; ali dentro, ela não era apenas Talindra, a filha de Ugar, mas uma Valcor, uma herdeira da força e do poder da Fênix Negra.
Ela empurrou a porta com firmeza, e o ranger das dobradiças ressoou na vasta sala de pedra. O cheiro de óleo para armas e couro polido a envolveu imediatamente. A iluminação era fraca, mas suficiente para revelar os detalhes intrincados do espaço: prateleiras abarrotadas de armaduras e espadas de treino, ganchos nas paredes segurando elmos, e mesas repletas de equipamentos organizados com precisão.
Os criados interromperam suas atividades ao vê-la entrar e rapidamente retomaram, preparando o necessário para equipá-la. Talindra caminhou até um dos cantos da sala, onde um manequim de madeira sustentava a armadura que usaria. Ela começou a soltar os laços do vestido, deixando que os criados assumissem a tarefa de vesti-la para o treinamento.
Enquanto ajustavam as proteções em seu corpo, Talindra sentiu a familiar transformação física e mental. No fundo da sala, o som de espadas sendo testadas e vozes abafadas criava uma melodia que se mesclava com a batida constante de seu coração.
— Está preparada para hoje? — perguntou uma das criadas, com um sorriso breve enquanto amarrava as correias da armadura.
Talindra franziu o cenho, confusa.
— E quando não estou?
As duas trocaram um sorriso rápido, mas antes que o momento passasse, outra criada, enquanto ajustava o colar de proteção no pescoço da jovem, inclinou-se e sussurrou:
— Sua irmã está espalhando por aí que você está apaixonada por Darian.
Talindra congelou por um instante. Seus olhos instintivamente procuraram Darian na sala, e ela o encontrou ao fundo, onde outros criados o preparavam. Ele estava vestindo uma armadura similar à dela, e sua expressão, até aquele momento distraída, mudou ao perceber que ela o encarava. Ele sustentou o olhar com um pequeno sorriso no canto dos lábios, como se já soubesse da fofoca. Talindra rapidamente desviou os olhos, sentindo um calor subir por seu rosto.
— Isso jamais aconteceria — murmurou, tentando esconder o desconforto.
Assim que todos estavam prontos, os adolescentes Valcor, Talindra, Urixis, Arya, Jaeris, Darian e Calissa, saíram da sala, marchando em formação pelo longo corredor do Palácio Imperial. O mármore negro do chão brilhava sob os pés, e colunas monumentais sustentavam o teto alto, adornadas com brasões da linhagem Valcor. A luz do magma incandescente, fluindo por canais embutidos nas paredes, lançava reflexos vivos nos cabelos negros como a noite dos jovens.
Então, finalmente chegaram à arena de treinamento, um espaço amplo ao ar livre, cercado por arquibancadas de pedra e protegido por altos muros de magma enrijecido. No centro, Ugar os aguardava, de pé, com as mãos cruzadas nas costas. Ugar Valcor era a personificação do poder, com sua postura robusta e musculosa, fruto de anos de treinamento. Seus cabelos negros, curtos e espetados, acompanhados de uma barba cuidadosamente aparada, davam-lhe um ar de dureza e controle. Os olhos, ardentes e profundos, refletiam a chama negra que corria em suas veias, emanando uma aura intimidadora. Vestido com uma túnica negra simples, mas resistente, e botas reforçadas, ele dominava o espaço ao seu redor, com seu olhar firme e implacável, demonstrando a autoridade que exercia sobre todos. Sua presença era um reflexo não só de sua força física, mas também de sua indomável vontade e disciplina.
— Formações! — ordenou Ugar, e sua voz ecoou pela arena.
Os jovens rapidamente se alinharam, cada um em sua posição. A primeira parte do treino consistia em exercícios básicos de defesa e ataque. Talindra se destacava em movimentos defensivos, girando a espada de madeira com precisão, bloqueando ataques com uma fluidez que impressionava. Contudo, quando partia para o ataque, sua força parecia hesitante, e Ugar observava cada falha com olhos críticos.
Quando chegou a vez de Talindra enfrentar Arya, ela respirou fundo, caminhando até o centro da arena. As duas irmãs se encararam por um instante, mas Talindra quebrou o silêncio com uma acusação direta.
— Por que está espalhando mentiras sobre mim?
Arya riu com desdém.
— Você fala demais, Tali. É um treino, não um debate!
Sem aviso, Arya avançou com uma série de golpes rápidos. Talindra conseguiu bloqueá-los com habilidade, mas não sem esforço.
— Você fala muito para uma lutadora — provocou Arya, rindo enquanto girava a espada novamente.
O embate foi interrompido quando Ugar chamou a próxima dupla: Talindra e Darian. Ele entrou no centro da arena com um sorriso descontraído, girando a espada de madeira em um movimento casual.
— Sabe o que estão dizendo? — perguntou Darian, enquanto se preparava.
Talindra hesitou, com a espada baixa.
— Darian, olha, eu...
Ele a interrompeu com um tom calmo.
— Sei que você não gosta de mim de qualquer forma... mas quando ouvi os rumores, confesso que fiquei... empolgado.
Ela o olhou surpresa, sem saber como responder. Ele continuou:
— Então, com a ajuda do meu pai, consegui algo raro. Achei que você fosse gostar!
Talindra franziu o cenho.
— O que conseguiu?
— Um livro. O mais detalhado sobre a Fênix Negra!
Os olhos de Talindra brilharam, e antes que pudesse se conter, ela se jogou em seus braços, abraçando-o com força.
— Muito obrigada... mesmo.
O momento foi interrompido quando Ugar agarrou o braço de Talindra, puxando-a para longe de Darian. O silêncio na arena foi instantâneo.
— Não é momento para abraços! — rugiu Ugar, com o rosto contorcido de fúria. — Em batalha, você não abraça seu inimigo. Foque!
Talindra ergueu o rosto, encarando-o sem medo. Com um movimento firme, ela voltou à sua posição, ajustando a espada de madeira.
O último duelo foi entre pai e filha, um confronto inevitável que carregava o peso das expectativas familiares. Ugar, sempre o estrategista, sabia que este momento era mais do que uma simples demonstração de habilidade. Era uma prova, uma oportunidade para reforçar sua autoridade. Ele observava Talindra com um sorriso irônico, como se estivesse medindo cada movimento dela, cada pensamento. A tensão no ar era palpável, e todos ao redor estavam em silêncio, aguardando o desenrolar daquele combate. A postura de Ugar era sólida, inabalável, enquanto Talindra se posicionava com foco absoluto, com seu olhar firme, desafiando a imposição de seu pai.
Ele riu, o som grave de sua voz ecoou pela arena, e, com um gesto lento e calculado, tirou os olhos da filha por um breve momento, como se tivesse perdido o interesse por um segundo. Então, voltou a encará-la, com o sorriso ainda lá, agora mais amargo. Ali, Talindra não duelava apenas pela vitória, mas pela afirmação de sua identidade, de sua independência em um mundo onde o poder da linhagem era imenso.
Com um movimento brusco, Ugar posicionou sua espada de madeira e se preparou para o confronto, as lâminas se cruzariam em mais um teste de força, mas também de espírito. Para Talindra, cada golpe seria um passo mais próximo da verdadeira liberdade, e ela estava pronta para enfrentar o pai, com a mesma determinação com que enfrentaria qualquer inimigo.
— Não vai me abraçar também, vai? — Ugar sorriu de maneira irônica enquanto a encarava.
Talindra não respondeu. Em vez disso, avançou com um movimento brusco, golpeando o braço de Ugar com precisão. O impacto foi forte o suficiente para marcar a pele dele, mesmo sob a proteção leve que usava.
Ela parou, com os olhos fixos nos dele, e disse com firmeza:
— Na batalha, você não conversa com seu inimigo!
Ugar fechou o rosto, mas não pôde esconder o brilho de orgulho que passou por seus olhos. O duelo que se seguiu foi intenso, a arena inteira assistia em silêncio enquanto Talindra se defendia com maestria e atacava com uma ousadia crescente. Cada movimento era uma dança entre a jovem aprendiz e o veterano guerreiro.
Após o intenso duelo, a arena ficou silenciosa por um momento. O som das espadas de madeira sendo baixadas ecoou como um alívio, e todos respiraram fundo, aliviados. Ugar, com seu olhar feroz, observou todos ao seu redor, analisando os jovens com olhos calculistas. Ele finalmente falou, com sua voz carregada de uma autoridade natural, inconfundível.
— Hoje, vocês foram melhores que há algum tempo. Mas ainda há muito o que melhorar. — Sua voz era cortante, impiedosa, mas havia uma sombra de aprovação no fundo de seus olhos. Ele cruzou os braços, como se pesasse as palavras que se seguiram. — Vou liberá-los mais cedo. Aproveitem o tempo, porque amanhã será mais difícil.
Os jovens mal podiam conter a euforia, deixando a arena com um suspiro coletivo. Talindra, com os músculos ainda tensos e o corpo dolorido pelo treino, começou a se organizar para sair também, guardando sua espada de madeira. Foi então que Darian se aproximou, um pouco hesitante, seus olhos estavam mais nervosos que o normal.
— Talindra, espere. — Ele disse, com a voz tremendo de ansiedade. — Quero te entregar o livro. Na biblioteca. Mais tarde, se puder.
Ela olhou para ele, sorrindo, e acenou com a cabeça.
— Claro, estarei lá!
Darian deu um sorriso tímido e se afastou, mas antes que pudesse se perder no corredor, o som da voz de Ugar cortou o ar, forte e autoritário.
— Talindra! Fique!
Ela estremeceu, frustrada, o sorriso de antes desapareceu rapidamente, e, com um suspiro profundo, ficou, olhando para o chão com a mandíbula tensa. Não sabia o que esperar, mas algo lhe dizia que não seria uma conversa agradável.
Quando todos os outros saíram da arena, Ugar, ainda com os braços cruzados, começou com um tom frio, sem rodeios.
— Suas atitudes têm me enfurecido, Talindra. — Ele disse, com sua voz grave e cortante. — Você já vai fazer quatorze anos, e ainda não aprendeu o quão grave é sua responsabilidade. Não está entendendo a pressão que está sobre seus ombros!
Ela o encarou com os dentes cerrados, respirando fundo para manter a calma, mas a frustração já tomava conta de seu peito.
— Eu sou a mais ciente disso de todos, pai! — Ela retrucou, com a voz firme e audível. — Passo os dias inteiros estudando, me esforçando ao máximo para aprender o que posso, enquanto você só me cobra! Eu não sou a única aqui que precisa aprender! Você nunca diz nada para a Arya, que faz tudo na brincadeira. E a única coisa que eu faço, só um abraço, e você já me chama a atenção! Isso é... injusto!
A voz de Talindra falhou por um momento, com o peso das palavras e da decepção enchendo seus olhos de lágrimas, mas ela se manteve firme. Ugar a observava em silêncio, uma expressão fechada, mas com um brilho de fúria que só aumentava.
Ela continuou, agora quase sem conter a raiva.
— Você nunca acredita que eu sou boa o suficiente! Sempre acha que preciso ser mais! O que mais você quer de mim, pai?!
Ugar a cortou abruptamente, levantando a voz, como se tentasse dissipar a dor que surgia nas palavras dela.
— Tudo o que eu faço é porque eu vejo algo em você, Talindra! — Gritou, as palavras soavam como um trovão. — Eu vejo o potencial para algo grande, algo que ninguém mais tem! Eu te cobro porque sei que você tem o que é preciso para dominar, para liderar, mas não está se esforçando o suficiente! Se você não mudar, jamais será capaz de tomar o trono! Jamais será capaz de governar este Império!
A raiva subia no peito de Talindra, mas ela não abaixou a cabeça. Ela o encarava com olhos desafiadores.
— Eu não sou uma lutadora como você quer, pai. Não sou um cavaleiro feito de aço sem alma! — Ela disse, sem hesitar. — E você nunca vai acreditar que eu posso ser uma imperatriz. Você só vê o que quer ver, não o que eu sou realmente! Eu me defendo, sim! Eu sou astuta, não impulsiva como você, mas você nunca entende isso! Sempre acha que é só força, é só gritar, é só atacar! Mas eu sei que ser uma líder não é só isso! E é por isso que você nunca vai me ver como alguém que tem o que é preciso para ser... como você!
Ela o olhou com um desprezo sutil, como se sentisse uma imensa tristeza por tudo o que estava sendo dito. Ugar a encarou com uma intensidade ainda mais forte, com as mãos fechadas em punhos, tremendo de raiva. Ele se aproximou de Talindra, e, com um movimento rápido, deu-lhe um tapa forte no rosto. O impacto fez a cabeça dela se virar, e ela ficou parada, sem reação por um momento. A dor física parecia quase nula diante da ferida emocional que ele acabara de causar.
Ela virou lentamente, tocando o local onde ele a havia acertado, seu corpo ainda tremia pela tensão do golpe. A expressão dela se suavizou por um segundo, antes de ela erguer a cabeça e, com a voz mais baixa, mas ainda cheia de raiva, disse:
— Você é um demônio. Jamais sentará no trono do Império, eu nunca deixarei!
Ugar, furioso, deu um passo em direção a ela, mas ela não se moveu. Seu olhar se fixou nele, sem medo, desafiando-o diretamente.
— Não preciso da sua aprovação, criança! — Ugar disse com firmeza, com sua voz cortante, cheia de desprezo. — No próximo treino, se você não melhorar, tomarei providências. Eu não vou mais tolerar essa mediocridade!
Talindra, respirando fundo, não hesitou em responder. Sua postura era inabalável, desafiadora. Ela não se intimidava.
— Não haverá próximo treino para mim, pelo menos não com você. Nunca mais. — Ela disse com frieza, sua voz grave e cheia de convicção.
Sem mais palavras, ela se virou, começando a caminhar em direção à saída da arena. Cada passo dado era como uma afirmação de sua decisão, de sua liberdade e resistência.
Ugar, furioso, gritou atrás dela, sua voz ecoou pela arena vazia.
— Isso é um afronto, Talindra! Todos treinam! Eu não vou permitir isso!
Talindra parou por um momento, sem virar a cabeça, mas a resposta foi clara, direta, cortante.
— Eu não preciso da sua aprovação. — E, sem mais palavras, ela seguiu em frente, deixando Ugar para trás, em silêncio e cheia de ira.
Mais tarde, na quietude da noite, Talindra caminhava com determinação pelos corredores vazios do palácio, com uma lamparina em mãos. Os passos ecoavam levemente, e o ar fresco carregava o aroma de pergaminhos antigos. Ela estava ansiosa para encontrar Darian na biblioteca, repleta de expectativas para receber o presente que ele prometera: o lendário livro da fênix negra.
Quando chegou, encontrou a enorme porta de madeira entreaberta. Espreitando lá dentro, Talindra percebeu que Darian ainda não havia chegado. Suspirou levemente, entrou e colocou a lamparina sobre uma mesa de mármore no centro da sala. Com um gesto calculado, acendeu as tochas das paredes próximas, iluminando o vasto ambiente. As prateleiras de carvalho maciço estavam carregadas de livros que narravam séculos de história .
e glória dos Valcor.
Para passar o tempo, começou a explorar os corredores da biblioteca, deslizando os dedos pelas lombadas dos livros. Ela retirava um ou outro para observar seus títulos e voltava a colocá-los no lugar. Mas, naquela noite, algo além dos livros a chamou atenção. Uma abertura ovalada na parede, uma janela alta que revelava a cidade abaixo, cintilando como um oceano de brasas em meio à escuridão.
Talindra se aproximou devagar, atraída pela visão. A capital das Terras do Fogo se estendia até onde seus olhos podiam alcançar, um amontoado de construções que formavam um cenário vibrante e intenso. O céu estrelado se fundia com o calor das tochas e forjas espalhadas pela cidade.
Ela encostou as mãos na moldura de pedra fria da janela e fechou os olhos por um instante, deixando sua imaginação vagar. Naquele momento, ela se viu como soberana daquele reino. Dona de toda a grandiosidade que se estendia diante dela, mas também de algo maior: um continente cheio de mistérios e poderes que aguardavam sua chegada.
Talindra sentiu o peso da responsabilidade que a cercava. Era imenso, sufocante. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro dela se inflamou: uma certeza jovem e poderosa de que ela era capaz. De que seu sangue Valcor era mais do que uma herança, era uma chama viva.
Quando abriu os olhos, o devaneio foi abruptamente interrompido. Algo no horizonte, longe mas cada vez mais visível, brilhou como uma labareda. Sua respiração se acelerou ao perceber que aquilo se movia rápido. Uma forma flamejante, serpenteando pelo céu escuro, aproximava-se direto da janela.
Ela recuou instintivamente, o coração batendo com força. O brilho flamejante ficou mais intenso, até que finalmente atravessou a janela com um impacto silencioso e devastador.
Talindra caiu ao chão, atordoada, enquanto a figura flamejante abria suas asas imensas. A luz pulsante tomou conta da biblioteca, refletindo nas prateleiras e criando um espetáculo surreal. Quando Talindra finalmente ergueu o olhar, o que viu fez o ar fugir de seus pulmões.
Era uma fênix. Mas não uma fênix comum, era a fênix negra. Suas chamas dançavam em um tom de ébano que parecia devorar a luz ao invés de emaná-la. Seus olhos eram como carvões incandescentes, e sua presença, um misto de majestade divina e um terror ancestral.
Diante de Talindra, estava a entidade que os Valcor adoravam há milênios, a mesma que havia concedido seu poder a Urixis Valcor. Talindra sabia que nenhum registro narrava outro encontro com a fênix. Ela estava em choque, sem saber se aquilo era real ou um delírio.
A fênix moveu-se, descendo suavemente até o chão, onde fechou suas asas com um movimento fluido, como uma cortina de fogo sendo recolhida. Talindra, ainda caída, recuou lentamente, arrastando-se até sentir suas costas encostarem em uma prateleira de livros. Ela mal conseguia respirar.
A fênix avançou devagar, seus passos flamejantes não deixando marcas, mas iluminando o chão de pedra. Apesar do medo, Talindra foi tomada por um impulso inexplicável, como se algo além de sua vontade a chamasse.
— Isso... Isso não pode estar acontecendo... — sussurrou, com sua voz quase inaudível.
A fênix inclinou a cabeça, como se a estudasse. Então, ela parou diante de Talindra, aproximando sua cabeça flamejante da garota. Talindra hesitou por um momento, mas algo em seu sangue, em sua essência, a impulsionou a erguer a mão.
Quando seus dedos tocaram o corpo da fênix, ela esperava dor, queimaduras, algo insuportável. Mas o que sentiu foi o oposto, era calor, mas também conforto. Uma força primordial e familiar que parecia fluir diretamente para ela.
De repente, a fênix abriu suas asas em um movimento grandioso, envolvendo Talindra em um casulo de chamas negras. A luz dançava ao seu redor, e sua visão começou a escurecer. Era como se o fogo estivesse invadindo sua alma, preenchendo cada parte de seu ser com algo novo e indescritível.
A última coisa que viu foi o brilho intenso nos olhos da fênix, como se a entidade estivesse gravando algo em sua essência. Então, tudo se apagou. Talindra desmaiou, caída no chão da biblioteca, enquanto a fênix negra desaparecia na mesma grandiosidade com que chegou.
Quando acordou, ela já não estava mais ali, era como se tudo tivesse sido um sonho distante. O calor do sol invadia o quarto, tingindo as paredes adornadas de dourado. Talindra abriu os olhos com dificuldade, a claridade machucava seu olhar ainda sensível. A confusão tomou conta de sua mente, mais densa do que jamais experimentara. O teto ornamentado indicava que estava no palácio, mas não era seu quarto.
Apoiou-se em um dos travesseiros e olhou ao redor. Cada detalhe do ambiente era luxuoso: cortinas de veludo carmesim, móveis talhados em madeira negra e detalhes dourados nos entalhes das paredes. Ainda assim, a sensação de deslocamento persistia. O que aconteceu? Como viera parar ali? Tudo o que lembrava era de se dirigir à biblioteca. Depois disso, nada.
Ela esfregou os olhos, tentando clarear os pensamentos, mas a memória parecia um véu intransponível. Sentou-se na cama, encostando na cabeceira enquanto observava o ambiente. Foi então que algo chamou sua atenção. Sobre uma pequena mesa de madeira ao lado da cama, repousava o livro da fênix negra.
Talindra arqueou as sobrancelhas, surpresa. Pegou o livro com cuidado e, ao abri-lo, um pequeno bilhete deslizou suavemente para seu colo. Sorriu ao pegá-lo e leu:
"Espero que essas páginas inspirem tanto a sua mente quanto você inspira a minha coragem. — Darian"
Um leve rubor tomou conta de seu rosto, e ela apertou o bilhete contra o peito por um instante. Aquele presente significava muito.
De repente, a porta foi aberta abruptamente. Talindra se assustou, virando-se para encarar a figura que entrou. Era Alara, sua avó. Uma mulher imponente, de cabelos negros longos começando a se tingir de branco, com olhos profundos e pele escura. Apesar da idade avançada, havia nela uma força inegável.
— Está fugindo de mim, jovem dama? — Alara disse com um sorriso divertido. — Sua irmã não te avisou que eu estava te procurando neste palácio imenso?
Talindra deixou o livro de lado, levantou-se em um salto e correu em direção à avó. Pulou em seu colo, e Alara a recebeu com uma risada calorosa antes de colocá-la suavemente no chão.
— Estou feliz que tenha acordado, minha pequena Valcor. — Alara acariciou o rosto da neta e fez um sinal positivo para os criados do lado de fora, fechando a porta atrás de si. — Agora sente-se comigo, temos muito a conversar.
As duas voltaram para a cama, sentando-se lado a lado. Talindra, ainda agitada, começou a falar rapidamente:
— Eu estava lendo, depois fui treinar, depois fui para a biblioteca e... e depois disso... — Ela parou, franzindo a testa. — Depois disso não me lembro de nada. Só acordei aqui.
Alara pegou a mão da neta, apertando-a com carinho.
— Está tudo bem, Talindra. Um criado te encontrou pela manhã, caída e apagada na biblioteca. Trouxeram você para a ala dos curandeiros imediatamente. Eles verificaram tudo, mas não havia nada de errado. Talvez tenha sido só um desmaio.
Talindra franziu o cenho, ainda confusa.
— É por isso que não me lembro de nada? — perguntou, com os olhos buscando alguma certeza nos da avó.
Alara assentiu, sua expressão suavizando.
— A mente às vezes bloqueia certas memórias para nos proteger, minha querida. Não se atormente com isso agora. O importante é que você está bem. — Ela fez uma pausa, deixando o tom ficar mais sério. — Mas há algo que preciso te contar, e espero que você confie em mim para guardar isso como um segredo absoluto.
Talindra endireitou a postura, sentindo a gravidade na voz da avó.
— O que foi, avó?
— Seu avô, Havar, já tomou sua decisão sobre os combatentes que participarão das provas para a sucessão ao trono. — Alara hesitou antes de continuar. — E você... não é um deles.
Talindra sentiu como se o ar fosse sugado do quarto. Apesar da surpresa, algo dentro dela parecia já saber.
— Eu imaginava... — murmurou, desviando o olhar.
Alara segurou o rosto da neta, forçando-a a olhar nos olhos.
— Ouça-me bem, Talindra. Não ser escolhida para essas provas não significa que você é menos Valcor. Pelo contrário. Você carrega em si uma força que talvez ninguém mais veja ainda, mas que eu vejo claramente. E é por isso que estou aqui.
Ela se levantou, caminhando até uma janela que exibia a vastidão da cidade, e apontou para uma estátua imponente no pátio do palácio: Urixis Valcor, o lendário ancestral que selou o pacto com a fênix negra.
— Diga-me, Talindra, você já viu uma estátua de uma imperatriz? Já ouviu falar de uma mulher que se destacou entre os Valcor, além de ser esposa ou mãe de alguém?
Talindra negou com a cabeça, mordendo o lábio.
— Não... nunca.
— Pois é exatamente esse o problema. — Alara voltou-se para a neta, com seu tom firme mas cheio de ternura. — Nossa linhagem é gloriosa, mas também cega. Ser uma mulher neste Império significa viver à sombra dos homens, mesmo quando temos tanto ou mais a oferecer.
Ela sentou-se novamente ao lado de Talindra, segurando suas mãos.
— Mas você não precisa aceitar isso como um destino. Você é capaz de moldar sua própria história, Talindra. Assim como Urixis moldou a dele. Não espere que as oportunidades venham até você. Crie-as. E, quando o momento chegar, queime mais intensamente do que qualquer chama antes de você!
Talindra sentiu os olhos arderem com as palavras da avó. Alara sorriu suavemente e deu um leve tapa no joelho da neta.
— Agora, descanse. O Império pode esperar por mais um dia. — Ela se levantou, ajeitando as cobertas ao redor de Talindra.
Quando a porta se fechou, Talindra encostou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos, tentando mais uma vez lembrar-se da noite anterior. O vazio permanecia, mas algo diferente pulsava em seu peito. Era como se uma brasa ardente estivesse enterrada lá, esperando o momento certo para incendiar.
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