Capítulo 20- A Primeira Provação
"Eles exigem mais que coragem. Exigem sacrifício, resistência, e a pura essência do que você é"
Manto Vermelho - Terras do Sangue
Ao primeiro toque do amanhecer, o grupo emergiu da caverna, com seus passos hesitantes marcando a areia vermelha e fina. O sol, nascendo preguiçoso no horizonte, pintava o céu com tons de dourado e sangue, enquanto o calor começava a se infiltrar no ar, ainda fresco da noite. O vento quente levantava pequenas nuvens de pó, mas não aliviava o sufoco que se fazia presente em cada respiração. Daelius, Elara e Kalista estavam unidos, com suas roupas pesadas e suadas, e a inquietação do que viria a seguir pesava sobre seus ombros. O deserto, com sua imensidão solitária, era um inimigo impiedoso.
Foi então que, entre o emaranhado de dunas e o calor implacável, uma figura robusta surgiu do meio da névoa do deserto. Era Ruffalo, o homem que os guiava pelo Manto Vermelho, a ponte entre eles e a cultura misteriosa do povo local. Sua presença imponente parecia quase uma ironia diante da imensidão do deserto, seu corpo forte e volumoso contrastava com a secura ao seu redor. A barba amarronzada espessa e marcada pela poeira do deserto refletia o calor, e seus olhos castanhos estavam fixos, carregados com a gravidade de uma mensagem importante. Ele parou diante deles, sem pressa, mas com a postura firme.
— Temos um problema — ele disse, com sua voz baixa, arrastada. O tom sério de suas palavras fez com que todos os presentes se voltassem imediatamente para ele. Ruffalo respirou fundo antes de continuar. — Vocês entraram nas terras do Manto Vermelho, e agora... Daelius deve provar que merece caminhar por elas e guiá-los. O povo aqui não aceita qualquer um, não importa de onde venha ou o que tenha feito. Só aqueles que superarem as provações do Manto Vermelho serão vistos como dignos de sua adoração.
Daelius franziu a testa, inquieto.
— Provações? — Daelius questionou, tentando disfarçar o desconforto em sua voz.
Ruffalo olhou para ele com uma expressão grave, como se aquilo fosse o mais simples dos fatos.
— Não são apenas provações. São as Provocações de Sangue. Aqui, cada rito é uma batalha para que o corpo e a alma se provem para o Manto Vermelho. Eles exigem mais que coragem. Exigem sacrifício, resistência, e a pura essência do que você é!
Elara franziu a testa, compreendendo o peso das palavras.
— E o que exatamente... Daelius terá que fazer?
— As provações são feitas de três etapas — Ruffalo respondeu. — A primeira é uma jornada. Você, Daelius, será mandado sozinho para atravessar o Manto Vermelho até o Oásis de Isha. O caminho é traiçoeiro, e poucos sobrevivem a essa travessia, mas... você não pode voltar sem cumprir a tarefa. Serão três dias de provação, onde terá que enfrentar a fúria do deserto, a sede, a fome e, mais importante, suas próprias limitações. Levará consigo apenas um par de pães e pouca água. Não há luxo no Manto Vermelho. Aqui, somos feitos da mesma essência do deserto.
— Mas... não é muito perigoso? — Kalista perguntou, com seu tom de voz mais suave, mas com um claro questionamento. Ela olhou para Daelius com um olhar preocupado. — Você não sabe o que está por vir. Isso não parece certo, Pimenta!
Ruffalo olhou para ela, como se estivesse esperando por essa pergunta.
— Não é uma questão de ser certo ou errado, minha amiga. É uma questão de provar que ele tem a força de ser um líder. Eles não acreditam em histórias ou promessas vazias. O Manto Vermelho exige a verdade de cada um que busca seu favor.
Daelius, por sua vez, escutava com uma expressão rígida, com seu olhar distante. As palavras de Ruffalo estavam começando a fazer sentido de uma maneira desconfortável. Ele sentiu o peso da responsabilidade, mas ao mesmo tempo, algo dentro dele despertava, algo que o fazia querer ir ainda mais fundo.
— Eu entendo — ele disse, com voz firme, tentando disfarçar a ansiedade que começava a tomar conta de seu corpo. Ele se voltou para os outros dois, já se preparando para a missão. — Eu farei o que for preciso. O que mais há para fazer?
Ruffalo olhou com um sorriso triste, mas sincero.
— Apenas sobreviva, Daelius. Irei falar mais quando estiver no ritual de preparação. Você precisará trazer consigo uma caça, uma caça valiosa e simbolizante. Contudo, não espere que o caminho seja fácil!
Enquanto as palavras de Ruffalo ecoavam no silêncio tenso, Daelius sentiu uma onda de determinação percorrendo suas veias. O que quer que fosse, ele estava pronto.
Kalista se aproximou de Elara, e as duas trocaram um olhar silencioso. Ambas sabiam que o verdadeiro teste de Daelius não era o deserto. Era o que ele se tornaria quando saísse dali.
Elara pediu um momento a sós com Daelius, e Ruffalo, embora com a expressão séria, acenou com a cabeça em sinal de entendimento.
— Não demorem — disse ele, antes de se afastar lentamente, com suas sandálias deixando marcas profundas na areia.
O silêncio se fez entre Elara, Kalista e Daelius, e foi só então que Elara deu um passo à frente, tomando uma respiração profunda. A preocupação estava evidente em seus olhos, mas sua voz era calma, controlada.
— Daelius, você precisa entender o que está acontecendo aqui — começou ela, com seu tom grave. — Este não é o seu povo, e essa não é a sua luta! Não importa o que eles digam ou como o adorem, eles não são seus. O que estamos fazendo aqui, o que você está fazendo, é acabar com a Revolução Vermelha. Isso é sobre Coral Vakrana, não sobre você.
Kalista, sempre mais direta, se aproximou também, com sua expressão mais dura.
— Eles vão te ver como um líder, Pimenta, um símbolo. Mas você não pode permitir que isso mude quem você é, ou o que somos. Aquele povo não é seu, eles são a razão pela qual estamos aqui, tentando impedir que se tornem um novo problema. Não se deixe seduzir por essa imagem de grandeza. Isso não é real!
Daelius ouviu as palavras com um silêncio que beirava a introspecção. As palavras de Elara e Kalista o atingiram com o peso de um machado, mas algo dentro dele resistia, lutava contra essa lógica. Ele nunca foi adorado dessa maneira antes. Nunca sentiu os olhos de uma multidão tão grande e cheia de fervor. Isso fazia algo dentro de si se acender, como uma chama que queimava mais forte a cada momento.
Ele olhou para as duas com um semblante fechado, como se absorvesse cada palavra, mas sem revelar o que realmente pensava. Quando a tensão no ar se tornou quase palpável, ele finalmente falou, com a voz baixa e firme.
— Não se preocupem — disse Daelius, quase como se tentasse acreditar nas próprias palavras. — Eu sei o que estou fazendo.
Kalista queria responder, mas Elara a interrompeu com um gesto de mão, seu olhar se tornou mais suave, como se estivesse tentando entender a decisão de Daelius, mesmo que não concordasse.
Foi nesse momento que Ruffalo retornou, trazendo consigo um grupo diversificado de habitantes do vilarejo, que haviam chegado em pequenos grupos ao longo das horas. Seus passos eram abafados pela areia, mas o murmúrio crescente de vozes anunciava sua aproximação antes mesmo de serem avistados. Vestiam-se como verdadeiros filhos do deserto: mantos longos e surrados, em tons de vermelho, bege e marrom, com capuzes que protegiam seus rostos do sol implacável e máscaras simples de pano para filtrar o pó. Alguns carregavam cajados adornados com ossos ou penas, enquanto outros traziam nas costas sacos de provisões ou ferramentas rudimentares.
Entre eles, não eram apenas humanos que caminhavam. Orcs de pele esverdeada e olhos intensos formavam uma presença imponente, com suas tatuagens tribais visíveis mesmo sob as vestes, narrando histórias de batalhas e sobrevivência. Havia também anões robustos, cujas barbas grossas estavam parcialmente cobertas pela areia. Cada um deles parecia uma peça única em um mosaico improvisado, unidos pela curiosidade e pela promessa de algo maior que Daelius Mormont iria oferecer.
Eles se reuniram em frente ao grupo, formando um semicírculo apressado, mas respeitoso, ao redor de Ruffalo, que liderava com passos firmes e expressão confiante. A chegada havia sido um evento gradual, como um riacho que se transformava em correnteza. Agora, todos estavam ali, prontos para a primeira provação, observando com expectativa o filho do abismo que já começava a ganhar fama como portador de mudanças.
Daelius sentiu que o momento de ação chegava, sem mais tempo para palavras. Ele se ergueu, com sua expressão endurecida, e caminhou até onde a multidão se reunia, um som de murmúrios percorriam o ar.
Os habitantes do vilarejo começaram a entoar cânticos em Vel Kir, a língua ancestral do povo do Manto Vermelho, palavras que soavam como feitiços antigos, e Daelius foi cercado por eles. Pinturas corporais pretas começaram a ser feitas sobre sua pele, seguindo os contornos de seus músculos e ossos, o ritual se tornava uma obra de arte em sua pele vermelha. Ele permaneceu em silêncio, sem resistência, como se isso fosse inevitável, como se estivesse se entregando a algo maior do que ele.
As mãos dos aldeões se moviam rápidas, ágeis, como se tivessem realizado aquele ritual mil vezes. As palavras de Vel Kir soavam como maldições e bênçãos misturadas, cada toque das tintas negras deixavam marcas permanentes. As pinturas formavam símbolos de poder, de conquista e resistência. Quando o ritual terminou, Daelius estava transformado, com sua pele marcada por figuras que pareciam pulsar com uma energia própria.
Ruffalo deu alguns passos à frente, virando-se para encarar Daelius com a postura de alguém que havia dado ordens incontestáveis por toda a vida. Ele gesticulou com as mãos largas enquanto falava, sua voz grave carregada de seriedade, mas não sem aquele toque de impaciência característica, diante ao seu semblante de roupas largas, mas menos habituáveis como o resto da multidão,.
— Escute bem, garoto, e guarde cada palavra que vou dizer — começou, apontando para o horizonte como se o próprio destino estivesse traçado em linhas invisíveis no céu. — Sua primeira provação é simples na teoria, mas um abismo na prática. Você irá ao Oásis de Isha e trará um Urzog, morto!
Ele fez uma pausa dramática, deixando que suas palavras pairassem por um momento, enquanto os presentes trocavam olhares intrigados e nervosos.
— O Oásis de Isha fica ao norte. Não tem erro. É um pedaço dourado no meio deste mar de areia vermelha. Árvores douradas, água cristalina... Parece um sonho no meio do deserto, mas não se engane. Lá não é um paraíso. É um território hostil. E sabe por quê? — Ruffalo inclinou-se ligeiramente para Daelius, com os olhos brilhando de expectativa. — Porque é lar dos Urzog!
Ele se virou para a multidão, como se quisesse incluir todos na lição, antes de voltar seu foco para Daelius.
— Essas criaturas são o orgulho da caça nas Terras do Sangue. Rápidas, ágeis, com escamas douradas tão duras quanto ferro. Se acha que vai usar a força bruta para derrubar uma dessas coisas, esqueça. Mas até o maior dos monstros tropeça se pisar no próprio rabo, não é? E o deles está bem aqui — Ruffalo indicou os próprios dentes com um gesto exagerado. — As presas dos Urzog são a única parte frágil do corpo. Parece que a natureza gosta de brincar com ironias, não acha? Um predador tão letal, mas com dentes que quebram sob pressão!
Ruffalo endireitou-se novamente, cruzando os braços sobre o peito.
— Então, garoto, sua tarefa é simples, chegue lá, encontre um Urzog e o traga de volta. Mas não subestime o oásis. Aquilo não é só um pedaço bonito de deserto; é um lugar que testa os fortes e engole os fracos. Se conseguir, estará um passo mais perto de provar que é digno desta terra. E se não conseguir... Bem, digamos que ninguém voltará para reclamar o seu corpo!
Ele deu um passo para trás, como se encerrasse sua declaração com uma nota final de desafio, mas seus olhos permaneciam fixos em Daelius, avaliando cada reação, cada traço de dúvida ou determinação.
Daelius assentiu, com sua mente já distante, focada no que viria. Ele se virou, caminhando para fora da multidão que o observava com reverência.
Kalista e Elara o observavam de longe, envoltas em vestes desérticas simples e práticas, dadas por Ruffalo para enfrentar o calor abrasador e o vento impiedoso. Os tecidos eram de cores neutras, como bege e marrom claro, e cobriam boa parte de seus corpos para protegê-las da areia que insistia em se infiltrar em cada fresta. Kalista puxava o capuz para trás, revelando seus longos cabelos prateados, enquanto Elara, mantinha o capuz abaixado, permitindo que apenas seus olhos azuis carregados de receio fossem visíveis.
Ambas observavam Daelius com expressões tensas. Não havia contentamento em seus olhares. Elas o viam sob a luz dourada do amanhecer, cercado pela multidão reverente, como se ele fosse uma entidade divina. Os chifres retorcidos e a pele avermelhada, que tantas vezes haviam sido alvo de desprezo e violência, agora brilhavam como símbolos de poder e soberania. Era uma visão tão inesperada quanto inquietante.
Por mais que aquela adoração tivesse sido uma parte do plano inicial, usar a posição de Daelius para se infiltrarem e executarem a magia que encerraria a revolução, as proporções que aquilo tomava pareciam escapar do controle. Kalista mordia o lábio inferior, tentando mascarar sua inquietação. Elara, mais contida, cruzava os braços, mas o aperto tenso de suas mãos na lateral do corpo denunciava sua preocupação.
Elas não apenas temiam pelo sucesso da missão, mas pelo próprio Daelius. Como um filho do abismo, ele tinha carregado a dor de uma vida inteira de desprezo e sofrimento. Agora, vendo-o erguer-se entre os aplausos e gritos de louvor, elas não conseguiam evitar a sensação de que ele se perdia em algo que, embora oferecesse alívio para suas feridas antigas, poderia distanciá-lo do verdadeiro propósito.
— Ele está se afastando — murmurou Kalista, com sua voz quase inaudível, mas carregada de um peso evidente.
Elara não respondeu, mas seus olhos fixos e sombrios revelavam que ela pensava o mesmo. Daelius estava ali, sendo elevado como um salvador, mas cada aclamação parecia erguê-lo um pouco mais longe do alcance delas.
A multidão, em uma sincronia quase mística, ergueu as mãos em direção ao céu enquanto entoava cantigos em Vel Kir. As vozes ecoaram pelo deserto, ressoando entre as dunas como um coro de devoção que parecia atingir até as estrelas.
Daelius permaneceu imóvel no centro daquele turbilhão de fé. Suas pinturas ritualísticas brilhavam sob a luz do sol nascente, traçando padrões complexos que reforçavam sua figura já imponente. As linhas escarlates e douradas em sua pele avermelhada destacavam cada traço de seus músculos, tornando-o uma visão quase divina aos olhos dos presentes.
Então, sem dizer uma palavra, ele se virou. Seus chifres reluziam contra o céu avermelhado, e o manto de líder, que agora parecia feito sob medida para ele, ondulava com o vento. Ele não olhou para Kalista nem para Elara, sequer hesitou. Seus passos eram firmes, direcionados para o norte, como se o próprio deserto o chamasse.
Elara sentiu um aperto no peito ao vê-lo partir daquela forma, tão resoluto, tão distante. Kalista, ao seu lado, fez menção de chamá-lo, mas conteve-se. As palavras morreram em sua garganta. Elas sabiam que, por mais que tentassem, Daelius já não estava mais completamente ali com elas.
O cântico continuou mesmo após sua partida, como uma despedida cerimonial. Cada nota parecia selar o que as duas temiam, Daelius estava abraçando algo maior, algo que, talvez, as deixasse para trás.
O caminho até o Oásis de Isha foi desolador. Cada passo parecia o último, mas Daelius continuava, impulsionado por algo mais profundo. Ele estava sozinho, diante ao vasto deserto à sua frente. Durante os primeiros dois dias de jornada, ele enfrentou tudo o que o deserto poderia oferecer: tempestades de areia ferozes, o calor abrasador que o fazia sentir-se como se estivesse sendo queimado vivo, e uma sede imensa que consumia cada célula de seu corpo.
Ele caçou pequenos animais para sobreviver, mas a fome e a sede não eram nada comparadas ao que o aguardava. O Urzog, aquela criatura de escamas douradas e presas afiadas, era conhecida por ser difícil de caçar. Suas escamas refletiam a luz do sol, tornando-os quase invisíveis nas rochas douradas do oásis, e sua agilidade era incomparável. Mesmo para alguém tão determinado quanto Daelius, a caçada seria uma provação de suas habilidades e resistência.
Durante a segunda noite, enquanto a tempestade de areia rugia em volta dele, Daelius se escondeu em uma caverna improvisada, isolando-se do mundo exterior. Seus pensamentos, inquietos e turbulentos, eram preenchidos pela dúvida. O que ele estava buscando? O que ele realmente queria? Estaria ele fazendo o que era certo, ou se deixando levar pelo poder, pela adoração que agora o cercava?
Na terceira manhã, depois de dias de busca árdua, Daelius finalmente avistou um Urzog. Ele estava encurralado em uma parte isolada do oásis, uma pequena área de vegetação esparsa e rochas douradas, fazendo o cenário parecer ainda mais desolado. O Urzog, uma criatura imponente e feroz, era um quadrúpede de porte médio, com cerca de dois metros de comprimento. Seu corpo estava coberto por escamas douradas que brilhavam sob a luz do sol como se fossem feitas de ouro puro, dando-lhe uma aparência quase mítica. Essas escamas, no entanto, não eram apenas ornamentais; elas eram extremamente resistentes, quase impenetráveis, e funcionavam como uma armadura natural.
Seus olhos, grandes e de um amarelo intenso, fixaram-se em Daelius, e seus dentes afiados, longos como facas, se destacavam da boca aberta, prontos para rasgar carne. As presas do Urzog eram sua principal arma de ataque, mas também sua fraqueza. Ruffalo lhe havia dito que, se conseguisse arrancar uma delas de sua boca, teria uma vantagem. Era uma fraqueza simples, mas de grande risco, pois o Urzog não só era ágil, mas também incrivelmente forte, e suas garras, grandes como lâminas, podiam cortar qualquer coisa em seu caminho.
Daelius sentiu o calor do deserto em sua pele, o cansaço profundo das jornadas anteriores, e a sede que o consumia. Seus músculos estavam enfraquecidos, mas algo dentro dele ainda o impulsionava para frente, era como se o próprio Manto Vermelho estivesse o conduzindo. Ele se abaixou, tentando não fazer ruído enquanto se aproximava da criatura.
A batalha explodiu com uma fúria imensa. O Urzog avançou com garras afiadas, os dentes grandes e afiados reluziam em sua boca, prontos para se cravar na carne de Daelius. Ele sentiu a pressão do ataque iminente, o vento quente de cada movimento da criatura, mas algo em seu interior se preparava. Ele fechou os olhos por um momento, sentindo a energia ancestral da luz pulsar dentro dele, aguardando o momento certo.
Quando o Urzog atacou novamente, Daelius deu um passo atrás, mas seu corpo foi tomado por uma onda de velocidade relâmpago. O mundo parecia desacelerar, e com um grito interno, ele avançou, superando a criatura em agilidade.
Ele se moveu como uma sombra, passando por ela como um raio, e subiu rapidamente nas costas do monstro, escorregando para perto de sua mandíbula. Os dentes da criatura pareciam ainda mais ameaçadores de perto, mas Daelius sabia que tinha que agir rápido. A criatura rugiu, tentando se virar para morder, mas Daelius já estava posicionado na altura de sua mandíbula, sentindo o calor sufocante.
O Urzog tentou se virar, mas Daelius com um movimento brusco colocou as mãos dentro da boca da fera. A pressão das mandíbulas era terrível. Os dentes do Urzog, grandes como lâminas, rasgaram sua pele e perfuraram seu braço. Daelius gritou de dor, mas não se deixou abater, usando toda sua força para se segurar enquanto o sangue jorrava de seu braço. Ele precisava arrancar a presa.
— FILHO DA PUTA! VOCÊ VAI MORRER! — resmungou, entre dentes, tentando ignorar a dor enquanto seu braço continuava a sangrar. Ele usou sua outra mão para agarrar mais firmemente a mandíbula do Urzog, sentindo a carne grossa e úmida ao seu redor.
Finalmente, com um esforço brutal, Daelius conseguiu puxar uma das presas do Urzog. Ele a arrancou com um estalo, mas não sem antes sentir a dor aguda da mordida da criatura, que lhe rasgou mais o braço. O sangue continuava a escorrer, mas Daelius não teve tempo para pensar. Com a presa em mãos, ele se preparou para o ataque.
— Agora é sua vez, desgraçado! — gritou, e com toda a sua força e rapidez ancestral da luz, ele cravou a presa diretamente no pescoço do Urzog.
A criatura rugiu, tentando se desvencilhar, mas a lâmina improvisada foi mais rápida. Ela perfurou a jugular do Urzog, que se contorceu em um último esforço antes de cair pesadamente na areia dourada.
Daelius recuou, ofegante, com o corpo exausto e coberto de sangue. Ele observou o monstro, agora sem vida, estendido diante dele. A dor em seu braço era intensa, mas ele não se permitiu sucumbir. Com um gesto rápido, ele cortou a garganta do Urzog com a presa arrancada, certificando-se de que a criatura não se levantaria mais.
— Eu te avisei, filho da puta... — murmurou, respirando pesadamente, enquanto o cansaço tomava conta de seu corpo, mas a batalha estava vencida.
Três dias depois, Daelius retornou ao vilarejo, exausto, mas triunfante. A multidão que o esperava já era imensa, mas quando ele apareceu, caminhando lentamente entre as dunas vermelhas, a multidão aumentou ainda mais. Eles o viram chegar quase nu, com suas roupas rasgadas, mas com as pinturas corporais ainda visíveis em sua pele.
Seus olhos queimavam com uma intensidade feroz, e, com um gesto imponente, Daelius apareceu diante da multidão, com seus braços estendidos, cada mão segurava a cabeça de um Urzog morto. A surpresa foi total, não bastava um, mas dois corpos imponentes, cada um com suas presas quebradas, como troféus de uma vitória esmagadora.
O silêncio tomou conta da multidão enquanto ele caminhava por entre eles. Cada passo que ele dava fazia com que os aldeões se ajoelhassem em reverência, até que todos estavam prostrados. O cântico que se levantou era como uma onda, uma maré de palavras em Vel Kir que reverberavam pelo deserto. "O fruto vermelho chegou", eles cantavam. "O escolhido, o provado."
Elara e Kalista, lá no fundo da multidão, observavam em silêncio. Ambas se sentiram pequenas diante da cena que se desenrolava. Daelius estava se tornando algo muito maior do que haviam imaginado, e o peso de sua transformação parecia intransponível. O que começara como uma missão, agora se tornava uma coroação.
E, naquele momento, no meio da vastidão de areia vermelha, Daelius foi recebido não como um filho do abismo, mas como um ícone, um símbolo, algo que jamais poderiam ter imaginado. Ele não era mais Daelius. Ele era a imagem do Manto Vermelho, algo mais profundo, mais poderoso, um ser além do que um homem comum poderia ser.
A multidão ajoelhava-se diante dele, com seus rostos marcados por uma devoção inusitada, como se a própria terra tivesse se curvado ao poder que ele agora exalava.
Kalista e Elara estavam de pé, observando com uma mistura de alívio e horror. Elas sabiam que Daelius havia retornado, mas não eram capazes de compreender a profundidade da transformação que ele havia sofrido. Ele estava ali, vivo, mas a que custo? Seus corações batiam forte, uma sensação de êxtase misturada com um medo indescritível.
As palavras de Ruffalo ecoaram nas mentes delas, como um sussurro de aviso: "Eles exigem mais que coragem. Exigem sacrifício, resistência, e a pura essência do que você é!"
O peso do que estava por vir começou a cair sobre elas. Daelius agora possuía o poder que um dia desejavam, mas estava claro que ele não seguiria o caminho que haviam traçado. Eles haviam se infiltrado na revolução, mas agora era ele quem conduzia a dança. Ao fundo, a areia vermelha parecia mais escura, como se o futuro se delineasse sob um manto de sangue.
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