Capítulo 18- O Fruto Vermelho ( PARTE 1 )
"Intimidador... é isso que sempre dizem dos Filhos do Abismo. Mas eles nos veem como demônios"
Cicatriz - Terras do Sangue
Um grito ecoou nas profundezas da noite, uma onda de desespero que cortou o silêncio como uma lâmina afiada. Daelius Mormont, o filho do Abismo, corria por um caminho escuro, onde as sombras se moviam como se tivessem vida própria. O ar estava pesado, carregado com o cheiro de umidade e algo mais, algo podre. As vozes sussurrantes o seguiam, cada uma mais insuportável que a anterior, uma cacofonia de risadas e lamentos.
— Olha, lá vem o demônio bobo da corte! — a voz de uma criança ecoava, carregada de desprezo.
As palavras eram venenosas, uma ferida aberta em sua alma. Daelius se lembrava dessas risadas, essas zombarias. Aquelas mesmas crianças que, em sua inocência, não viam o garoto que, apenas viam a pele avermelhada, os chifres, e os dentes afiados. Ele tentou ignorar, mas era impossível. As lembranças eram como um veneno que lentamente corroía seu ser.
Então, a risada se transformou em gritos. Ele sentiu a presença dela, a Rainha Caratra Laragaar, sua voz ressoava com uma crueldade que o fazia estremecer.
— Você não é digno! Você nunca foi! — ela exclamou, a risada cruel transformando-se em um cínico lamento.
A visão à sua frente tornou-se turva, uma névoa que se misturava ao desespero. Daelius se viu diante de uma cena horrenda: sua mãe, suas irmãs, com olhos cheios de dor e medo. Ele havia sido ordenado a executar a própria família, um fardo que pesava em seu coração como uma rocha.
— Por que, Daelius? — as vozes murmuravam, agora unidas em um coro de desespero. — Você escolheu nos matar, sem ao menos tentar impedir isso. Por que?
Ele se viu perfurando a espada nos peitos delas, com os olhos delas se arregalando de dor, e as bocas se abrindo em gritos silenciosos. A lâmina reluzia, ensanguentada, refletindo suas ações, suas escolhas. O calor do sangue e o frio da culpa misturavam-se, enquanto seu corpo tremeria, incapaz de se mover.
— PARE! NÃO.... NÃO! — Daelius gritou, desesperado, mas as vozes apenas aumentavam, como um turbilhão em sua mente.
No meio do tormento, algo brilhou ao longe. Ele se virou e viu duas figuras familiares: Kalista e Elara, estendendo as mãos para ele. A esperança se acendeu em seu coração, mesmo naquele pesadelo.
— Venha, Daelius! — Kalista chamou, sua voz era suave como a brisa. — Estamos aqui!
Mas, quando ele correu em direção a elas, um horror indescritível aconteceu. As mãos das duas se decapitaram, caindo ao chão, ensanguentadas, e gritaram em uníssono.
— Por que você fez isso, Daelius? — suas vozes eram um eco de dor. — Por que nos matou também?
Ele sentiu o pânico subir em seu peito como um fogo voraz. As risadas se tornaram gritos ensurdecedores, e a cena diante de seus olhos virou um borrão.
— Não, não! — ele gritou, se contorcendo em sua agonia, enquanto as sombras dançavam ao seu redor.
As vozes aumentaram em intensidade até que o grito de Daelius se misturou a elas, e tudo ficou escuro.
Ele despertou em um sobressalto, a respiração descompassada, o peito subindo e descendo rapidamente, como se estivesse fugindo de algo. Ao seu redor, a caravana de viajantes estava em movimento, com as tendas balançando suavemente com o vento quente do deserto.
Daelius estava deitado em um manto, coberto por uma camada de poeira fina que se infiltrava em suas roupas. Ele se sentou, com a cabeça girando, e olhou para os companheiros ao seu redor. O rosto de Kalista estava próximo, sua expressão era de preocupação. Ela usava um vestido leve que flutuava como se estivesse sempre em movimento, como suas asas que brilhavam à luz do sol.
— Ei, você está bem, Pimenta? — a voz dela era suave, como um bálsamo para sua mente atormentada.
Daelius piscou, tentando afastar as sombras do pesadelo. O deserto que os cercava era um mar de areia cinza, onde a luz do sol se refletia em uma dança de calor. As cores do céu eram um misto de azul profundo e dourado, mas nada da beleza exterior conseguia acalmar a tempestade interna que rugia dentro dele.
— Estou... estou bem. — ele mentiu, tentando controlar a tremedeira em suas mãos.
Um soldado se aproximou, com seu olhar firme e determinado, interrompendo o momento. Ele vestia uma armadura desgastada, com a poeira do deserto grudada em cada canto.
— Já entramos na Cicatriz há cerca de vinte minutos. — ele informou, com uma voz grave e respeitosa. — Precisamos nos preparar. O deserto aqui é seco e hostil.
O coração de Daelius acelerou. A Cicatriz, uma região marcada por mortes e tempestades, era o último lugar que ele desejava estar, especialmente agora, em meio a suas memórias torturantes. A expectativa de confrontar o passado e o futuro ao mesmo tempo o aterrorizava, mas a determinação de seus companheiros, Kalista e Elara, mantinha um frágil fio de esperança dentro dele. Ele não estava mais sozinho.
Com um leve aceno, o soldado se afastou, e Daelius se virou para Kalista, buscando algum conforto nas expressões dela.
O ambiente estava carregado de uma tensão palpável enquanto a caravana balançava de um lado a outro na estrada rochosa. A paisagem ao redor revelava um terreno rude, quase áspero, com montes de pedra e areia cinzenta que recobriam o horizonte. Elara logo despertou e se aproximou de seus companheiros. Os três estavam na penumbra da carruagem, cujas janelas deixavam entrever o céu manchado de nuvens escuras que espreitavam o solo árido. A conversa começou a fluir enquanto Elara, com uma expressão séria, ergueu o queixo.
— Estão prontos? — começou ela, com a voz baixa, mas firme.
Kalista endireitou o corpo, abraçando as pernas de pele amarelada e sorrindo como se a pergunta fosse um lembrete dos feitos passados.
— Já dizimamos dois exércitos gigantes com o Grito — comentou, sua voz levemente jocosa. — Um deserto de areia cinzenta não vai nos deter.
Daelius soltou uma risada seca.
— Eles se tornaram cinzas com nossa magia. Mas aqui... aqui o perigo é o próprio deserto.
O olhar intenso de Elara assentiu com as palavras dele, enquanto ela o fitava como se testasse o peso daquela afirmação.
— Ele está certo. — Elara ajustou o manto, diante a sua expressão determinada. — Estudar Noakes me treinou bem. Criaturas ferozes, tempestades mortais e a seca implacável dominam essas terras... E as Terras do Sangue inteiras.
Kalista abaixou a cabeça, os joelhos quase tocando o queixo, e os braços envolvendo suas pernas dobradas. O rosto se iluminava e escurecia conforme a luz filtrava pelas frestas da carruagem. Ela se virou para onde Jaeris dormia, com sua expressão misturando inocência e dúvida.
— Confiamos nele? — perguntou, hesitante, com seus olhos grandes e expressivos esperando uma resposta.
Elara, sem hesitar, respondeu firme:
— Não.
Daelius, em contraste, deu de ombros, seu olhar ficou contemplativo.
— Talvez.
Elara se virou para ele, franzindo o cenho em descrença.
— Você está cogitando isso, Daelius?
— Fizemos um pacto, Elara. Agora vamos passar um bom tempo juntos até que isso tudo se resolva.
Ela bufou, desviando o olhar para Jaeris, que continuava imóvel.
— Não vou com a cara dele. — Seus olhos faiscavam de desprezo. — Não tem a postura de um líder, não tem traquejo nem força. Aposto que nem sabe lutar! Até Kalista é mais capaz que ele.
Kalista, que escutava com um sorriso crescente, interveio.
— Quer dizer que você me vê como um alvo fácil?
Elara balançou a cabeça, esboçando um sorriso discreto.
— Não é esse o ponto.
Antes que Elara pudesse continuar, Daelius a interrompeu com um toque de ironia no tom:
— Não foi o que pareceu quando tentou me matar na batalha de Valak.
Eles riram, e a atmosfera, que antes era tensa, se tornou mais leve, embora apenas por um instante. Elara, ainda sorrindo, voltou-se para Kalista.
— O que eu quis dizer é que você é uma arqueira voadora, mas não tem experiência com espadas.
Daelius, rindo, completou:
— Se eu tivesse asas também lutaria à distância, voando por aí!
Kalista, soltando uma risada abafada, se inclinou e agarrou um dos chifres curvos de Daelius, olhando-o com carinho e malícia.
— Você já tem chifres, dentes afiados e uma pele... — ela fez uma pausa para dramatizar. — Maneira, para intimidar qualquer um, pimenta!
Elara deu uma risada curta.
— Ela tem um ponto, Daelius.
Ele retribuiu o sorriso, mas ao baixar o olhar, seus olhos assumiram um brilho melancólico. Ele falou devagar, como se buscasse as palavras certas para expor o que guardava em seu íntimo.
— Intimidador... é isso que sempre dizem dos Filhos do Abismo. Mas eles nos veem como demônios. — Ele ergueu o olhar para as duas, com a dor visível em sua expressão. — Nunca fiz nada a ninguém... nem mesmo minha família fez. Os crimes dos Filhos do Abismo são crimes de ódio, clamando justiça contra os outros.
Kalista e Elara se entreolharam, e em um gesto de apoio, ambas o confortaram, uma com um aperto suave no ombro, outra com um sorriso sincero.
— Não importa o que digam — disse Elara, com sua voz firme. — Você é um deles. E é uma pessoa incrível. Você vai fazer justiça contra todos que te humilharam.
— Amável e incrível. — Kalista, com um brilho nos olhos, completou. — É isso que você é, Daelius. Vamos vingar cada olhar torto que lançaram sobre meu pimentinha! Eu vou estourar cada cabeça e fincá-las nos seus chifres!
Elara abaixou a cabeça rindo e soltando uma respirada aliviante cruzou os braços.
—Não precisava ser tão agressiva, Kalista!
Os três riram e por um instante, o silêncio tomou conta, mas foi brutalmente interrompido por um ruído estrondoso do lado de fora da carruagem. Ela balançou violentamente, o chão começou a vibrar como se algo estivesse rompendo o solo. Daelius agarrou um dos apoios, com seus olhos dilatados.
De repente, um som cortante atravessou a carruagem, o chão foi rasgado, e um ser animalesco, avermelhado, rompeu o piso e perfurou o teto em um movimento rápido e contínuo. Em cima dele, uma figura montada, com uma lança em riste, emitia gritos aterrorizantes. O pânico tomou conta do grupo. A criatura desapareceu no alto, levando consigo o som ensurdecedor do teto sendo dilacerado.
Jaeris despertou de repente, olhando os companheiros com olhos arregalados. Mas antes que pudessem reagir, a carruagem bateu em uma rocha grande e partiu-se ao meio, separando Jaeris do outro lado. Kalista, Elara e Daelius caíram para um lado enquanto Jaeris, atordoado, permaneceu do outro.
As duas partes da carruagem, soltas dos animais e do restante da caravana, começaram a deslizar descontroladas pela encosta da montanha. A inclinação se tornava cada vez mais acentuada, e eles percebiam a iminência de uma queda fatal. A vista adiante era de uma ravina profunda, e a parte em que estavam ia cada vez mais rápido em sua direção.
Elara, com a respiração acelerada, olhou ao redor em desespero. Eles não tinham muito tempo. Erguendo as mãos e fechando os olhos, ela tentou canalizar seus poderes de gravidade. Ela inspirou profundamente e abriu os braços, sentindo a energia fluir e expandir. A carruagem, inclinada e desgovernada, começou a desacelerar. Daelius e Kalista se mantinham firmes, com seus corpos imóveis no mesmo plano gravitacional que Elara criava. Ao seu redor, a energia gravitacional se intensificava, e Elara se mantinha suspensa no ar, como se estivesse em um estado atemporal.
— Você consegue! — Daelius gritou, ainda em estado de choque.
Lentamente, a carruagem começou a parar, e o vento e a gravidade alinhavam-se à vontade de Elara. Ela abriu os olhos, e ao perceber que a carruagem estava estabilizada na beira da ravina, quase caindo, ela respirou fundo, diante a tensão agoniante ainda marcando seu rosto.
A paisagem ao redor deles era uma vastidão de desolação , um deserto rochoso e inclinado, suas areias cinzentas se misturando a rochedos irregulares que despontavam como espinhos de uma criatura adormecida. O vento soprava em lufadas intensas e ásperas, fazendo redemoinhos de poeira dançarem pela encosta da montanha que estavam escalando. A queda abrupta na beira do penhasco revelava uma ravina profunda e ameaçadora, com as bordas corroídas como dentes afiados de uma boca voraz.
Elara, já estabilizando a carruagem destruída, voltou-se para os companheiros. Observava os olhos deles, Kalista e Daelius ainda tremiam e acenavam com a cabeça, respondendo que estavam bem, embora o choque do ataque recente estivesse claro em seus rostos. Eles foram então interrompidos por um som pesado e constante atrás de si, e ao se virarem, avistaram diversos caixotes e suprimentos da caravana rolando e despencando pela borda da ravina.
Kalista, observava as batatas despencarem no vazio. Ainda em estado de choque, perguntou:
— Como passamos por aqui sem perceber essa... queda? E... o que era aquilo que nos atacou?
Elara, com a voz seca e fria, respondeu, seus olhos fixos no precipício:
— Não havia ravina alguma.
Ela seguiu o caminho dos suprimentos que rolavam, com sua cabeça se inclinando para baixo ao se aproximar da beira. Daelius e Kalista, em uníssono, gritaram para ela recuar, mas Elara os ignorou, forçando-se a olhar o fundo da ravina. Ela observava atentamente, e logo um arrepio percorreu sua espinha ao perceber que aquilo não era uma ravina comum.
— Vocês precisam ver isso — murmurou com urgência, sem desviar o olhar.
Kalista e Daelius se entreolharam, hesitantes, e recusaram quase ao mesmo tempo.
— Precisamos sair daqui, Elara — Kalista disse, ainda abalada.
Antes que Elara pudesse responder, um som ensurdecedor e brutal ecoou no ar. Dessa vez, o estrondo não vinha do solo, mas sim da direção onde a caravana se separara. Os três voltaram a cabeça ao mesmo tempo e, no topo da encosta, uma cena de puro terror se revelou diante deles.
A criatura mágica que os atacara, um ser animalesco de escamas avermelhadas, estava agora claramente visível. A criatura era imensa, uma figura intimidadora que se movia com uma combinação de brutalidade e sinuosidade assustadora. Sua pele era coberta por escamas vermelhas e ásperas, com um brilho quase maligno que capturava a luz do deserto, refletindo uma intensidade de vermelho-sangue que parecia pulsar. No topo de sua cabeça, dois chifres grossos e firmes curvavam-se ligeiramente, formando uma estrutura de apoio que o montador usava para se manter preso durante seus movimentos violentos. Seu pescoço era alongado e serpenteante, com músculos fortes que se estendiam e contraíam, sustentando uma cabeça angular e feroz.
Suas garras eram afiadas e curiosamente esculpidas, com pontas que pareciam ter sido feitas para perfurar ou agarrar, adaptadas tanto para combate quanto para a tração nas superfícies arenosas. Havia uma membrana fina, translúcida e escamosa entre os membros, como uma extensão delicada que conectava suas pernas, aumentando sua mobilidade e estabilidade em terrenos escarpados.
Suas costas arqueadas eram cobertas por uma série de espinhos que se estendiam até a cauda longa e esguia, onde os espinhos se alargavam e ganhavam volume, terminando em uma ponta ameaçadora que chicoteava de um lado para o outro. E então, seu rugido, um som ancestral e reverberante, tão profundo e potente que parecia se enraizar na própria terra. Cada grito atravessava o ar como uma onda de terror, ondulando e perturbando a atmosfera ao redor, forçando todos os que o ouviam a tapar os ouvidos.
Montado em suas costas estava um homem coberto por mantos desgastados e escuros, tão próximos do tom da criatura que ele quase se fundia a ela. O homem parecia mais um componente do monstro do que um ser separado, agarrando-se aos chifres com uma precisão que denotava experiência e crueldade, enquanto sua boca se abria em gritos selvagens e ameaçadores, incitando a fera a avançar com fúria e descontrole.
O grito estridente do animal ressoava como um martelo em seus ouvidos, cada nota carregada de agonia e uma força destrutiva. E, com esses rugidos, a criatura causava uma onda de morte, os soldados da caravana eram instantaneamente esmagados ou lançados para trás, diante a suas formas contorcidas sendo brutalmente arremessadas no ar como bonecos de pano. O massacre era brutal.
Daelius, horrorizado, disse:
— E o Jaeris? Ele ainda está lá! Precisamos ajudá-lo!
Elara fechou o rosto, e com firmeza e frieza respondeu.
— Já é tarde demais. Precisamos focar em nós mesmos.
Mas Daelius, determinado, hesitou apenas por um instante antes de, impulsionado pelo instinto, avançar. Elara tentou contê-lo, mas já era tarde. Em um piscar de olhos, Daelius sumiu.
Num instante fugaz, ele reapareceu diante da besta, com seu corpo iluminado por uma aura que parecia envolver sua pele avermelhada em uma espécie de brilho quase invisível, sutil e mágico. Sem compreender completamente, Daelius percebeu que se movia com uma velocidade extraordinária, como se o espaço entre ele e o destino fosse dobrado pela força da sua vontade. Estava diante da criatura, sentindo o calor que emanava das escamas dela, e o montador o encarava com olhos dilatados e vermelhos, em um misto de ódio e surpresa.
— Dhacôdra! — gritou o homem, empunhando sua arma e rugindo em uma língua estranha e selvagem. Ao ouvir a ordem, a criatura se virou rapidamente, com suas garras cortando o chão de areia como navalhas, e atacou Daelius.
Mas o guerreiro desapareceu de novo, envolto na energia que, agora, ele compreendia ser sua Ascendência da Luz. A habilidade permitia a ele romper os limites da realidade, cada passo era como um rompante de energia pura. Ele reaparecia e desaparecia ao redor do animal, contornando-o com tal rapidez que sua imagem se fundia em uma linha contínua, desenhando uma figura mágica e imaterial. Esse efeito fazia parecer que ele não era mais um homem, mas um espectro girando em uma velocidade que transcendia o entendimento humano.
A criatura, atormentada pela presença impossível, entrou em um frenesi de desespero, rugindo em todas as direções. O montador tentava domá-la, gritando palavras que ecoavam com dor e desespero. Daelius ouviu alguns fragmentos da língua estranha.
— D-dhacôdra! Nak vöhma en Terkoss... dhavamara setrak, Dhacôdra!
As palavras eram sombrias e carregadas de uma urgência melancólica. Ele implorava pelo retorno do Dhacôdra, clamava ao "Mântos-Red", termo desconhecido conectado ao Manto Vermelho, enquanto sua mão tentava alcançar o animal que agora não respondia mais.
Os arqueiros da caravana, aproveitando a confusão que Daelius havia criado, subiram rapidamente à encosta, tomaram posição e dispararam flechas contra a criatura mágica. As flechas, com precisão mortal, cravaram-se nas escamas, perfurando o animal em vários pontos. Cada golpe desestabilizava ainda mais o Dhacôdra, que soltava gemidos estridentes e finalmente tombou ao chão com um baque pesado, exalando o último suspiro.
O montador, ainda preso na ilusão de velocidade que Daelius havia criado ao redor da cena, gritou em lamentos. Ele abraçou a cabeça ensanguentada de sua criatura caída, balbuciando frases desconexas em sua língua. Daelius observou a expressão de pura dor e viu quando o homem começou a chorar, sua voz rouca e cheia de lágrimas murmurando enquanto acariciava o rosto do animal, agora sem vida.
— Dhacôdra... Tsarmën kalasha... nak Terkoss... vördra kal dhav...
Os arqueiros não hesitaram. Flechas se cravaram no peito do montador, interrompendo seus lamentos. Daelius, atordoado pelo massacre que acabara de presenciar, sentiu sua visão escurecer lentamente. A adrenalina dissipava-se, e com ela, o frenesi e o êxtase de sua nova habilidade, deixando em seu lugar um cansaço esmagador.
Enquanto caía de joelhos na areia, Daelius ainda pôde ver, ao longe, as figuras de Elara e Kalista subindo pela encosta para ajudá-lo. Mas antes que pudesse levantar o braço para chamar por elas, tudo ao seu redor se apagou, e o Filho do Abismo tombou na areia rochosa, envolto pelo silêncio do deserto.
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