Capítulo 16- A Revolução Vermelha
"Vivemos sempre nessas terras cruéis, mas só agora sentimos na pele toda a brutalidade que elas escondem"
Amanhecer de Vakrana- Terras do Sangue
Nos antigos escritos dos mestres das Terras do Sangue, há menções sobre o domínio Vakrana, uma era que consolidou o poder absoluto de uma única família sobre essas terras áridas e implacáveis. Sempre cruéis e sanguinárias, as Terras do Sangue foram moldadas por seu ambiente hostil, onde o calor sufocante e o deserto infindável moldavam o caráter de seus habitantes. Mas foi com a ascensão dos Vakrana que esse instinto de sobrevivência se transformou em opressão.
A Dominação Vakrana, como ficou conhecida, começou com a tomada de poder por uma família poderosa que se autointitulou como a força suprema das Terras do Sangue. Aqueles que ousaram resistir ao seu domínio foram esmagados com uma brutalidade implacável. Por gerações, os Vakrana ampliaram seu controle, estabelecendo uma dinastia que atravessou séculos, estendendo seu poder sobre cada canto dessas terras desoladas.
No início, o poder dos Vakrana trouxe um certo grau de estabilidade. Sob seu comando, as cidades começaram a se reerguer, e os desertos inóspitos foram domesticados com a força de exércitos e a imposição de leis rígidas. Mas à medida que o domínio Vakrana se estendia, sua tirania também crescia. A família utilizava seu poder para subjugar as massas, criando sistemas de escravidão que tratavam seres humanos e místicos como mercadorias a serem trocadas e vendidas, e reservando os melhores suprimentos e recursos apenas para os favorecidos. Os líderes Vakrana viviam em palácios grandiosos, enquanto o povo comum morria de fome e sede nas fronteiras áridas.
O ódio pelos Vakrana cresceu com o tempo, enraizado em um ressentimento cultural profundo. Nas terras afastadas da capital, o povo do Manto Vermelho sentia-se cada vez mais desconectado daqueles que os governavam. O deserto do Manto Vermelho, uma vastidão implacável de areia avermelhada, era o lar de uma população devota a uma religião antiga e misteriosa. Para eles, o deserto não era apenas um ambiente hostil, mas uma entidade viva, uma força espiritual que os abençoava e os guiava. Essa crença, antiga como o próprio solo em que viviam, foi fundamental na fundação de uma nova ordem: a Ascendência do Sangue.
A Ascendência do Sangue remonta à Guerra Ascendente, um conflito místico e devastador que dividiu Noakes. Após a guerra, os primeiros povos a habitar o deserto vermelho desenvolveram uma fé inabalável no poder do próprio deserto, acreditando que ele lhes fornecia não apenas sustento material, mas também uma conexão espiritual. Comer do que o Manto Vermelho produzia, beber de suas fontes, e respeitar suas criaturas não eram apenas ações de sobrevivência; eram rituais sagrados que, segundo acreditavam, prolongavam suas vidas. Na imensidão desolada, onde a morte sempre estava à espreita, a religião do Manto Vermelho tornou-se uma âncora espiritual.
Essa crença em um deserto vivo e abençoador se expandiu ao longo dos séculos, moldando uma cultura rica em misticismo e tradição. O povo do Manto Vermelho via no deserto mais do que um lugar inóspito: viam uma entidade consciente, que premiava os que lhe eram fiéis com força bruta, resistência física, e, principalmente, longevidade. Através de rituais, eles acreditavam poder canalizar o poder do deserto, consumindo alimentos e especiarias que acreditavam ser sagrados, e vivendo em comunhão com as criaturas que ali habitavam.
Porém, essa profunda conexão com o Manto Vermelho fez com que os habitantes dessas terras vissem com horror a extinção em massa das criaturas do deserto, um crime perpetrado pelos Vakrana. Os animais e plantas que eram parte vital da religião e cultura do Manto Vermelho estavam sendo dizimados em nome do poder e da dominação. Esse abuso destruiu qualquer vestígio de respeito que os Vakrana ainda podiam ter entre os povos das regiões mais afastadas. O rancor e o ódio cresceram com o passar dos anos, até que o povo do deserto não suportou mais a tirania.
A Revolução começou de maneira silenciosa, em atos pequenos de resistência. Fazendeiros se recusavam a pagar tributos. Aldeias inteiras escondiam seus jovens dos alistamentos forçados pelos Vakrana. Rituais secretos eram realizados em noites de lua nova, onde os líderes espirituais do Manto Vermelho invocavam o poder do deserto para proteger seu povo e amaldiçoar os Vakrana. Pequenos grupos armados começaram a atacar caravanas imperiais, roubando suprimentos e libertando escravos.
Mas essa resistência silenciosa rapidamente se transformou em uma guerra aberta. Os líderes das tribos do Manto Vermelho uniram-se sob uma única bandeira, convocando todos os que estavam cansados da opressão para se rebelarem contra o poder supremo dos Vakrana. As pequenas ações de rebelião se expandiram, e em pouco tempo o império foi engolfado por uma insurgência que se espalhava como fogo pelas areias.
A Revolução Vermelha ganhou esse nome em homenagem ao deserto que viu seu nascimento e à cor do sangue que tingia as areias após cada batalha. Os Vakrana, temendo perder o controle sobre as Terras do Sangue, começaram a chamar os rebeldes de "bárbaros", na tentativa de desumanizá-los e descredibilizar sua causa. Mas para os povos do Manto Vermelho, a revolução era mais do que uma luta pelo poder; era uma guerra sagrada pela libertação.
Ao longo dos anos, a Revolução Vermelha cresceu em número e força, com cada novo ato de tirania dos Vakrana servindo apenas para alimentar a chama do ódio popular. O deserto, que para os Vakrana sempre fora um símbolo de morte e isolamento, tornou-se o lar dos revolucionários, um território indomável que os acolhia e protegia. A religião e a cultura do Manto Vermelho, com sua crença na vida eterna e na força do deserto, deram ao povo uma determinação inquebrantável.
A cada vitória, os rebeldes reafirmavam sua conexão com o Manto Vermelho, convencidos de que estavam sendo guiados pelo próprio deserto em sua luta contra os opressores. A Revolução Vermelha não era apenas uma guerra por liberdade; era uma batalha espiritual, um conflito entre o poder tirânico dos Vakrana e a força ancestral do deserto, que finalmente clamava por vingança.
E agora Kalista, Elara, Daelius e Jaeris estavam sendo obrigados a resistir a tamanha revolta, forçados por Coral, a última Vakrana viva. Eles não eram apenas testemunhas de uma guerra ancestral, mas participantes involuntários de um confronto que ia além da mera sobrevivência. Coral, com o peso de sua linhagem marcada pela tirania, buscava desesperadamente manter o controle enquanto o deserto e seus rebeldes clamavam por sua queda. Agora, unidos em uma aliança frágil e incerta, os quatro se viam no centro de um conflito que ameaçava devorar tudo ao seu redor.
O frio da noite se instalava no jardim árido, e o desconforto pesava sobre o grupo que se espalhava pelo chão. Sem água, sem comida, sem qualquer conforto, apenas o vento cortante que soprava através das longas muralhas massivas ao redor. Elara deitou-se na grama seca, com os olhos voltados para o céu estrelado que brilhava intensamente, trazendo lembranças que a arrastaram para um passado distante, quase como se fosse outra vida.
Enquanto contemplava as estrelas, uma memória tomou forma. Ela se lembrou de Alistair, seu irmão mais novo, com apenas cinco anos, na noite antes de sua partida para os oito anos de treinamento. Ele, com sua voz suave e inocente, havia questionado o mundo ao redor com o fascínio infantil que só ele podia expressar.
— Elara — a voz de Alistair ecoou em sua mente —, o que tem nas estrelas?
Ela, então mais jovem, cheia de sonhos e responsabilidades que pesavam em seus ombros, havia olhado para o céu, incerta, mas decidida a mostrar um mundo que ele ainda não compreendia.
— Não sei, Alistair... Mas o céu acima de nós pertence aos nossos inimigos.
— Inimigos? — ele perguntou, com aquela inocência que a fez hesitar por um breve segundo.
— Sim — ela respondeu com suavidade —, quando você crescer, vai entender. Estamos em guerra, e o céu é da Ascendência dos céus.
Houve um momento de silêncio, enquanto Alistair digeria aquelas palavras, sem realmente entendê-las. Então, sua pergunta seguinte veio carregada de tristeza e curiosidade.
— Você precisa mesmo ir, Elara?
— Preciso — ela respondeu firme, tentando sorrir para disfarçar o peso da decisão. — Vou me tornar uma grande soldada, é o meu sonho.
Alistair, com olhos grandes e curiosos, replicou suavemente:
— Eu também tenho um sonho...
Elara sorriu, interessada.
— E qual é seu sonho, irmãozinho?
Alistair, com a simplicidade de uma criança, respondeu:
— Quero morar com a Ascendência do Céu... para brincar com as estrelas!
De volta à realidade, a memória fez com que um sorriso escapasse pelos lábios de Elara, enquanto uma única lágrima silenciosa deslizava por sua face. A dor pela perda de Alistair, a culpa que carregava, a perseguiam desde o dia de sua morte. Ela sabia que não era diretamente culpada, mas a verdade cruel era que sua própria mãe envenenou Alistair por ele ser um bastardo, destruindo para sempre aquele sorriso que a acalentava. Ainda assim, a culpa e o luto a corroíam.
Seus pensamentos foram interrompidos por um toque leve no ombro. Elara se virou lentamente e viu Jaeris Valcor ao seu lado, aproximando-se em silêncio antes de se sentar ao seu lado na grama. Estavam mais afastados de Daelius e Kalista, que dormiam profundamente.
— Não consegue dormir? — Jaeris perguntou com um tom que era ao mesmo tempo intrigado e sarcástico.
Elara suspirou, olhando de volta para o céu.
— Não estou com sono.
Jaeris se ajeitou, inclinando-se levemente para observá-la de lado.
— Preocupada, ou só pensando em quantas formas podemos morrer aqui? — ele provocou, com o tom carregado de ironia.
— Pensando no que devemos fazer — Elara respondeu secamente, ignorando a provocação dele. — Se vamos realmente ajudar Coral Vakrana ou se devemos fugir das Terras do Sangue.
Jaeris deu uma risada seca, inclinando a cabeça levemente.
— Já não possuo casa, ficar um tempo por aqui não me faria mal até! — Ele olhou para ela com um sorriso aberto.
Elara virou-se para ele, firme.
— Precisamos de alianças fortes. Coral pode ser uma peça útil, mesmo que não seja confiável. Precisamos pensar estrategicamente.
— Útil? — Jaeris franziu o rosto, claramente cético. — Ela é louca, Elara. Nada disso parece real. — Ele passou a mão pelos cabelos escuros, frustrado. — Parece um pesadelo do qual não conseguimos acordar.
Elara estreitou os olhos, desafiadora.
— A realidade é sempre cruel, Jaeris. O que estamos vivendo agora... é a verdadeira face desse mundo, a verdadeira face de Noakes. Não há escapatória fácil. Nunca houve. Vivemos sempre nessas terras cruéis, mas só agora sentimos na pele toda a brutalidade que elas escondem.
Jaeris ficou em silêncio por alguns segundos, com seu olhar vagando sobre o rosto de Elara. Ele não podia negar a verdade nas palavras dela, mas parte de si ainda queria lutar contra aquilo. Havia um fio tênue entre o desprezo e uma atração reprimida que nenhum dos dois queria reconhecer abertamente.
A noite se prolongou, com os dois sentados lado a lado, trocando palavras, debatendo suas opções, se conhecendo, enquanto Daelius e Kalista permaneciam adormecidos. O tempo parecia se arrastar, e, aos poucos, a conversa se aprofundava, trazendo à tona pensamentos que ambos guardavam em segredo, mesmo que não quisessem admitir.
Quando o amanhecer finalmente chegou, uma pesada porta de pedra se abriu na entrada do jardim. Coral Vakrana, imponente e altiva, surgiu vestida com trajes laranja claro que contrastavam com seus cabelos ruivos flamejantes. Sua postura era de total confiança, mas a frieza em seu olhar não enganava ninguém.
— Preparem-se — Coral ordenou, com a voz firme e cortante. — Partirão com uma caravana de soldados. Atravessarão a Cicatriz e, de lá, farão a infiltração nas Colinas de Kalthas.
Elara franziu o cenho, ciente do perigo que a Cicatriz representava.
— E qual é o plano depois disso? — Jaeris perguntou, com uma pitada de desdém na voz.
Coral sorriu de forma calculada, como se soubesse de algo que eles não sabiam.
— As Colinas de Kalthas ficam no topo do Manto Vermelho, próximo ao Amanhecer de Vakrana, onde estamos. Lá, poderão se infiltrar nas forças da Revolução Vermelha que se mantêm ao sul, em Sekara. Com suas habilidades, não será difícil atravessarem as defesas e destruírem suas forças de dentro para fora.
Ela olhou diretamente para Jaeris.
— Você, com a chama negra, tem o poder de dizimar exércitos. Seu poder é único, e juntos, com a força de vocês quatro, seremos imparáveis. Não há nada que possa nos deter.
Elara a observava com desconfiança crescente.
— Você fala como se isso fosse fácil — murmurou Elara, estreitando os olhos.
Coral deu um sorriso gélido.
— Não estou aqui para fazer as coisas parecerem fáceis. Estou aqui para vencer. E com vocês ao meu lado, é apenas uma questão de tempo. Lembrem-se das recompensas que terão!
Os olhos de todos estavam cravados nela com desprezo. Embora soubessem que as palavras de Coral eram baseadas em lógica e ambição, não conseguiam se livrar da sensação de que ela os via apenas como armas, não como aliados. Mesmo assim, a verdade era clara. Querendo ou não, Coral Vakrana representava uma chance de sobreviver àquela terra traiçoeira, pelo menos por enquanto.
O grupo foi conduzido pelas escadas de pedra ásperas, com o eco de seus passos reverberando ao longo das paredes frias do subterrâneo. Conforme desciam, o ar tornava-se mais denso, como se o próprio espaço estivesse tentando aprisioná-los. Elara sentiu o leve cheiro de terra úmida e ferro, típico de câmaras subterrâneas. Quando finalmente chegaram ao fundo, uma vasta sala revelou-se à sua frente, com um teto baixo e opressor que fazia o ambiente parecer ainda menor e mais claustrofóbico.
O cômodo era imenso em extensão, mas a pouca altura do teto dava a sensação de sufocamento, como se o peso da terra acima pudesse desabar a qualquer momento. Armas e armaduras estavam alinhadas em suportes de madeira ao longo das paredes, ostentando o símbolo dos Vakrana: uma serpente entrelaçada com uma espada, envolta em chamas. Soldados se moviam de um lado para o outro, preparando-se para a caravana. Havia uma grande movimentação de suprimentos – barris, sacos de grãos, fardos de armas – e o som de metal se chocando ecoava no ar. A intensidade do momento criava uma atmosfera de tensão, onde cada detalhe do ambiente parecia gritar urgência.
Kalista foi a primeira a mostrar desconforto. Suas asas, longas e delicadas, estavam apertadas sob as vestes, e o teto baixo a fazia sentir-se presa. A pele amarelada de sua face, sempre vibrante, parecia levemente pálida sob a luz fraca das tochas que iluminavam o local. Seus cabelos lisos e prateados caíam sobre os ombros, e ela se remexia constantemente, buscando adaptar-se à roupa fornecida por Coral Vakrana. Um vestido modificado, curto nas pernas e com aberturas nas costas para que as asas tivessem espaço para se mover. Ainda assim, o tecido áspero não era confortável, e Kalista sentia falta do vento livre contra sua pele.
— Este lugar é horrível — murmurou Kalista, com uma expressão tensa. Seus olhos passeavam pelas paredes, buscando qualquer sinal de liberdade. — Sinto como se estivesse sendo sufocada.
Elara, de pé ao lado de Kalista, mantinha uma expressão mais firme. Seus olhos azuis cintilavam à luz trêmula das tochas. A nova vestimenta que lhe haviam dado era feita de um tecido resistente, reforçado nas ombreiras e nas pernas, claramente projetada para batalhas. Uma placa de metal adornava seu peito, ajustada ao formato de seu corpo, permitindo movimento sem comprometer a proteção. As botas de couro amarradas firmemente até os joelhos faziam com que ela se sentisse pronta para qualquer desafio que enfrentassem. Ainda assim, havia uma sombra de preocupação em seus olhos.
— Vai passar — disse Elara, com um tom pragmático. — Precisamos nos focar na missão. Esse lugar não é confortável, mas não estamos aqui por conforto.
Kalista deu um suspiro, olhando para Elara com uma mistura de gratidão e frustração.
Do outro lado da sala, Daelius estava de pé, olhando ao redor enquanto ajustava a nova roupa. Como filho do abismo, sua pele avermelhada e os chifres curvados que surgiam de sua testa eram sempre o centro de atenção, e as roupas que Coral lhe ofereceu tentavam se ajustar ao seu físico robusto e imponente. A armadura que usava era negra, com detalhes em vermelho escuro que combinavam com o tom de sua pele, e placas reforçadas cobriam seus ombros e peito. As botas eram pesadas, e o som delas ecoava a cada passo que ele dava. Embora sua expressão fosse séria, havia um brilho de entusiasmo em seus olhos.
— Pelo menos estamos bem equipados para o que vier — comentou Daelius, girando uma espada entre os dedos. — Eles parecem estar levando essa caravana muito a sério.
Jaeris, por sua vez, estava parado um pouco afastado, observando a movimentação. O cabelo dele, a marca inconfundível dos Valcor, sempre o colocava em destaque, mas Coral havia providenciado um capacete escuro, quase ameaçador, que escondia completamente sua identidade.
O capacete parecia simples à primeira vista, feito de metal escuro e polido, mas ao olhar mais de perto, revelava uma complexidade sutil. A máscara era a parte mais intrigante. Ela cobria todo o rosto de Jaeris, moldada para se ajustar perfeitamente aos contornos de sua face, deixando apenas seus olhos expostos, duas fendas estreitas e sombrias que escondiam qualquer emoção. A superfície do metal era quase sem adornos, exceto por delicados entalhes nas bordas, semelhantes a chamas apagadas, um tributo silencioso à chama negra dos Valcor. O peso da máscara trazia consigo um ar de anonimato e poder, suprimindo sua identidade e ao mesmo tempo, ocultando o destino sombrio que ele carregava.
Ele ajustou a peça sobre a cabeça, com os dedos brincando nervosamente com as bordas do metal. Havia algo de perturbador em precisar esconder quem era, como se isso o fizesse sentir-se menos como um Valcor, menos ele mesmo.
— Não gosto disso — disse Jaeris, com o tom irritado. — Precisar esconder quem sou. Já passei por muita coisa, e agora temos que nos misturar como se fôssemos parte dessa corja.
Elara lançou um olhar firme a ele.
— Você sabe que isso é necessário, Jaeris. Se quiser sobreviver, terá que se acostumar a esconder sua identidade, imperador Valcor!
Ele revirou os olhos e sorriu, mas sabia que ela estava certa.
— E quanto a você, rainha Elara Kemeri? — Jaeris perguntou, aproximando-se dela, com o olhar intenso fixo nos olhos dela. — Está realmente disposta a ajudar Coral? Você disse que precisávamos de alianças, mas não acha que estamos nos vendendo a alguém tão perigosa quanto os nossos inimigos?
Elara o encarou por um longo momento, seguido de seu olhar desafiador.
— Não confio nela. Mas precisamos pensar no longo prazo. Se conseguirmos manipulá-la antes que ela nos manipule, teremos uma vantagem. Tudo é uma questão de um duelo de estratégias. Coral Vakrana pode ser a chave para nossa sobrevivência... pelo menos por enquanto.
Kalista, ainda incomodada com o ambiente, deu um pequeno sorriso.
— Vocês falam como se fosse fácil lidar com ela. Sinto que Coral não confia em ninguém. Nem mesmo em si mesma. Aquela mulher olha pra gente como se fôssemos animais!
Daelius se aproximou, a espada agora descansando no ombro.
— Isso é óbvio. Ela nos vê como ferramentas. Estamos aqui porque somos úteis para o plano dela. Nada mais! Aposto que no final não teremos nenhum retorno, será tudo em vão!
O grupo ficou em silêncio por um instante, cada um perdido em seus próprios pensamentos. A atmosfera na sala era sufocante, não apenas pelo teto baixo, mas pelo peso da missão que estavam prestes a realizar. Coral os via como armas, algo que Elara entendia bem, mas ainda havia algo mais profundo naquilo. A cada momento que passava, o sentimento de desconfiança entre eles e Coral aumentava.
Então, Coral Vakrana apareceu novamente. Seu andar era firme, e suas vestes laranja claro destacavam-se contra o cenário sombrio. Ela movia-se com a confiança de quem estava sempre um passo à frente dos outros. Seus olhos avaliavam o grupo, como se estivesse medindo suas capacidades, e ela sorriu levemente, embora não houvesse calor naquele gesto.
— Estão prontos? — perguntou ela, olhando de um para o outro.
— Qual é exatamente o plano? — questionou Elara, com sua voz cortante.
Coral cruzou os braços, satisfeita com a pergunta.
— Atravessarão a Cicatriz e se infiltrarão nas Colinas de Kalthas — começou Coral. — Sekara, ao sul do Manto Vermelho, é onde a Revolução Vermelha está concentrada. É lá que precisam chegar! Nós vamos destruir suas bases de dentro para fora. Vocês têm o poder de dizimar exércitos.
Os olhos dela se fixaram em Jaeris, com uma intensidade que fez o ar entre eles parecer pesar.
— E você, Valcor — continuou ela, com sua voz carregada de autoridade — tem a chama negra. Isso será a nossa vantagem.
Jaeris a fitou com desprezo, seus lábios cerraram em silêncio, mas seus olhos traíam o ódio crescente. Coral, no entanto, não se intimidou; ela sabia que ele era uma arma poderosa, e ele sabia disso também.
— A estratégia é simples — disse Coral, de forma quase casual. — Entrarão despercebidos, disfarçados como parte da caravana de mercadores que atravessa a Cicatriz. Quando estivermos próximos o suficiente, infiltraremos as forças revolucionárias e tomaremos o controle. E então... eliminaremos qualquer resistência. Com suas magias, isso será mais rápido do que podem imaginar.
Enquanto falava, havia uma confiança inquietante em sua voz, um traço de arrogância que não passava despercebido pelo grupo.
Kalista, de asas retraídas, sentiu um calafrio e murmurou para si mesma, sem esperar resposta:
— Estamos sendo usados...
Daelius, que estava ao seu lado, ouviu e assentiu levemente, compartilhando a mesma desconfiança. Elara, firme e atenta, respirou fundo, tentando manter a compostura, mas não conseguia afastar o crescente desconforto. Sabia que Coral Vakrana não se importava com eles. Eram apenas instrumentos em um plano maior, para alcançar um único objetivo: a destruição da Revolução Vermelha.
Quando Coral terminou suas instruções, o ambiente pareceu ficar ainda mais pesado.
O silêncio que se seguiu foi interrompido apenas pelo som distante do vento cortando o deserto lá fora. Era como se o próprio Manto Vermelho estivesse assistindo, aguardando o desenrolar dos eventos.
Enquanto se preparavam para deixar o cômodo, o clima de incerteza pairava sobre eles como uma sombra. As armaduras e as vestimentas, agora ajustadas em seus corpos, pesavam não apenas pelo material, mas pelo destino que aguardava cada um. O deserto cruel do Manto Vermelho não perdoava fraquezas, e as areias abrasadoras carregavam consigo as histórias de incontáveis vidas perdidas.
Quando finalmente subiram as escadas que os levariam à superfície, a última visão que tiveram foi o sorriso gélido de Coral, com seu olhar fixo neles como um caçador que espreita sua presa.
A escuridão da noite começava a dar lugar à luz pálida do amanhecer, e o caminho diante deles era longo e perigoso. A Cicatriz, o deserto mortal, os aguardava. Ali, as esperanças se desfaziam tão rápido quanto as pegadas nas areias. E além dela, Sekara, o coração da Revolução Vermelha, onde o destino dos três jovens e de Coral Vakrana seria decidido.
O destino da Revolução Vermelha estava em suas mãos. E ao longe, nas profundezas do deserto, as areias vermelhas já começavam a se agitar, como se soubessem que algo grande estava por vir.
No final, todos sabiam: o deserto não esquece. E nem perdoa. O Manto Vermelho irá se vingar.
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