» 4 «
***
— Você voltou! – exclamou uma voz atrás de mim, acelerando o meu coração.
Senti como se o meu coração fosse parar a qualquer momento, respirei fundo e tentei conter as minhas emoções para mim. Não sabia se deveria dizer alguma coisa, também não sabia o que pensar ou sentir. Não tinha controle sobre a minha língua e palavras, e em minha mente, a sua voz gritava e fazia eco. Pensei não saber como era sentir momentos assim, pensei que tinha apagado estes comportamentos de mim.
No entanto, eu pouco sabia.
Podia jurar que não possuía excitação em mim e que nada seria capaz de me deixar deste modo, no entanto, eu estava errada de novo. Quanto mais pensasse em tudo o que penso saber, mais confusa ficaria e mais raiva sentiria por tudo o que guardo em mim. Ouvir a voz de Kim, me despertou ações que eu não sabia que existiam. Me senti como uma adolescente boba, que pensa em alguém e esse alguém aparece para lhe deixar feliz. Esses momentos nunca falaram comigo antes, no entanto, aqui estou eu, sentindo estes momentos com muita força.
Kim parou em minha frente e em seu rosto havia um sorriso tão acolhedor, os seus olhos brilhavam e eu me senti bem ao ver. Sempre elegante, ele vestia roupas brancas e passava uma estética tão invejável. Ao ver que ele notou a minha confusão, me senti obrigada a sorri de canto para não deixar o clima estranho. Eu não era assim, mas estava me transformando por um estranho. Isso não podia ser real e eu com certeza, estava louca. Momentos assim não são reais e não acontecem com pessoas como eu, nunca acontecerão.
— Acampado de novo? – indaguei.
— Não, mas confesso que desejei vê-la. – respondeu se sentando ao meu lado. — Gosto do seu rosto e da paz que ele transmite, mas estava passando por aqui e te avistei. – tremi ao ouvir as suas palavras. — Chamaria de destino se acreditasse em tais coisas.
— Que bom. – sussurrei, evitando a continuação do assunto. — Gosto de vir aqui e sempre que posso, retorno.
— Passei a vir todos os dias também, esse parque transmite uma boa energia. No entanto, você não voltou. Sempre que avistava alguém aqui, corria pensando ser você. – continuou. — Acho que desenvolvi uma necessidade em te ver, mesmo achando que não te veria novamente. – isso era estranho.
Por qual motivo ele estava com tanta vontade de me ver?
— Muito trabalho, estive ocupada nos últimos dias. – respondi, não queria falar sobre mim. — Mas sobre a questão de você ser estranho, começo a concluir a minha tese de que você é bem estranho e eu estive certa todo este tempo. – ele sorriu ao ouvir.
Se ele soubesse os meus receios, provavelmente correria de mim. Também pensei nele, também desejei estar ao seu lado, mas por algum motivo, não voltei. Me prendi no meu mundo e isso foi o suficiente para me fazer esquecer de muita coisa. Tomar a decisão de voltar, foi difícil, mas necessário. No fundo, eu só desejava não sair magoada destes momentos que estava me obrigando a viver. Queria tomar as decisões certas pelo menos uma vez na vida e por estes motivos, me forcei a vir aqui.
— Posso saber com o que você trabalha? – indagou, me fitando com curiosidade.
O seu olhar encontrou o meu com vontade, não soube como agir e optei por ignorar. Evitar contato visual me parecia uma boa forma de evitar outras coisas, não podia me acostumar com a presença de um estranho em minha vida. Kim poderia deixar de existir a qualquer momento e eu voltaria ao meu estado de solidão, então precisava evitar qualquer aproximação com ele. Assim como precisava preparar todos os nossos momentos para a despedida, não sabia por quanto tempo o meu passado me deixaria ser feliz.
— Trabalho para uma editora, revisando trabalhos, correções de livros e revistas. – respondi. — E claro, tudo o que não pode ser resolvido por eles, acaba em meu e-mail pessoal com um comentário cheio de amor e ameaças ao mesmo tempo. – expliquei sorrindo de canto.
Ele não retirou o seu olhar do meu rosto, pude sentir que os seus olhos percorriam cada detalhe do meu rosto, enquanto os meus lábios o envolviam em minhas palavras. Kim me olhava com tanta vontade que eu me senti desconfortável ao olhar em seus olhos. As suas pupilas estavam dilatadas ao máximo e o meu coração tremeu ao ver a realidade em seus olhos.
— Interessante, você parece ser muito inteligente. – respondeu ainda me olhando. — Também é escritora? – sorri de canto ao ver que ele notou o meu desconforto.
Voltei o meu olhar para os seus olhos que ainda penetravam os meus com muita intensidade. Será que ele estava tentando me elogiar? Mesmo que fosse um elogio, agiria como se fosse apenas um comentário aleatório. No fim, acabei por não comentar as suas palavras, apenas sorri e agradeci.
— Obrigada. – murmurei. — E você, o que faz da vida? Além de acampar em parques e esperar por pessoas estranhas? – pela primeira vez, estava mostrando interesse nele e isso era de fato um grande passo.
Ele sorriu de canto, mas logo em seguida, voltou a ficar sério e desviou o seu olhar. Por alguns minutos, Kim voltou a sua concentração para o lago em nossa frente e ponderou as suas palavras. Pude ver tristeza em seu semblante e não sabia se era bom continuar o nosso assunto, não queria magoá-lo com a minha curiosidade e não queria começar um assunto que nos afastasse antes de nos aproximarmos.
— O meu trabalho também é direcionado para o público, porém, é muito mais complicado do que revisar alguns textos. No momento estou afastado por problemas pessoais. – a sua resposta soou tão triste. — Não me leve a mal, não quis dizer que o seu trabalho não é importante. – nem tinha pensado nisso. — Mas comparado com o meu, você não precisou vender a sua alma para ilusionar felicidade em outras pessoas. E não está em um abismo esperando alguém te empurrar a qualquer momento.
— Sinto muito. – murmurei, não o questionaria mais.
Decidi que não questionar era a melhor coisa a se fazer, ele estava triste ao falar sobre isso. Voltei para os meus pensamentos, lugar desconhecido. Não podia acreditar no sentimento que me invadia, me sentia bem por estar ali ao seu lado, mas tinha receio por ambos. A sua companhia, a sua voz e os seus olhares, foi algo que desejei após o sonho que tive com ele. Kim também carregava uma dor e assim como eu, ele sabia o seu limite perto de desconhecidos. Respeitar o seu momento seria para mim como respeitar a minha própria dor.
Queria tanto recuperar a confiança nas pessoas, que aceitaria qualquer gesto de carinho, qualquer coisa para me sentir bem. Até mesmo a companhia de um estranho que poderia sofrer se o meu passado nos achasse ali. No entanto, saber que ele também carregava uma dor me acalmou e por um momento, me passou segurança. Dois corações partidos não procuram por mais dor, certo?
— Você não fala muito, estou sendo inconveniente? – indagou com a sua voz trêmula. — Não quero ser inconveniente, por favor me diga se está desconfortável ao meu lado que eu vou embora.
— Não! – exclamei expressando sinceridade. — Não está, só não sei o que falar ou melhor, sobre o que falar. Sinto muito por isso. – a culpa era minha.
— Sei como é. – retrucou. — Mas gostaria de te conhecer melhor, somente se você permitir, claro. – o seu sorriso de canto estava ali e isso era fofo.
Isso não era uma boa ideia, mas não discordaria dele. Acenei positivamente com a minha cabeça e retribui o sorriso. No fundo, também queria conhecer um pouco mais de si. Porventura ele poderia se tornar um amigo e eu não passaria o resto da minha existência sozinha, correndo do meu passado por receio de morrer. E se morresse, teria alguém em meu velório, orando por minha alma.
— Posso te convidar para passearmos um pouco? – sugeriu sorrindo.
— Claro. – respondi me levantando.
Ele sorriu e fez o mesmo, se posicionando ao meu lado. Caminhamos lentamente, aproveitando cada segundo do momento que passávamos juntos. Kim voltava os seus olhares para mim, mas nada falava, senti que ele estava com vontade de me falar algo, mas não teve coragem. Os nossos passos eram lentos e bem calculados, ambos apreciávamos o momento e por vezes, o vi sorrir ao ver as crianças correrem de um lado para o outro. Crianças conseguem arrancar o sofrimento de qualquer momento, o sorriso e a felicidade delas são como um remédio milagroso.
— Você poderia estar fazendo qualquer coisa, entretanto, está aqui. – disse quebrando o silêncio. — Aturando um estranho confuso. – sorri de canto. — Que péssima forma de passar o dia, sinto muito por isso.
— Não te considero um estranho. – respondi olhando para ele. — Acho que você já deixou de ser um.
Ele parou e me lançou um olhar de surpresa. Kim carregava muita dor em si e isso estava me comovendo. Por algum motivo, eu me via nele e isso era reconfortante para mim.
— Não? – indagou. — Isso é bom. – o sorriso tomou conta do seu rosto. — Podia jurar que você me chamaria de estranho e esquisito. Mas estamos evoluindo, gosto disso. – enfatizou.
Pensei em como responder e no fim, acabei ignorando o seu comentário e apenas sorri.
— Preciso ir, mas foi bom. – disse após alguns minutos em silêncio. — Até mais Kim.
Me afastei lentamente indo na direção contrária, não podia sentir nada além de simpatia e empatia por ele. Também precisava fazer com ele, o mesmo que ele fez comigo. Enquanto me virava na direção contrária, pude vê-lo caminhar em minha direção e a sua voz rouca logo ecoou atrás de mim. Me assustando e me arrancando um sorriso.
— Posso te ver novamente? – gritou.
Me virei em sua direção e sorri dando de ombros, continuaria andando. Sem resposta o deixei, apesar da confusão ainda evidente, não pude deixar de me sentir bem. O pequeno e breve momento ao seu lado causou algo em mim, algo em mim se compadeceu com o seu jeito. Ele me tocou de alguma forma e isso fez o meu dia mais feliz.
Com certeza o veria novamente.
***
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top