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***

A minha mente vagava por todas as possibilidades e quanto mais pensava, mais dores sentia. A minha manhã não começou da maneira desejada e confesso que havia algum tempo que não me sentia tão mal ao acordar. A noite foi um sacrifício e passei metade dela virando de um lado para outro, aproveitando uma cama vazia, já que Taehyung não dormiu ao meu lado. Era tão difícil dormir com o meu coração pesado e por mais que desejasse conversar com ele, não sabia onde se encontrava. Acreditávamos em um amor eterno e em algum momento esse amor deixou de existir. Porém, ambos temos o mesmo montante de orgulho para assumir que chegamos ao fim. Na verdade, acredito que devido aos nossos filhos, nenhum de nós queira assumir que realmente acabou. E isso, é de fato, uma das coisas mais tristes que se pode acontecer na vida de um casal.

Após passar algumas horas da manhã brincando com os meus filhos e tomando um café da manhã reforçado ao lado de Namjoon, eu precisei sair e voltar ao meu mundo real. Não podia abrir mão de tudo o que conquistava para ficar em casa esperando por ele, não era justo comigo. Ele tinha todo o direito de estar zangado comigo e não dormir ao meu lado, também era um direito seu. Todavia, ele não podia me roubar a única liberdade que possuía no momento. Além de distrair a minha mente, trabalhar, me proporcionava uma certa distância de toda a situação e isso nos afastava ao ponto de evitar uma nova discussão por motivos tolos e fúteis. Antes de sair de casa, ele entrou pela porta, mas não teve nenhum contato comigo. Ele nem sequer olhou em minha direção, mas foi diretamente para o quarto de hóspedes, onde, provavelmente, faria morada.

Tudo em mim era tristeza e saudade dos momentos bons que um dia vivenciamos. No entanto, agora tudo o que conseguíamos fazer era discutir e esconder coisas um do outro. Ele escondia um pedaço do seu passado e eu fingia que não via. Os seus amigos tentaram ajudar, mas nem mesmo eles conseguiram manter o sigilo. No fundo, isso era o que mais me doía. Ele não confiava em mim o suficiente para contar o que estava acontecendo e por qual motivo ele estava tão estranho do nada. Usar o meu trabalho ou a presença de Chin Hwa foi apenas uma tentativa boba de desviar o assunto para mim, fazendo com que eu esquecesse da realidade dos nossos problemas. O que claramente não funcionou, pois, apesar de tudo, a burrice não faz parte das minhas características.

— Bom dia, Alice. – me assustei ao ouvir a voz de Chin Hwa.

— Bom dia. – respondi ao vê-lo entrar em minha sala com cafés nas mãos.

— Dormiu bem? – indagou colocando o copo de plástico em cima da mesa. — Preciso confessar que dormi muito bem.

Eu não havia dormido bem, mas ele não precisava saber dos meus problemas. Não o conhecia o suficiente para falar da minha vida, ele não precisava saber de tudo o que estava acontecendo e manter a minha privacidade era crucial.

— Sim, obrigada. – agradeci pegando o café. — Obrigada pelo café.

— De nada. – murmurou sentando-se em minha frente. — Pensei que você gostaria de tomar um café confiável.

— Sim, eu não consigo confiar em Oh Reum para fazer nada. – respondi. — Nem mesmo o meu café.

— Eu entendo. – disse sorrindo.

— Ouvi dizer que mudou de escritório? – questionei tomando um pouco de café.

— Oh, sim. – ele tinha uma voz tão doce. — Existem vários escritórios vazios por aqui, ainda não conseguimos qualificar toda a nossa equipe. – ele falava com calma. — E como não conseguia mais ver o meu pai, resolvi me mudar para a sala aqui ao lado. – como assim?

— Boa, agora sinto-me vigiada. – era irônico, mas real.

— Jamais. – respondeu sorrindo. — Apenas gosto da sua companhia e acredito que aqui eu possa controlar melhor os outros setores. – isso era verdade. — Já pensou em se candidatar para a vaga da diretoria?

— Como? – retruquei com certa confusão.

— Existe uma vaga aberta na área de direção e eu acredito que você seria ótima nesse cargo. – eu não pensava a mesma coisa. — Além de subir alguns níveis, você estaria apenas abaixo de mim e do meu pai. Pode colocar em prática todas as suas ideias. – era tentador, mas eu não tinha qualificações para tal cargo.

— Bom, eu não possuo a qualificação adequada. Logo, estaria roubando a chance de outra pessoa e isso implicaria um nível de responsabilidade maior. Não sei se conseguiria responder à altura. – ele me ouvia com atenção.

— Se você aceitasse, os seus dias seriam mais curtos. – franzi o sobrolho ao ouvir. — As qualificações que você precisa podem ser feitas internamente e no cargo de direção, você poderá passar mais tempo em casa e diminuir o seu trabalho semanal. – era tentador. — Sem contar que "homeoffice" ficaria mais fácil se você precisar. Nem preciso falar que a remuneração seria cinco vezes maior. – ele procurava me convencer.

— Prometo pensar, sim? – ele sorriu.

— Promete pensar com carinho? – sorri.

— Prometo. – ambos sorrimos e voltamos a nossa atenção para o café.

Não queria me comprometer com algo maior, porém, a sua proposta soou bem interessante. Se o meu relacionamento com Taehyung tomasse outros rumos, eu precisaria de mais tempo com os meus filhos. Em uma empresa normal eu precisaria pedir demissão para cuidar deles, ou precisaria arranjar uma babá qualquer para ficar com eles. Algo que eu jamais me perdoaria. Por outro lado, ter um cargo melhor com a permissão de Chin Hwa poderia ser um refúgio importante para superar a perda do meu relacionamento com Kim Taehyung.

— Bom dia, Alice. – disse Oh Reum entrando na sala. — Trouxe o seu café. – ambos olhamos para ela. — Oh, não sabia que o senhor estava aqui, senhor Park.

— Não se preocupe, já temos café. – respondi a fazendo paralisar.

— Não deseja tomar mais um pouco? – retrucou com tristeza em seus olhos.

— Não. – disse firmemente.

— Está bem. – ela compreendia o sistema. — Você irá almoçar conosco?

— Não. – não estava no clima. — Não se preocupe com isso.

— Na verdade. – disse Chin Hwa. — Faremos as nossas refeições aqui, então, por favor, as traga no horário certo.

— Sim, senhor. – ela o respeitava muito.

— Agora vá e nos deixe trabalhar. – pediu sem a olhar.

Voltei a minha concentração para Chin Hwa e só então percebi que ele não vestia um terno. Ele vestia uma blusa branca acompanhando por um casaco de linho amarelo e na parte de baixo calça jeans. Ele não estava preparado para um dia no escritório, mas sim para um dia de lazer. Sorri de canto e afastei os meus pensamentos, não podia pensar em suas loucuras, eu ainda possuía as minhas para resolver.

— Se quiser, podemos ver as imagens de segurança. – propôs.

— Sim. – disse. — Por favor.

Chin Hwa se levantou e veio em minha direção, em silêncio ele se abaixou e começou a mexer no computador. O seu rosto estava ao lado do meu e mesmo sem querer, o seu cheiro invadiu os meus sentidos. Céus, como o homem cheirava bem. Respirei fundo e voltei a minha atenção para a tela do computador, ele fazia login em sua conta para poder acessar os documentos de vídeo. Alguns segundos depois, ele abriu um vídeo e deu play para podermos assistir. No vídeo era possível ver a minha superior entrando na minha sala. Ela mexia em meu computador e momentos seguintes, ela seguiu para as pastas nos armários e as trocou por outras. Tudo isso feito em um tempo recorde de cinco minutos, tempo o suficiente para passar despercebido.

— E assim descobrimos o criminoso. – sussurrou ele em meu ouvido.

— O que faremos? – disse me virando para ele.

Park Chin Hwa me olhava nos olhos e os nossos rostos estavam muito próximos, podia sentir o seu hálito em meus lábios e isso me fez tremer. Ao notar o meu desconforto, ele ergueu o seu corpo e voltou a se sentar em minha frente. Limpei a minha garganta e esperei por ele, estava com tanta vergonha que não sabia o que fazer no momento.

— Já fizemos. – respondeu. — Mostrei estas imagens ao meu pai, que a demitiu.

— Nossa. – não sabia o que dizer.

— Por isso a vaga da diretoria está aberta. – agora tudo fazia sentido. — Claro que o meu pai mandou os seus sinceros pedidos de desculpas, agora que tudo ficou nítido para ele. – sorri de canto.

— Que situação. – murmurei. — E eu culpando a Oh Reum.

— Ela continua sendo perigosa. – retrucou. — Claro que não é responsável por tudo, mesmo assim eu continuaria esperto.

— Pode deixar. – e nem era por motivos de trabalho.

Chin Hwa sorriu e voltou a tomar do seu café, agora que tudo estava esclarecido, eu podia voltar a respirar um pouco. Felizmente para mim, o meu trabalho voltava a funcionar de novo. E em breve tudo ficaria bem ao ponto de não me causar mais dores em nenhum sentido.

***

Eu não me sentia bem e isso ficaria pior. O dia no meu trabalho foi bom e a companhia de Chin Hwa me fez esquecer de todos os meus problemas, por um tempo. Porém, tudo se tornou real assim que voltei para casa e encontrei o semblante frio de uma pessoa que eu costumava ter por perto. A minha mente vagava por todas as possibilidades disponíveis para melhorar a situação, mas não conseguiria fazer nada sem o consenso de Taehyung. Se ele não estava disposto a conversar comigo, não podia obrigá-lo. Respirei fundo e voltei a minha atenção para o jantar que preparava para Namjoon. Gostaria de agradecer o carinho e claro, por ele cuidar dos meus filhos para que Taehyung pudesse se concentrar nele e em suas mágoas. Não era fácil, mas não podíamos desistir agora, esse era o momento para decidir se queríamos ou não continuar em um relacionamento sem estrutura.

— Alice. – ouvi o meu nome e afastei os meus pensamentos. — Está tudo bem? Como foi o seu dia? – Namjoon tinha uma voz suave.

— Foi intenso, mas bem produtivo. – e realmente foi.

— Você conseguiu resolver o problema? – questionou comendo um pouco de fruta. — Ou ainda precisa esperar mais um pouco?

— Não. – respondi retirando a carne do forno. — Juntamente com o meu chefe, descobrimos que a diretora estava sabotando os meus trabalhos. Não sabemos ao certo por qual motivo, mas acredita-se que ela queria a sua filha em minha posição, e como ela não passou pela entrevista, ela queria se vingar de mim. – não era bem de mim, mas de qualquer pessoa na posição.

— Isso é triste. – murmurou. — Não compreendo por qual razão as pessoas precisam descer tão baixo para conquistar algo.

— Também não entendo, mas fico feliz por termos esclarecido isso. – respondi colocando tudo sobre a mesa. — Finalmente posso trabalhar em paz sem receios.

— O que acontece agora? – questionou me ajudando com os talheres.

— A vaga está aberta e o meu chefe acha que eu deveria me candidatar. – Namjoon parou e me olhou com orgulho. — Mas não sei se deveria.

— Por qual razão você não deveria? – retrucou colocando copos na mesa. — A posição não é melhor?

— Sim. – respondi colocando a salada. — De fato, mas não sei se quero mais responsabilidades. Porém, confesso que fiquei tentada ao saber que posso diminuir as minhas horas de trabalho e que posso trabalhar em "homeoffice" quando necessitar. Isso é reconfortante para mãe de gêmeos. – pensaria na proposta com carinho.

— Que maravilha! – exclamou. — Vamos, o que está esperando para se candidatar?

— Coragem. – ele sorriu e se sentou. — Pensarei no assunto, prometi isso ao meu chefe e realmente o farei.

— Taehyung! – exclamou Namjoon ao vê-lo entrar.

Sentei-me no meu lugar e comecei a servir a comida, não queria contato visual com ele. Kim Taehyung vinha da rua e estava bem suado, provavelmente estava fazendo uma corrida. Ele gostava de se exercitar para aliviar o stress, então, estava tudo bem. Assim que cheguei em casa, ele saiu, então, não tivemos muito tempo para estar na companhia um do outro. Sabia que ele me ignorava e isso era de fato a melhor coisa a ser feita no momento, precisávamos deste momento a sós. Respirei fundo e servi o prato de Namjoon, esperando ouvir algo que indicasse que Taehyung comeria conosco.

— Olá, Namjoon. – disse se aproximando.

— A Alice fez um jantar para nós. – respondeu. — Infelizmente os meninos não podem vir e Yoongi está com os seus pais. Seremos só nós três. – ele tentava.

— Está bem. – murmurou Taehyung se sentando.

— Por falar nos meninos, como está o Seokjin? – questionei fazendo o prato de Taehyung. — O que ele anda fazendo?

— Não sei ao certo. – murmurou. — Mas sei que ele está sendo obrigado a cuidar da mais nova integrante da sua família e isso o deixou bem chateado. – não compreendia. — Aposto que esse é o motivo do seu sumiço.

— Aposto que eles se entenderão. – comentou Taehyung comendo. — Seokjin não é tão ruim como parece. – sorri de canto.

— Eu também acho. – retrucou Namjoon. — Espero que em breve ela possa fazer parte do nosso meio social, seria bom para ela.

— Alice? – ouvi a voz de Taehyung e rapidamente olhei em sua direção.

— Sim? – eu não queria brigar com ele.

— A comida está maravilhosa, obrigado. – sorri de canto. — Será que podemos conversar mais tarde?

— Amanhã. – disse. — Conversaremos com calma pela manhã, sim? – ele respirou fundo ao ouvir.

Taehyung nada disse, ele apenas ergueu o seu corpo e saiu da cozinha. Sabia que ele estava chateado e queria colocar as cartas na mesa, mas eu não me sentia preparada para conversar com ele. Isso acabaria em brigas e ambos estávamos cansados destes momentos. Kim Namjoon me olhava com compaixão, mas sabia que esse não era o único sentimento que ele tinha em si. Todavia, ele se conteve bem, mascarando os seus sentimentos.

— Não faz assim. – pediu baixinho.

— Estamos feridos. – murmurei. — Eu estou cansada das mentiras, dos segredos e das mudanças de humor. – Namjoon respirou fundo.

— Ele está sofrendo. – tentou.

— Não estamos todos? – retruquei.

Namjoon não respondeu, não era necessário. Ele sabia do que eu sabia e isso seria de conhecimento geral em breve. O fim estava próximo e mesmo não falando, todos sabíamos.

***

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