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***

Não é normal sofrer assim.

Terminei de ler a carta de Taehyung e as lágrimas rapidamente desceram por meu rosto, tornando o meu sofrimento em algo nítido. As suas palavras e as marcas das lágrimas secas pelo papel, transformaram todos os meus pesadelos em realidade e isso me assustou mais do que devia. Não pertencíamos um ao outro e neste momento, estávamos separados por um tempo indeterminado chamado, solidão. Respirei fundo e deixei o papel molhado de lado, eu não saberia como viver sem ele e não estava preparada para aprender. A sua presença assombrava todos os lugares do pequeno apartamento que chamava de casa, e o seu cheiro emanava, trazendo de volta o amor que agora não era meu. Perdi a pessoa que mais amei e as memórias que não queria esquecer, se tornavam então, memórias de algo esquecível.

Há exatamente dois dias eu me encontrava deitada, apenas olhando para o teto do meu quarto. Em mim, eu procurava coragem para ler a sua carta e quando finalmente a encontrei, descobri que não deveria ter feito. Hoseok e Seokjin foram dispensados no aeroporto com a promessa de que eu ficaria bem sozinha, uma mentira que precisei contar para não desabar em público. Eu precisava parar de sofrer, não aguentava mais. Limpei as lágrimas do meu rosto e me levantei da cama procurando por forças, me aproximei das janelas e as abri, deixando a luz do dia penetrar a minha pele.

Para garantir a saúde e a chegada dos meus filhos, eu precisava esquecer que sofria por amor. Me encontrava sozinha e precisava ser pai e mãe, garantindo que eles teriam o melhor nascimento do mundo. Após me permitir sentir luto, eu estava pronta para continuar com a minha vida e viver o máximo que podia ao lado deles. Prometi a mim mesma que faria algo bom por mim mesma passando assim, toda a sensação boa para os meus filhos. Se continuasse pensando em Taehyung e em todas as possibilidades que teríamos se ficasse na Espanha, nada mudaria e eu não podia me crucificar assim, não era justo. Ele me ajudou a tomar as decisões que nos separaram e isso seria o preço a ser pago por ambos.

Fui em direção a cozinha e abri a geladeira, eu estava com fome e não havia me alimentado nas últimas horas. Evitava olhar para os lados e não me permitiria devagar sobre o nosso amor, não podia. Eu o via em todos os lados e podia jurar que ouvia a sua voz sempre que me encontrava em transe, isso me assustava. A geladeira estava vazia e isso não era novidade. Antes de viajar, nos certificamos de que não teríamos comidas estragadas dentro do apartamento. Respirei fundo e fechei a geladeira, precisaria sair de casa para fazer compras ou morreria de fome.

Sorri de canto ao lembrar da nossa discussão sobre alimentos, mesmo falando que alguns alimentos podem ficar meses em uma geladeira sem perder a validade. "Alice, existem pessoas que não podem comer algo tão bom como nós, não vamos desperdiçar nada e nem guardar comida para quando voltarmos. Quando voltarmos, compramos tudo de novo." Taehyung tinha o dom de me fazer bem, mesmo me fazendo mal. Aos poucos, a sua ausência tomava espaço e fazia eco. Sempre que me encontrava assim, eu o sentia do meu lado.

Possuir alguém é tão doloroso como não ter ninguém. Parei no meio da sala e observei tudo mais uma vez, precisava mudar o cenário ou morreria aos poucos com as suas lembranças e com as saudades. Pensaria positivo e trocaria os móveis de lugar, criando assim a ilusão de que tudo ficará bem. Neste momento eu precisava esquecê-lo por algum tempo, apenas para não morrer de saudades. Enquanto estava presa em meus pensamentos, a campainha tocou. Não esperava ninguém e ninguém sabia que eu estava ali, logo, só podia ser os seus amigos. Respirei fundo e fui até a porta, olhando pelo olho mágico em seguida. Seokjin estava do lado de fora e pelo seu semblante, ele não parecia feliz. Girei a chave na fechadura e calmamente abri a porta, ele trazia vários sacos consigo.

— Bom dia, Alice. – disse entrando no meu apartamento.

— Bom dia, o que está fazendo? – questionei fechando a porta.

— Fui às compras, já que não retornou as minhas ligações. – respondeu. — Decidi ir sozinho, sem a sua companhia.

— Sinto muito. – murmurei. — Não consegui ligar o meu telefone, não quero ligar o meu telefone.

— Eu te liguei naquele telefone ali. – retrucou apontando para o aparelho fixo em cima da mesa. — Eu trouxe de tudo um pouco, não sei exatamente do que você gosta de comer. – ele não esperou uma resposta. — Se te conheço, sei que você não se alimentou bem nos últimos dias e por isso, vamos cozinhar algo para as crianças comerem. – ele soava autoritário e eu me sentia uma criança.

— Não se preocupe comigo. – disse. — Posso fazer isso sozinha, aliás, eu me preparava para ir às compras. – expliquei.

— Como você está? – questionou.

Ele ignorou a minha resposta e me olhou nos olhos. Lembro dos comentários de Taehyung sobre Seokjin. Segundo ele, Seokjin era muito rígido e autoritário, apesar dos seus momentos de alegria e o seu semblante angelical, ele era cheio de regras e não permitia erros amadores. Não tinha como fazer algo para o irritar, nem nos conhecíamos bem e eu não o queria ali.

— Obrigada. – murmurei sem mais detalhes.

— Passou dois dias sem comer? – questionou com muita seriedade. — Se não tem nada para comer. – as suas palavras soaram como se tivesse cometido um crime e talvez fosse um.

— É. – sussurrei dando de ombros.

— Não seja irresponsável. – repreendeu. — Não deveria se preocupar com as crianças que estão dentro de você? – eu me sentia mal. — Vamos, sente-se. – ordenou.

— Não estou com fome e ainda estou me adaptando à solidão. – respondi me sentando antes que ele resolvesse me bater. — Não é fácil sentir vontade de comer no momento. – não era motivo, eu sabia.

Seokjin calmamente começou a tirar as compras dos sacos e eu pude ouvir um suspiro calmo, os seus movimentos eram calculados e silenciosos. Ele se mexia com graciosidade e tudo o que fazia era com paciência, por um momento, me questionei se ele realmente estava ali ou se eu estava com alucinações. Gostaria de saber o que o fez deixar as suas férias para estar ali. Será que ele estava ali apenas por obrigação e lealdade ao seu amigo? Ou ele realmente se importava comigo e com os meus sentimentos?

— A dor passará. – comentou chamando a minha atenção. — Tudo passa, não se preocupe.

— Fala como se fosse algo corriqueiro para você. – murmurei pegando uma maçã, a levando à boca.

— Lave-a primeiro. – disse pegando a fruta da minha mão.

Ele lavou a fruta e me devolveu, não pude evitar um sorriso de canto. Todo esse cuidado era desnecessário, não seria uma maçã mal lavada o motivo da minha morte. Será que ele não sabia disso?

— Todo mundo passa por algum tipo de dor. – respondeu. — Como você lida com a dor define se você continua vivendo. – ele preparava tudo com rapidez. — Por vezes, desistir dói mais do que viver em dor. – senti tristeza em suas palavras.

— Não sei lidar com a minha dor. – murmurei. — Talvez por ser recente, incompreensível ou simplesmente por amá-lo muito. Não sei se conseguirei combater a saudade que sinto ao não tê-lo aqui comigo. – segurei as minhas lágrimas. — Na verdade, isso é o que mais dói.

— Passará, acredite em mim. – respondeu firme.

Não queria falar sobre isso, quanto mais falava, mais eu sofria. Gostaria de passar alguns minutos do meu dia sem pensar em tudo o que tinha acontecido, queria por alguns minutos esquecer o rumo louco que a minha vida tomou por amor. Pensei que não me encontraria aqui novamente, mas no momento, tudo o que havia acreditado descia por terra e os meus erros se tornavam mais reais do que nunca.

— Acho que não cheguei a agradecer a sua presença. – voltei ao meu pensamento de não saber os motivos, mas agradecer seria necessário. — Obrigada por estar aqui.

— Eu quis vir. – murmurou.

— Quis? – queria saber os seus motivos sem o questionar muito.

— Sim.

Em vários momentos, eu sentia que os amigos de Taehyung estavam comigo por lealdade a ele e às crianças que tínhamos juntos. Em muitos destes momentos, eu sabia que se não estivesse ali, eu também não seria sentida. E por causa destes momentos, eu me sentia um peso, como se estivesse causando problemas e fardos desnecessários.

— Não pense assim. – sussurrou chamando a minha atenção.

— Como? – engoli a seco.

— Não pense que estou aqui por ele. – disse. — Não estou.

— Como sabe que estava pensando nisso? – será que ele também era bruxo e não sabíamos? — E por qual motivo você se encontra aqui?

— Primeiro, você faz expressões interessantes quando pensa em certos assuntos. – sorri de canto. — Não parece, mas você é muito transparente.

— Aí, sim? – rebati. — Tipo quando?

— Tipo quando você finge achar graça nas piadas sem graças de Hoseok. – ele tinha razão. — Quando finge que não está com medo do seu parto e conforta a todos, menos você mesma. – respirei fundo. — Estou aqui para te ensinar que você não morrerá sem ele e por ser o único que saberá te mostrar isso, eu quis vir. – não soube o que responder.

— Você falou com Namjoon desde que voltamos? – precisava mudar de assunto.

— Sim. – respondeu. — Ele disse que mandou mensagens, mas que você não as respondeu. Ele sabe que você precisa de tempo e então, está tudo bem. – me sentia triste por Namjoon.

— Taehyung? – doía falar o seu nome em voz alta.

— Não. – pude sentir no seu tom de voz que ele escondia algo.

No momento, eu era o problema que Taehyung procurava esquecer. Então, faria sentido não falar sobre mim ou questionar se eu estava bem. Ele especificou que não pertencíamos um ao outro, mesmo sabendo que ele não seria capaz de ir para sempre, precisava considerar a ideia de me fortalecer sozinha. Necessitava compreender que seria apenas os nossos filhos e eu, que aos poucos não seriamos mais do que bons conhecidos.

Me sentia culpada, como se tudo fosse culpa minha. Talvez a culpa da minha solidão fosse realmente minha e eu precisava compreender e aceitar a sua distância como um sinal, eu não era boa para ele. Provavelmente, eu merecia toda a dor que sentia e isso era apenas o universo agindo contra mim. Enquanto Seokjin se concentrava em sua comida, as lágrimas lutavam para sair.

Por favor, Alice, não chore.

Por favor, Alice, pare de sofrer.

Por favor, Alice, pare de existir. 

***

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