Capítulo 1 | De volta ao lar
Sentada na sala de visitas, eu tentei inutilmente disfarçar um bocejo. Depois de quatro longos anos longe do Brasil, volto para minhas primeiras férias em casa e é assim que sou recebida pela minha vizinhança: com longas horas de fofoca sobre a cidade inteirinha.
— Fernando Villa Lobos, sabe? Aquele seu colega de escola que perdeu os dois dentes da frente em uma partida de futebol, lembra?
Luíza, a senhora fofa e vizinha da casa ao lado desde que me conheço por gente, coletava as melhores fofocas da cidade no bingo da terceira idade que acontecia todo o domingo no salão ao lado da igreja.
— Claro que lembro, dona Luíza.
Tinha péssimas lembranças com esse Fernando, então realmente não tinha como esquecer.
— Ele e a Helena Prado vão finalmente casar essa semana — jogou ela.
Eu não fazia a menor ideia, mas imaginava que algum dia isso poderia acontecer. Engraçado é que eu passo quatro anos fora, mas na semana que volto, eles vão casar. Não dava para esperar mais uma semana, Caroline? Eu tinha um ótimo senso de tempo mesmo.
— Que... bacana — disse, por falta de adjetivo melhor.
— E não é? — continuou dona Luíza, ignorando completamente a minha cara de desgosto ou a cara de constrangimento da minha mãe, Ana. — Eles namoram desde o tempo da escola, não é? Aaah, claro, Heleninha era sua amiga na faculdade. Vocês viviam juntas de um lado para o outro antes de você viajar e imagino que você já sabia!
— Ô mãe, o que vamos jantar? — a voz da minha irmã mais nova, Roberta, se fez ouvir lá do quarto.
Uma abençoada interferência que minha mãe não deixou passar em branco:
— Carol ficou de buscar o jantar, não é?
— Fiquei? — perguntei, confusa, quando minha mãe me puxou pelo braço do sofá que eu estava sentada.
— Ficou — ordenou ela, com voz de quem não vai ser contrariada. — A pizza aqui na frente, você conhece os valores. Pede toda de calabresa e metade sem cebola — e colocou uma nota de cinquenta reais na minha mão enquanto me enxotava nada delicada para fora de casa.
— Eu já volto, dona Luíza — garanti, falando por cima do ombro.
— Vai tranquila, querida.
No momento que passamos a porta da saída de casa, minha mãe pareceu respirar mais aliviada.
— Desculpe, Carol. Não imaginava que dona Luíza traria essa história hoje.
— Está tudo bem, mãe — tranquilizei ela. — Já passou tanto tempo, está tudo bem. Vou buscar a pizza e já volto — dei um beijo em seu rosto e atravessei a rua.
A Pizzaria da Cidade era a mais antiga e a melhor pizza do mundo, na minha opinião não tem para mais ninguém! Desde pequena, toda quinta-feira era dia de pizza na casa dos Albuquerque. As cores, o cheiro e as pessoas eram tão familiares que poderia chamar esse lugar de minha segunda casa. Sentei no balcão e fiz meu pedido para uma garçonete que estava ali. Mas não demorou para o gerente e amigo da família me cumprimentar e sentar ao meu lado para conversarmos um pouco. Tio Jorge ficou o tempo de preparo da pizza me perguntando sobre a faculdade e me contando as novidades da pizzaria.
Era minha primeira noite de volta, então poucas pessoas sabiam que estava aqui. Apesar de já ter a pizza em mãos, não poderia deixar de passar em um lugar muito especial: a casa do meu melhor amigo.
Marco Malmann morava três casas para cima da minha, na mesma rua. Crescemos juntos e somos melhores amigos desde a quinta série. O toque especial da nossa amizade é que Marco é gay e eu sou lésbica, então nosso relacionamento é o melhor e mais duradouro que já tive. Além disso, Marco é um pessoa maravilhosa, maravilhosa mesmo! Eu o amo de todo coração, por isso puxei o celular e mandei uma mensagem para ele:
C: migo, está em casa?
M: claro, new americana, ainda é quinta kkkk chamada mais tarde para matar a saudade?
Eu levava anos para responder, mas Marco nunca me decepcionava, era instantâneo.
C: que tal você só abrir a porta de casa?
O grito que ele deu com certeza foi ouvido no Japão, mas não importava. Estava morrendo de saudade. Ele abriu a porta, de roupão, e correu para mim com os braços esticados. Prevendo um estrago, gritei:
— Cuidado com a pizza!
Mas isso e nada deu na mesma, porque no instante seguinte seus braços me envolveram.
— Bem-vinda de volta ao lar! — disse ele, feliz.
Eu realmente me sentia em casa.
— Você não me disse que Lena se casaria — eu soltei sem pensar, enquanto estávamos comendo pizza no meu quarto.
— Você não me disse que ainda estava interessada — respondeu Marco, me olhando com a sobrancelha direita erguida.
— Touché — e apontei para ele, ainda segurando uma fatia da pizza.
Eu não estava interessada. Pelo menos, não deveria mais. Nunca mais.
Mas minha mente é traiçoeira e esse assunto estava ali, preso. Marco, pacientemente, esperou uma resposta mais completa que sabia que viria.
— Não sei, migo. Quando dona Luíza trouxe esse assunto, confesso que fiquei...
E pausei, procurando a palavra certa para me descrever.
— Curiosa? — sugeriu.
—Não... É... — nada veio ainda.
— Abalada? Furiosa?
— Não e não — ri, quase engasgando com a pizza. — Acho que mexida.
— Ah, não, Caroline! De todas as palavras do mundo, você foi escolher "mexida"? Decepcionado — concluiu Marco, rolando os olhos pra mim.
— Sério, não sei palavra melhor. Mas realmente algo dentro de mim... despertou.
— Coloca essa parte "mexida" pra dormir, Carol. Você nem se invente de correr atrás dela de novo! — advertiu.
Eu sabia que ele estava correto. Ele sempre estava correto, era a parte sensata de nós dois.
— Não penso em fazer isso, Marco, não penso em acordar antigas feridas.
— Ótimo, assim espero — e apontou para mim, com o dedo em riste como se me dando bronca. Eu estava levando uma bronca mesmo.
— A nossa história terminou de um jeito muito estranho... como se faltasse algum capítulo nela — divaguei baixinho, procurando um pedaço de cebola que eu sabia ter se infiltrado na minha parte da pizza.
— Tudo na vida tem um final, Carol, e vocês já tiveram a cota de drama de uma vida — errado ele não estava.
Assenti, perdida em pensamentos enquanto pegava a mão de Marco por cima dos pratos de pizza.
— Senti sua falta — desabafei.
Marco apertou minha mão, em um gesto que dizia que ele também se sentiu assim. Ficamos ali, parados, encarando a lua pela janela do meu quarto e comendo pizza silenciosamente. O tipo de silêncio confortável.
— Quer fechar seu ciclo, Carol? — perguntou, de repente.
— O que você quer dizer?
Ele tinha aquele olhar de quem estava planejando algo... Já sabia que vinha coisa.
— Amanhã é a festa de noivado da Helena, na casa dos pais do Fernando. Eu, claro, sou convidado de honra.
— Certo — disse, aguardando pela bomba.
Todo tipo de plano maligno passou pela minha cabeça, bolo voando, cadeiras quebradas, explosões.
— Vamos encerrar sua história, Carol. Nada melhor do que você ver a Helena com o noivo para enterrar de vez essa fagulha que surgiu.
Não era o que eu esperava, mas ainda assim soava como uma péssima ideia.
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