CAPÍTULO 9: É difícil saber em quem acreditar

— Do que você tá falando?

— Não seja lerdo, Orebe. Sou eu — disse ela apontando pra si mesma de cima a baixo.

— Eu não faço ideia de quem seja você.

— Ah, por favor. Como que você tava me procurando sem nem saber como eu era?
E foi então eu consegui entender de quem se tratava.

— Lilith?!

— Sim! Sim! Caramba, rapaz, você é lento.

— Eu encontrei você... — falei em comemoração silenciosa.

— Foi meio que o contrário, mas se você quer pensar assim, vai em frente.

Se eu consegui encontrar ela, então eu finalmente sou um anjo de verdade! Eu esperei até as asas aparecerem. Mas nada acontecia. Não sentia nada. Tentei procurar alguma sensação diferente no meu corpo, mas nada acontecia.

— Isso é frustrante — pensei alto.

— Eu que o diga. Esperava que você fosse mais alto.

— Não tenho culpa se essa foi a aparência que me deram. Eu até gosto... pera aí, eu tenho que levar você até Miguel — me levantei pronto pra ir até ela, mas senti algo me paralisar. — O que é isso?

— Um simples feitiço de paralisia. Você não me deixou falar, isso é desagradável.

— Tudo bem, desculpa. Pode falar — comentei. Eu não corria risco de morte, já que o Fantasma ainda não havia aparecido.

— Continuando. Já te disseram qual foi meu pecado mortal?

— Não. Não me contaram.

— Ela está logo ali — ela respondeu apontando para o quarto. — Pode sair.

Ninguém apareceu.

— Eu disse que já pode sair. Eu to aqui.

Novamente ninguém apareceu.

— Fala sério.

Lilith se aborreceu e foi até os fundos dos escombros e depois de algum tempo voltou reclamando com uma jovem de cabelos negros ondulados e bagunçados segurando um gato nos braços.

— Caramba, você tem que parar com essa mania de ficar saindo do esconderijo! Alguém vai acabar te encontrando.

— Mas ele tava com fome — reclamou a garota. Tinha a pele muito clara que quase se confundia com a o vestido branco que ela usava. Por cima vestia um casaquinho de lã verde e vários colares de pérolas e outros de vários tamanhos e formatos.

— Pouco importa. Eu traria comida pra ele. Você não pode sair daqui, já disse centenas de vezes.

— Desculpa — ela respondeu parecendo triste.

Lilith passou a mão no rosto indignada e respirou fundo em seguida.

— Você nunca muda. Não sei por que ainda me estresso.

A garota continuava acariciando o gato, até que os olhos dela pousaram em mim. Os olhos dela se arregalaram logo em seguida e ela soltou o gato no chão.

— Quem é ele, Lilli?

— Um celestial. Ele que eu tava rastreando.

— Ele me lembra alguém, mas eu não lembro quem era. Por que eu não lembro?

— Tá tudo bem. Calma. Não precisa se esforçar pra lembrar.

— Quem é essa? — Perguntei finalmente.

— Quem é?! — Lilith disse. Depois se voltou pra a garota — Qual seu nome, meu bem?

A garota de olhos escuros, pensou um pouco antes de responder. Apertou os olhos, como se lembrar de seu próprio nome fosse algo difícil. E enfim respondeu.

— Eva. O meu nome é Eva.

Eu não consegui entender a cena que se desenrolava bem na minha frente. E nem acreditar naquilo.

— O que isso quer dizer?

— Esse foi meu pecado mortal, garoto. Tirar ela de lá. De longe daquele bosta que era o marido dela. Tirar ela daquele laboratório doentio cercado de monstros luminosos como os seus amigos.

— Mas a Eva morreu a milênios...

— Isso é o que eles dizem. Eu tirei ela de lá. Sabia que as EVA's ficam presas pra sempre num local onde o tempo não passa?

— EVAS's?! Do que você tá falando?

Lilith riu antes de prosseguir.

— Você não faz ideia de pra quem você trabalha. Eles criaram a gente pra procriar. A única coisa para a qual servimos é manter aquela besta espacial viva.

— Eu não to entendendo o que você tá dizendo. Nada do que você diz faz sentido pra mim.

— Claro. Eles só te dizem o que você precisa saber.

— Você só tá enchendo minha cabeça de mentiras pra me manipular.

Eu começava a me irritar.

— Isso é serviço dos celestiais, não meu — ela disse impassível.

— Não acredito em uma única palavra que sai da sua boca.

— E na deles?

Lilith me libertou do feitiço a tempo de eu ver três figuras usando mantos pretos surgirem logo atrás de mim. Uma delas baixou o manto e revelou um rosto que eu só havia visto uma vez.

— Olá, nobre Orebe — disse Metatron.

— O que? — falei olhando novamente para Lilith. — Você traiu o Céu?

— Não há Céu, Orebe. Há aqueles que manipulam você e nós. Estamos lhe dando uma oportunidade de ver a verdade. Se tiver disposto a abrir os olhos para recebê-la.

Eu olhei em volta. Estava cercado por Metatron, mais duas figuras de manto, Lilith e uma garota que parecia ter uns 20 anos dizendo ser Eva. Não havia risco. Não havia por que não dá a eles o benefício da dúvida.

— Tudo bem. Vou ouvir vocês.

Metatron sorriu satisfeito e as outras duas figuras que estavam atrás dele baixaram o manto. Uma delas era Raphael e a outra era um garoto de pele caramelo e um olhar perdido que ficava rabiscando num caderno a cada palavra dita por Metatron.

— Acredito que já conheça Raphael — disse Metatron.

— Sim, conheço.

— Olá, Orebe — disse um Raphael mais calmo. Diferente daquele com quem eu costumava conversar sobre dor.

— E este é Gabriel — completou Metatron.

— Olá — disse Gabriel.

— Olá — respondi. — Então, estamos todos apresentados. Que tal me explicar o que tá acontecendo?

— Bem, eu pedi a Lilith que lhe trouxesse aqui. Ela é a única pessoa em quem eu podia confiar. Ela e Eva. Agora você precisa saber que há um traidor no Céu.

— Quem?

— Um espírito tão velho quanto o mundo. Meu irmão, Sandalphon. Ele planeja algo terrível.

— E por que não contaram a Miguel?

— Não podemos arriscar. Ele pode assumir qualquer corpo. Não tem escrúpulos para conseguir o que ele quer. Você ficaria surpreso com as atrocidades que ele já fez.

— Por que eu nunca ouvi falar dele?

— Ninguém fala sobre ele. E pra piorar, ele não tem forma física. Mas uma vez ou outra ele tenta assumir o comando do meu corpo. Somos gêmeos e estamos ligados por toda a eternidade.

— E por que só agora você veio atrás de mim?

— Por que só agora sabemos o que ele planeja — ele olhou para Gabriel e fez um gesto para ele se aproximar. — Alguns anjos ganham dons a mais na sua criação, foi o caso de Gabriel. Ele consegue prever o futuro. Diga a ele o que você viu.

— Eu vi os Melarins. Vi você morrendo afogado. Vi você matar Salatiel.

Metatron me encarou após ele terminar de falar. Como se esperasse que aquelas coisas fizessem sentido pra mim.

— O que são Melarins? — Perguntei.

— Caralho! O que você ficou fazendo durante todo esse tempo, garoto?! Só procurando rabo de saia?! — Disse Lilith que tinha ficado calada desde então.

— Eu tava procurando você! — Reclamei.

— Em toda garota que aparecia?! — Perguntou ela.

— Eu não fazia ideia de como você era! Nem ninguém!

— É claro! Eu não ia deixar que me achassem! Não foi atoa que eu espalhei meus órgãos por toda parte.

Fiquei enjoado antes de continuar a falar.

— Você... Pode fazer isso?

— Eu posso fazer tudo, garoto.

Pensei um pouco sobre. Um misto de alívio se misturou a minha esperança.

— Até seu coração?!

— Tudo.

— E sua magia vai junto?!

Ela enrugou o cenho sem entender.

— Não era pra isso acontecer.

— Mas aconteceu. E eu achei que fosse você. Achei que tivesse te encontrado. Que eu tivesse que me afastar dela. Mas... não era você.

— Não. Eu to bem aqui. Mas explica direito isso aí da minha magia ter sido passada pra alguém que to confusa.

— Uma garota que conheci. Ela não era uma bruxa, mas havia magia nela. E eu achei que fosse você.

— Você precisa me levar até essa garota — ela disse séria. — Logo.

— Você não ouse tocar...

— Ou o que?! Fica na tua aí que mulheres são minhas aliadas. Eu quero recrutar ela.

— Você o que?!

— Pessoal, a gente pode focar aqui na conversa sobre o fim do mundo? — Comentou Raphael.

— Fim do mundo?! — Perguntei assustado.

— É disso que essa conversa se trata, meu jovem — explicou Metatron.

— E como vai ser esse "Fim do mundo"?

— Os Melarins. E só você pode impedi-los — disse Metatron.

— Quem diabos são esses Melarins? — Perguntei já irritado.

— Eu posso explicar — disse Lilith se aproximando do meio da conversa. — Os Melarins eram uma classe de elite de anjos poderosos que foram enviados à Terra para proteger a humanidade . Eles foram alguns dos primeiros anjos a chegar à Terra. Eles ensinaram aos humanos sobre as ciências e sobre a magia. O líder deles, Samyaza, o anjo que guardava o conhecimento, e seu amiguinho Azazel, lideraram um grupo de duzentos anjos e foram viver entre os humanos, como eles.

— Seu pecado foi que eles tiveram filhos com as humanas, o que foi visto por nós, na época, como monstruosidade — comentou Raphael.

— Graças a eles que nós não podemos chegar perto demais dos humanos — completou Gabriel apontando para Eva a cerca de três metros de distância. — Se chegarmos perto demais, explodimos.

— Tudo bem, dessa parte eu não sabia — comentei.

— Não havia necessidade de você saber — completou Raphael. — Isso é algo que só incomoda a nós anjos.

— A Barreira Celestial — lembrei da conversa que havia tido com Raphael.

— Exatamente — confirmou ele.

— Continuando — disse Lilith. — Os filhos que nasceram do cruzamento entre os Melarins e as humanas, foram criaturas bestiais, conhecidas como Anakis. Logo os Santos Vigias foram enviados para acabar com a prole dos Melarins e dar um fim a existência deles.

— Acabou que os Melarins não puderam ser mortos. Eles eram mais fortes do que imaginávamos. Então foram trancafiados numa prisão inquebrável nos confins da terra — concluiu Metatron. — Mas meu irmão parece ter encontrado um jeito de libertá-los.

— E por que não chamam esses Santos Vigias pra trancar eles de novo?

— Os Santos Vigias eram um outro grupo de elite de anjos muito fortes liderados por Miguel. Dois deles estão aqui conosco — neste momento Metatron apontou para Gabriel e Raphael. — Os outros são Jhudiel, Raguel, Uriel e Salatiel. Mas eles só tem poder quando unidos, separados são apenas arcanjos, seres inferiores se comparados aos Melarins. Eu vi com meus próprios olhos o poder que eles tinham.

— E onde estão eles? Espera... Salatiel. Você disse que me via matando ele, mas por que?? Por que eu matava ele? Onde ele tá?

Eles se entreolharam e então Raphael disse.

— Ele sumiu. E Raguel, antes que você pergunte, sumiu á séculos também. Só restam cinco de nós. Cinco arcanjos contra duzentos Melarins.

— Isso não parece uma batalha justa — cometei. — E os outros anjos?! Por que não podem chamar eles?

— Eles só agem com o comando de Miguel e Miguel só poderia chamar eles se tivesse a aprovação de Elohim — disse Metatron.

Aquela era a primeira vez que eu ouvia alguém se referir a Deus por aquele nome. Ele tinha muitos nomes, mas aquele era um dos que eu ouvia com menos frequência.

— E então, o que faremos? — Perguntei.

Uma explosão foi ouvida próximo de onde estávamos e todos se abaixaram com o susto.

— Acho que agora a gente precisa sair daqui — gritou Lilith Correndo até Eva. — Puta merda.

— Eu gostaria de saber onde exatamente fica "aqui" — falei meio assustado.

— Uma cidade abalada pela guerra, mas tinha sido isolada, não entendo o que seja todo esse barulho — comentou Metatron.

— Fomos encontrados! — Gritou Lilith. — Os cabeças de pombo acharam a gente.

— Oh, Deus — lamentou Metatron.

— Sim, tira a gente daqui — reclamei. — Vocês viajam na velocidade do pensamento já tinha dado tempo de ir e voltar umas mil vezes de casa.

— Essa cidade fica dentro do Éden, Orebe — Disse Raphael se aproximando da janela. — Não importa onde a gente for, eles vão nos seguir.

Senti meu coração sair pela boca. Aquilo era pior do que eu podia imaginar. Eu não só perderia minha chance de ser um anjo como seria considerado um traidor. Não, Orebe. Isso é um pensamento egoísta. Pense nos outros, seu merda.

— Lilith — chamou Metatron. — Quantos pode levar pelo portal?

— Eu e mais dois — ela respondeu. — Eu preciso segurar na pessoa para atravessar, caso contrário, podem cair no vazio e se perder.

— Leve Orebe e Eva com você. Nós os atrazaremos.

— Metatron, você vai ser considerado um traidor — falei.

— Eu sei — ele disse calmamente. — Mas com vocês longe daqui, teremos uma chance. Vá até Miguel. Tente convencer ele.

— Eu farei isso.

— Nós daremos cobertura, Orebe — disse Raphael.

— Obrigado.

— Já chega, vamos — disse Lilith me puxando pra perto dela e de Eva. — Adeus, velhote.

— Adeus, Lilith.

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