CAPÍTULO 8: O Dilema do ouriço

To tentando me distrair para não deixar esses pensamentos me abaterem. Sei lá, todas essas coisas tão me cansando, talvez eu seja mesmo uma pessoa egoísta como Layla disse e só machuco aqueles que se aproximam de mim. Nossa, nunca me vi dessa forma. Mas talvez eu realmente seja isso. Será que ela realmente tá grávida? Será que ela vai me contar? Eu deveria dizer a ela que eu já sei? Não. Aí eu além de egoísta seria considerado um mal educado. E bisbilhoteiro. Eu deveria contar pra Sara? Não, não. Aí a Laya teria mais raiva de mim.
As coisas eram tão mais fáceis quando eu só ia embora da vida das pessoas. Quanto mais tempo se passa com alguém,mais problemas aparecem. Mas eu não vou fazer isso. Isso seria egoísta e eu não quero ser visto dessa forma. Eu me importo com minha irmã. Me importo com a Layla.

Eu estava andando de skate na praça que eu me encontrei a Âmbar pela primeira vez. Ela parecia tão frágil naquele dia. Apenas uma garota se sentindo perdida. Não fazia muito tempo desde aquele dia, mas agora ela está magoada comigo por eu ter ignorado ela por todo esse tempo. Queria poder nunca ter entrado na vida dela. Seria tudo mais fácil.

- Orebe - disse uma voz feminina se aproximando, olhei rapidamente achando que pudesse ser Âmbar, mas era apenas uma garota alta de cabelos cacheados e ruivos, muito curtos e muitas sardas quase que cobrindo seu rosto.

- Oi...? - respondi meio preocupado achando que pudesse ser mais alguém pronto para jogar verdades na minha cara.

- Relaxa, foi o Lúcifer que me mandou - ela disse fazendo um gesto com a mão para eu me acalmar.

- Lúcifer?!

- Ah, por favor - ela revirou os olhos - Seu irmão. Ele não parou de falar de você desde que você saiu.

- Quem é você?

Ela sorriu e eu senti uma energia sinistra fluindo dela.

- Me chamo Belphegor. Pode me chamar de Bell. Já fomos apresentados quando eu era do exército de Miguel, mas hoje só sou um demônio como qualquer outro.

Eu me lembrava vagamente de um Belphegor que era um anjo, mas que foi expulso por não escolher um lado durante guerra. Mas eu sempre gostei mais de me fazer de desentendido.

- Não entendi nada. Mas o que você quer?

- Já esqueceu?! Lucifer disse que eu deveria vir até aqui. Cuidar de você ou algo assim.

Só então me lembrei da conversa que tive com Lucifer, no Inferno. Finalmente um problema que eu posso resolver.

- Ai, nossa. Não me lembrava mesmo disso, sinto muito. Minha cabeça não anda boa ultimamente.

- Tantos séculos de existência e você parece não ter aprendido nada.

- Eu não sou bom com problemas. Principalmente os humanos. Normalmente eu só vou embora e recomeço.

- E por que não faz isso agora? - Ela perguntou me desafiando.

Baixei a cabeça para que ela não pudesse ver a verdade nos meus olhos.

- Por que estou perto de achar Lilith. Mais perto do que jamais estive.

- Talvez suas mentiras funcionem com os humanos e seus cérebros limitados, mas da para ver claramente que não é esse o problema. Eu não preciso nem me esforçar pra ver que isso tem a ver com sentimentos humanos.

- Você tá cheirando muito enxofre isso sim. Desde quando eu me envolvo emocionalmente com os humanos? - Falei. Não era por que ela estava me ajudando que eu ia confiar meus segredos a ela. To ficando velho, não doido.

O rosto dela ficou a centímetros do meu. Perto o suficiente para eu sentir um aroma muito doce que vinha dela. Quase intoxicante.

- Você tá se tornando humano demais, Orebe. Isso pode ser um erro. Basta os outros irmãos malucos. Aquilo é o Céu ou uma ala do sanatório?!

- Não enche.

Ela sorriu se divertindo.

Ouvi uns latidos por perto.

Me virei para olhar e lá estava Âmbar. Ela estava segurando a Lessy pela coleira. Eu sorri em lhe ver, mas ela não parecia sentir o mesmo. Demorou pra eu entender a razão.

Ela não olhava para mim. Olhava para Bell.

Demorou pra eu entender o que ela sentia, mas talvez fosse o fato do babaca do cara que dizia gostar dela estar na mesma praça onde a gente se encontrava ao lado de uma "garota" desconhecida, mas atraente. Minha situação não era boa. Eu, no lugar dela, teria saído dali e nunca mais olharia na minha cara.
No susto, sem fazer ideia do que fazer, virei o rosto para o outro lado.

- Orebe? - Chamou Âmbar.

- Tem uma garota te chamando - comentou Belphegor.

- Tem certeza que é comigo?!

- Não é possível que tenha outro Orebe aqui nessa praça. Vai logo, eu vou ficar de olho aqui de longe.

- Ah, claro.

Sentia que ela deveria estar do meu lado caso a Âmbar resolvesse pular no meu pescoço. Após aquele dia do cachorro, fiquei meio precupado. Depois de tentar me acalmar, fui caminhando até lá.

- Oi...? - Falei.

- Tá bom, né?! - Ela falou com os lhos ardendo em fúria.

- De quê? - Perguntei inocentemente.

- De me ignorar, Orebe. Eu não tenho sangue de barata. To cansada disso. E te ver com aquela puta ruiva foi a gota d'água.

- Calma...

- Não me pede calma, Orebe. Caramba, por que tu fez isso comigo?

- Desculpa. Você não merece.

- O que?

Respirei fundo antes de continuar.

- Na filosofia, existe um problema chamado "Dilema do ouriço", que explica essa situação.

Ela ficou me encarando, esperando que eu continuasse.

- Num lugar muito frio, alguns ouriços tinham que se aproximar pra não morrer de frio, mas toda vez que tentavam, eles se machucavam.

- E?

- E essa é a mesma barreira que a gente tem no nosso coração, Âmbar. Se eu deixar você se aproximar mais de mim, eu vou machucar você.

- Eu também posso machucar você.

- Pode. Por isso que é melhor a gente se afastar.

- Aí a gente vai morrer de frio.

- Talvez.

- Eu prefiro ficar com você.

- Não podemos...

- Então é isso que tu quer, Orebe?

- Âmbar...

- Eu sou muito trouxa mesmo - ela disse com lágrimas nos olhos.

- Calma, Âmbar...

- Eu aqui achando que poderia te encontrar aqui, no dia do meu aniversário e que a gente ia ficar bem. Que você ia deixar de ser assim, me afastando e falando coisas sem sentido...

- Ai, meu Deus. Seu aniversário...

- Não, não. Esquece.

- Âmbar, eu sinto muito...

- Eu também sinto, Orebe - ela disse com as lágrimas já descendo pelo seu rosto.

E foi se afastando de mim com a Lessy lhe acompanhando. Eu achava que eu não poderia piorar as coisas, mas eu sou muito bom em estragar minha própria vida. Eu tinha medo de quem a Âmbar realmente pudesse ser.
Belphegor me olhava de longe com uma certa tristeza com as mãos nos bolsos de sua Jaqueta de couro, mas antes que eu pudesse ir até ela, eu sou levado.

- Orebe, lamento pelo chamado repentino, mas temos algo importante para... Você tá bem? - perguntava Miguel parecendo apressado, mas ainda assim atencioso. Estávamos na sua sala, no Éden, com Judhiel ao seu lado.

- To sim - disse forçando um sorriso.

- Você não parece bem - ele falou, enrugando o cenho.

- Eu to, relaxa - fui me aproximando até a mesa, para olhar ele mais de perto. - Então... Do que se trata esse chamado? Vocês assumiram o relacionamento de vocês?

Eu não esperava que os dois fossem ficar tão constrangidos. Judhiel tentava conter um sorriso e desviou o olhar, enquanto Miguel arregalou os olhos e tentou procurar o que falar. Aqueles dois não tomavam jeito. Não os culpo, relacionamentos amorosos são proibidos para os anjos, só se pode sonhar com isso. Eu sou o único que to relativamente livre pra isso. Sabe-se lá Deus por que. Acho que tem alguma coisa a ver com alguma coisa que os anjos fizeram ou sei lá. Não me julguem, não é fácil lembrar de tanta coisa.

- Ora, Orebe, não diga bobagens. O único amor que temos é aquele pelo Senhor. Não nos confunda com humanos. Só parecemos com eles, mas não passa disso.

- Exatamente - disse Judhiel ainda segurando o sorriso.

- Claro, claro. Então me diga o que quer comigo.

- Um Sábio. Um Sábio foi encontrado.

- É tão difícil assim achar um Sábio ou vocês que enrolam o trabalho?

- Difícil nem sempre é, mas achar algum que tenha uma informação digna da nossa atenção, aí já é outra história. E outros não querem ser encontrados. Não se esqueça que alguns deles são desertores.

- Claro, claro. E esse aí?

- Não conhecemos ele, mas ele nos contatou.

- E eu vou encontrar ele agora?

- Sim - disse Judhiel tocando no meu ombro.

Paramos em frente a um bar que parecia lotado e Judhiel falou.

- Ele vai te encontrar lá dentro. Disse ter informações sobre Lilith. Da localização exata dela.

- Tudo bem. Obrigado. E desculpa pelo comentário ainda a pouco. Fui meio indelicado.

- Não precisa se desculpar. Ser anjo tem suas partes ruins também. Mais ruins do que boas - ela disse parecendo triste e então sumiu.

Entrei no bar sendo encarado, já que eu parecia ter 15 anos de idade. A música era alta e o cheiro de álcool e cigarro tomava conta do lugar. Muitos homens conversando alto e gritando uns com os outros. O tipo de lugar que transbordava de testosterona e que eu adorava evitar.

Me sentei no bar e o barman me encarou.

- Não vendemos bebidas pra menor de idade - disse o barman, um homem de idade usando uma blusa branca gola pólo.

- Ah, não, eu to esperando alguém - respondi.

- Vai ter que pedir alguma coisa se quiser ficar aqui.

- Uma água então.

- Com gás ou sem?

- Sem gás, obrigado.

Ele saiu me deixando sozinho no bar. Olhei em volta tentando ver alguém que se parecesse meramente familiar a um Sábio. Pior que eles podem se parecer com qualquer pessoa, o que não facilitava o meu trabalho.
E tudo se manteve na maior normalidade possível para um bar em uma noite de domingo. Até uma ventania entrar no bar, me causando um arrepio na espinha.
Logo em seguida as vozes dos homens pararam e eu olhei para a porta de entrada. Uma mulher alta, usando uma croped preta e um blazer entrou no salão, os olhos famintos dos homens a acompanhando enquanto ela entrava e vinha até o bar, se sentando ao meu lado. O burburinho voltou em seguida.

- O cheiro de testosterona aqui chega a ser insuportável - comentou ela.

Era uma mulher muito atraente. Tinha os cabelos muito longos trançados e usava um colar com um grande pingente de serpente dourado. A pele era de um marrom-azulado muito escuro.

- Um whisky, por favor - disse com uma voz meio rouca.

Não demorou para que um homem se aproximasse dela.

- Oi, bebê. Posso te pagar uma bebida? - disse um homem com o triplo do meu tamanho se metendo entre mim e ela.

- Não, obrigada. Já pedi uma - ela disse calmamente.

- Ah, qual é, não se faça de difícil - ele insistiu.

- Não. E não insista mais senão eu vou considerar isso como assédio - ela disse mais firme.

Quando o barman terminou de colocar a bebida, o homem tomou e fez um urro em seguida.

- Isso é por ter me feito perder tempo.

Ele já ia se afastando quando disse algo. Não vou repetir o que ele disse, mas o cara conseguiu ser escroto em vários níveis diferentes com uma única frase.

Mas um copo voou e atingiu a cabeça dele logo em seguida, fazendo ele cambalear e se virar pra ela passando a mão pela cabeça ensanguentada.

O som parou e todos ficaram paralisados.

- Existem três coisas nesse mundo que eu mais odeio - A mulher falou ao se levantar do bar. - Um racista, um machista, e um homem. Pro seu azar, você é os três.

Todos ficaram boquiabertos com aquela mulher. Mas sejamos sinceros, o cara mereceu. Mereceu demais.

- Eu não vou baixar a cabeça pra nenhum filha da puta que se acha superior só por ter um pau entre as pernas.

- Sua puta! - Gritou o homem chegando bem perto dela.

Ela o socou tão forte que ele caiu por cima das mesas já desacordado. Outros homens se levantaram tentando tomar "as dores" do babaca caído no salão. Ela se encostou no balcão e as luzes começaram a piscar. Houve um apagão e de repente todos os homens brigavam entre si violentamente como animais enlouquecidos.

A mulher olhou em direção a mim e me agarrou pela camisa me puxando.

- Você vem comigo - ela disse me encarando com olhos escuros.

- Tudo bem...

Eu a segui até fora do bar, enquanto as outras pessoas abriam caminho para a gente passar. Já fora do bar eu falei.

- Você deve ser o Sábio que me chamou até aqui.

- Não faço ideia do que você tá dizendo - ela disse sorrindo -Só te segui mesmo.

Parei após ouvir isso.

- Então quem é você?

Ela se virou e me encarou de volta.

- Os homens sempre vão até as mulheres, mas quando uma mulher vem até eles, eles ficam sem reação. Pifam como um rádio velho.

De repente o chão se abriu nos engolindo. Era como se eu estivesse afundando, logo me subiu um desespero, mas como eu podia respirar, me acalmei. O cabelo dela flutuava como se estivéssemos dentro de um lago escuro com uma luz arroxeada que iluminava tudo e que não parecia vir de nenhum lugar e ao mesmo tempo, de todos. Continuamos assim por um minuto até cairmos em um outro lugar.

Olhei ao redor e não conseguia reconhecer nada, haviam apenas destroços, como se houvesse caído uma bomba naquele local. E era dia, então deduzi que estávamos fora do Brasil.

- Para onde você me trouxe?

- Não precisa saber. Só é um lugar que seus amigos brilhantes não vão nos achar - ela comentou indo em direção a um pedaço de entulho que um dia deve ter sido uma parede.

- Entendi. Você quer me matar!? Já aviso que é impossível.

Ela deu uma risada curta antes de falar.

- Primeiro que isso não é impossível, já que você não sabe nadar. O que chega a ser ridículo - Logo em seguida completou. - Segundo que não é isso que quero. O que quero é que você saiba a verdade.

- Que verdade?

- A verdade do porquê você está me procurando.

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