CAPÍTULO 7: Sim, eu sou um merda

Eu to evitando a Âmbar. Sim, sei que isso não é a melhor forma de lidar com isso, mas o que eu posso fazer?! Eu sou um anjo, ela aparentemente é bruxa, mesmo sem saber, sei lá. Não da. Já arrancariam meus braços só por eu ter me desviado da missão, imagina como vão reagir ao saberem que me envolvi com uma bruxa?! Não, não, não. Preciso me reafirmar. Tenho um objetivo, eu tenho um objetivo.

- Pobrezinho, falando sozinho - comentou Ariel se sentando ao meu lado.

- É, eu to louco.

- Você já era louco, mas parece que tá piorando - comentou Wiki.

- Eu não sei o que fazer, só isso. Já passaram por isso?!

- Eu costumo pedir conselhos ao meu pastor quando passo por algo assim - disse Ariel.

- Dispensado - falei.

- Eu respiro e penso com calma - falou Wiki.

- Não sou bom em pensar com calma.

- Sabemos. Você age por impulso - comentou Ariel.

- Tipo o Ariel quando vê um bar. Ele nem pensa antes de gastar todo o dinheiro dele com isso - provocou Wiki.

- CO-I-TA-DA. Tu ao menos já tomou banho hoje pra falar meu nome?!

As farpas gratuitas deles normalmente me divertia, mas minha cabeça não anda boa pra rir daquilo. Eu me levantei da mesa e saí da escola passando pelo porteiro. Âmbar ficou me encarando enquanto eu passava, ameaçou se levantar, mas nada fez.
Caminhei até em casa e, minha irmã ainda estava se arrumando pra sair, eu ignorei ela e fui pro meu quarto.

- Orebe - gritou ela do corredor.

- Que é?

- Vê se não esquece de novo de ir me buscar, viu?! Mãe já reclamou.

Não tinha nem me lembrado dela nesses últimos dias. Nossa, mais um problema para minha cabeça.
Antes de me deitar na cama caio em um chão seco e gelado.

- Ai, caramba - reclamo.

- Orebe, sinto muito pelo chamado repentino - disse Judhiel.

Eu estava numa espécie de biblioteca improvisada nos salões dos anjos.

- Tudo bem - falei me levantando. - Que tantos livros são esses?!

- Bem, não podemos ter livros humanos, mas... - ela brincou com a abotoadura antes de terminar a frase.

- Você roubou todos esses livros?

- Sim - ela disse rindo. - Fazer o que?! Eu me interessei demais sobre esse sentimento humano.

- Qual? - falei me aproximando de um livro que grande parte das pessoas deve conhecer, mas nem todos gostam. Um tal sobre um vampiro e uma adolescente com baixa autoestima.

-... A paixão. É algo tão intenso, poderoso, assustador...

- Sim, sim. Todas essas coisas, realmente.

- Você, em todos esses anos, já se apaixonou?

Eu engoli seco antes de responder aquela pergunta. Não sabia como eles iriam reagir, já que a única coisa que poderíamos amar era a Deus, qualquer linha fora dessa curva, faria com que fôssemos julgados por traição.

- Talvez - mas mesmo assim, eu não poderia mentir.

- E como foi? - Ela perguntou. Ela parecia verdadeiramente curiosa, então fui sincero.

- É estranho. A coisa que você mais sente é vontade de tá perto e uma espécie de dor só de estar longe da pessoa.

- Quantas vezes você passou por isso?

Tive que rir antes de responder.

- Apenas uma vez. Eu nunca fiquei tempo o bastante pra isso acontecer.

- Isso é triste. O amor pra gente é tão raro. E um crime. Não se preocupe, viu?! Seu segredo tá bem guardado.

Eu sorri com satisfação. Sabia que Judhiel era um anjo de palavra.

- Obrigado.

- Ah, Orebe, esqueci. Encontrei outro Sábio para te ajudar. Vou te levar lá.

- Cla...

Antes que eu pudesse terminar a palavra, Judhiel havia me levado para uma casa meio isolada, numa fazenda. Uma mulher balançava uma criança num balanço enquanto as duas riam de felicidade. A mulher pareceu perceber minha presença e me olhou por cima do ombro. Falou algo com a criança e ela correu para dentro da casa.
A mulher se aproximou de mim devagar e sorridente. Os cabelos dourados e os olhos escuros me fitavam como se me conhecessem a anos.

- Orebe Osborne.

- Desculpa, mas, como...?

Olhei para Judhiel para tentar achar respostas, mas ela já havia sumido.

- Eu sou mais velha do que pareço. Tava lá quando você foi criado. Tava lá quando muitos foram criados - ela riu um pouco e continuou. - Meu nome é Giulia. Tudo o que tenho são esta casa e todo o amor em meu coração. E sinto que você se sente perdido e busca ajuda. O que houve desta vez? Ainda Lilith?!

Meu rosto pareceu ter vacilado antes que eu abrisse a boca.

- Tem mais alguma coisa. O que é?

Expliquei pra ela a situação com a Âmbar, que eu sentia que estava errado estar com ela, mas estar longe dela doía em mim de uma forma avassaladora.

- Entendo. Bem, talvez você deva focar primeiro seus esforços em terminar a missão, senão os outros anjos não te deixaram em paz. Depois disso, você pode viver sua vida a vontade, como e com quem quiser.

- Mas...

- Mas você tem medo de abrir seu coração. Tantos séculos e a única coisa que você aprendeu foi a ignorar seus sentimentos?! Dói deixar alguém entrar nas nossas vidas quando se tem medo, mas dói mais ainda deixar que elas saiam por negligência.

Eu concordo com o que ela diz. Agradeço e Judhiel aparece para me levar embora.
Eu faria o que tivesse ao meu alcance para ficar ao lado de Âmbar.

Já saindo do meu quarto, dou de cara com uma Layla encharcada e soltando fumaça pelos ouvidos. Lá fora a chuva caía violenta.

- Cuidado com o coração, Layla - comento.

- Vai se foder, Orebe!

Eu paro. Ela parecia estar muito zangada comigo e sentia que tinha razão. Mas por que? Ah, não... Eu não fui buscar ela no colégio.

- Olha, Layla, eu...

- "Eu", "eu", "eu." Caralho, Orebe! O mundo não gira ao teu redor! Não é como se tudo fosse sobre você!

- Opa, opa. Calma. Eu não fiz nada.

- Você nunca faz! Nunca! Você é sempre esse idiota! Não liga pra nada que não seja sobre você! Tá sempre por aí fazendo piadas e agindo como se a vida dos outros não importasse!

- Você não sabe o que tá falando. Eu...

- Ai, é?! - Ela esbravejou. - Cadê aquela garota com quem você tava saindo? Hein?!

- Isso não te interessa - fui grosso, mas aquilo era um assunto sobre o qual eu não queria conversar.

- Certeza que você tá ignorando ela. Certeza que você tá afastando ela. Por que é isso que tu sempre faz, porra!

- Isso não é verdade.

- É sim, Orebe! Você não tem o direito de aparecer na vida das pessoas, fazer com que se sintam especiais e depois sair como se nada tivesse acontecido! Isso é desumano!

As palavras dela doíam como facadas enterradas no meu peito. E olha que eu entendo bem sobre isso, na moral.

- Layla, eu sinto muito...

- Cala a boca! - ela gritou e foi até o quarto, bateu a porta e eu fiquei no silêncio encarando a minha estúpida existência.

Entrei no quarto despreocupado e nem me assusto ao ver Raphael sentado na minha cama com o pescoço engessado.

- Orebe, Orebe. Olha quem resolveu aparecer. Saudade de você. Já sabe o que vim fazer!?

- Sim, sei. Você quer saber o que é dor de verdade, Rophe? Então lá vai: Eu acabei de perceber que eu sou um merda egoísta que machuca as pessoas que eu amo. E to perdendo a garota que eu amo por medo de ser destruído e esquecido da existência por ser um amor proibido. Fodam-se todas as dores que já infligiram ao meu corpo, por que toda aquela merda eu podia ignorar, superar, mas essa aqui... Nunca vai se fechar.

Raphael ficou quieto por alguns segundos antes de falar qualquer coisa. Ele respirou fundo e arrancou com calma o gesso do pescoço. Alongou o pescoço e se aproximou de mim com os braços abertos.

- Sinto muito, Orebe.

Eu o abracei e chorei todas as dores que eu fingia não existir até que elas amenizassem.

Após eu conseguir me acalmar, Raphael foi embora e fiquei encarando meu fracasso como ser humano. Tudo bem que eu não sou um ser humano, mas eu achei que pudesse lidar melhor com todos esses problemas humanos. Mas eu não imaginava que fosse tão difícil ficar tanto tempo numa mesma família. Ainda mais aquela, com todos os seus problemas de comunicação.
Resolvi tomar coragem e ir até o quarto de Layla para me desculpar. A porta estava entreaberta e ela falava ao telefone, mas eu não consegui deixar de ouvir o que ela dizia.

- Não, cara. Você não ta entendendo. Eu não posso dizer isso pra minha mãe.

Eu fiquei preocupado e resolvi ouvir mais o que ela dizia. Eu sei, eu tava errado, mas precisava ficar de olho nela. Mesmo não sendo minha irmã de verdade, eu considerava ela como uma.

- Quem?! Ele não liga pra nada que não seja sobre ele mesmo - ela falou.

Provavelmente deveria estar se referindo a mim, mas resolvi não tirar conclusões precipitadas.

- Sim, meu irmão é um babaca.

É, era sobre mim que ela tava falando.

- Ele some quase todos os dias sem avisar e a mãe não sabe de nada. Aproveitei pra chamar o Ariel pra vir aqui.

Engraçado. Não imaginava que esse nome fosse tão comum aqui.

- Não. Tá louca?! Meu irmão não pode saber disso. Ele é amigo dele.

Não creio. Isso não podia ser verdade. Eles não fariam isso. Não podiam. Nada contra eles se relacionarem, mas eles esconderam isso de mim. Eu esperava isso dá minha irmã, mas não dele. Ele parecia ser meu amigo.

- Sim, o exame tá aqui.

Por Deus, que esse exame seja pra gripe.

- É daqueles de farmácia. Acho que precisa mijar em cima, sei lá. Vou ver as instruções na internet depois.

Não, não, não. Não, não não. Isso só pode ser uma pegadinha, pensei. Então me afastei da porta e fui até o meu quarto. Isso era demais pra minha cabeça. Demais até pra mim. Como deve tá a cabeça dela então? E ela ainda diz que sou egoísta. Tá bom, esse pensamento foi egoísta. Mas como a Sara vai reagir?! Sara vóvó agora. E eu... Vou ser tio?! Não completamente, já que ela não tem meu sangue, mas ainda assim, eu vou ser tio. Tio Orebe.

Ai, caramba. Preciso dormir.

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